sexta-feira, 29 de julho de 2016

Cultura e Anarquia

Cultura e Anarquia

Em resposta ao meu artigo autobiográfico "My Libertarian Life", Mike Tuggle escreve:

Eu apreciei seu artigo descrevendo sua evolução política. Posso eu mesmo confessar um caminho similar, tendo sido um americano patriota que defendi as guerras do Vietnã e Iraque I. Rand fazia perfeito sentido para mim na época. Contudo, eu também comecei a notar as contradições dentro da filosofia de Rand e comecei a me movimentar na direção "libertária". Eu vim a acreditar que a filosofia de Rand não é, em essência, nem um pouco diferente do que Hobbes ofereceu aos apologistas do mercantilismo do Governo Grande: os homens não têm qualquer outra conexão além de apetites comuns, então o governo deve forçosamente uni-los para facilitar a cultura e o comércio. Qualquer coisa que fique no caminho do sucesso comercial deveria ser explodida -- eu não consigo pensar num resumo melhor para as afirmações obscenas de Peikoff sobre a conveniência de invadir o Iraque.

Eu concordo que a posição de Peikoff é horrorosa -- e que Rand, estivesse ela viva, poderia bem assumir a mesma posição. Mas não é a posição de todos os Randianos e, de maneira mais importante, não é uma posição que se segue logicamente da filosofia de Rand. Rand é uma egoísta, mas seu egoísmo está mais na tradição de Aristóteles do que de Hobbes: dada concepção de Rand do auto-interesse, simplesmente não é o caso de que "os homens não têm qualquer outra conexão além de apetites comuns, então o governo deve forçosamente uni-los". Admitidamente, como eu argumentei em meu livro Reason and Value: Aristotle versus Rand, ao tentar articular os fundamentos filosóficos de sua visão ética, Rand cometeu o erro de cair novamente em considerações de estilo hobbesiano. Mas essa visão ética em si é tão não-hobbesiana quanto qualquer coisa poderia ser: o heroico indivíduo segue não seu apetites, mas sua razão, e lida cooperativamente com os outros não como uma estratégia pragmática, mas porque se comportar de uma maneira predatória ou parasita seria ignóbil e estaria abaixo de sua dignidade.

Embora eu concorde com muitas posições libertárias, eu me acomodei (por enquanto!) entre os paleoconservadores do movimento sulista. Os direitos individuais são, de fato, uma coisa boa, mas são o desdobramento de uma cultura particular, não o manifesto brilhante de alguém. Se a cultura for obliterada, as interações compartilhadas de seus membros e o conjunto relacionado de comportamentos esperados de um em relação ao outro a que nos referimos como direitos desaparecerão também.

É uma coisa dizer que o respeito por direitos depende de um contexto cultural. Eu certamente concordo com isso. (E assim, claro, o fazia Rand -- embora os valores culturais que ela pensava serem necessários para esse fim fossem um tanto diferentes daqueles do paleoconservadorismo sulista, e aqueles que eu consideraria como necessários são diferentes de ambos.) Mas os direitos em si dependem de um contexto cultural? Isso soa como relativismo, uma posição com a qual um comprometimento com os direitos não pode, suspeito eu, coexistir por muito tempo.

Então, conforme os EUA se transforma em um regime multicultural (isto é, anticultural), nossos direitos tradicionais estão também sendo eliminados.

Eu tendo a pensar que a liberdade é o produto do multiculturalismo e não pode sobreviver por muito tempo sem ele. O multiculturalismo é para o mercado de ideias o que a concorrência é para o mercado de bens.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

"O Que É a Propriedade?" vs "Teoria da Propriedade"?

"O Que É a Propriedade?" vs "Teoria da Propriedade"?
Eu fui até Portland hoje para dar entrada na livraria radical em que eu estou me voluntariando e para examinar algum material não traduzido em um ambiente novo. Sempre parece limpar minha cabeça, mesmo simplesmente sair de bonde e trabalhar um pouco. E consigo ter certeza de ter um colo livre de gatos, o que não é o caso no meu escritório em casa. Como eu mencionei, tenho estado trabalhando no "Sumário dos meus primeiros trabalhos sobre a propriedade", da obra postumamente publicada de Proudhon "A Teoria da Propriedade". Nesse capítulo, Proudhon faz algumas críticas próprias de "O Que É a Propriedade?", que eu eventualmente terei que olhar, e dá uma longa (51 páginas) descrição do desenvolvimento de seu pensamento. Como eu mencionei para Erik, a maioria das obras posteriores não estão traduzidas, então é muito difícil lidar diretamente com esse desenvolvimento nesse tipo de ambiente.

Mas o desenvolvimento da teoria de Proudhon sempre assombra qualquer discussão dela em círculos tão ideologicamente diversos quanto a audiência deste seminário. Seria legal se pudessemos esclarecer a natureza do desenvolvimento e enterrar esse fantasma em particular um pouco.

E talvez possamos. Rafael já fez observações sobre a "fórmula Hegeliana" de Proudhon, que o leva a pensar sobre a liberdade como a "síntese do comunismo e da propriedade". Nas páginas 258-9, Proudhon escreve:

"O comunismo - a primeira expressão da natureza social - é o primeiro termo do desenvolvimento social, - a TESE; a propriedade, o inverso do comunismo, é o segundo termo, - a ANTÍTESE. Quando tivermos descoberto o terceiro termo, a SÍNTESE, teremos a solução necessária. Ora, esta síntese necessariamente resulta da correção da tese pela antítese. Portanto, é necessário, através de um exame final de suas características, eliminar aqueles aspectos que são hostis à sociabilidade. A união dos dois restos nos dará a verdadeira forma da associação humana."

Ele então prossegue dizendo que:

"Os objetivos do comunismo e da propriedade são bons - seus resultados são ruins. E por quê? Porque ambos são exclusivos, e cada um desconsidera dois elementos da sociedade. O comunismo rejeita a independência e a proporcionalidade; a propriedade não satisfaz a igualdade e a lei."

O "aspecto hostil” de ambos os princípios opostos é sua parcialidade. Se todos os quatro elementos forem abrangidos, então teremos liberdade. "Síntese", neste caso, é uma reconstrução completa dois dois princípios antinômicos. O resulto é anarquista porque não requer nem deixa espaço para o "govermentalismo", que Proudhon associou com o "comunismo" (mais ou menos).

Ora, a transformação do pensamento de Proudhon envolveu uma série de compreensões e desenvolvimentos. Para nossos propósitos, no entanto, o importante é provavelmente o que vemos em "Brinde à Revolução", onde Proudhon sugere que as preocupações individuais e coletivas não podem simplesmente ser aliadas, que elas não são simplesmente opostas e que uma individualização completa dos interesses e das atividades é a estrada para uma forma legítima de centralização não-estatal.

Salte adiante para a fórmula de "A Teoria da Propriedade", onde Proudhon adota a propriedade simples, a despeito de suas tendência absolutistas, egoístas e despóticas (com limitações dos termos com base na ocupação e uso). Esta é uma grande mudança a partir de sua posição de 1840?

Eu quero sugerir que não é. Temos essencialmente os mesmos termos, uma tendência centralizadora e um absolutismo individual. A única coisa que realmente mudou é o entendimento de Proudhon sobre o "sistema de contradições". Em "Justiça na Revolução e na Igreja", ele chegou a uma percepção sobre a "dialétics":

"L'ANTINOMIE NE SE RÉSOUT PAS : là est le vice fondamental de toute la philosophie hégélienne. Les deux termes dont elle se compose se BALANCENT, soit entre eux, soit avec d'autres termes antinomiques"

Isto é, "A antinomia não se resolve". Ele não é resolvida. "Os dois termos dos quais ela é composta são contrabalançados, seja um pelo outro ou por outros termos antinômicos.”

Se Proudhon tivesse abordado a questão desta maneira em 1840, a fórmula lógica para a "terceira forma da sociedade" não seria o balanço ou equilíbrio, o contraponto de propriedade e comunismo? Em 1840, já temos o reconhecimento de que "os objetos do comunismo e da propriedade são bons". Isto não é essencialmente o reconhecimento de que qualquer um dos dois poderia ser justificado de acordo com suas "metas"?

Parece-me que muito pouco, além da opinião de Proudhon sobre se "a antinomia se resolve" ou não, realmente muda. E isso nos deixa com basicamente três respostas: 1) preferir a abordagem de 1840; 2) preferir a abordagem da década de 1860; ou 3) sentir que os termos estão essencialmente mal concebidos.

Talvez isso enterre o fantasma um pouco.