Uma Declaração de Princípios

por Uriel Alexis

Para meu artigo inicial neste blog, eu gostaria de esboçar os princípios filosóficos, políticos e econômicos que guiam minha análise da sociedade, e que permearão minha escrita em artigos futuros. Críticas, correções, debates e, claro, elogios são todos muito bem-vindos.

Liberdade e Igualdade


Os conceitos gêmeos de Liberdade e Igualdade são os princípios fundamentais da minha visão de mundo, que pode ser descrita como socialismo de mercado, libertarianismo de esquerda, ou anarquismo individualista, uma vez que estes nomes têm sido usados ao longo da história para descrever basicamente o mesmo conjunto de princípios que estou prestes a expor aqui.
A Liberdade deve ser entendida como a habilidade e o direito de todos os seres sencientes de dispor de suas pessoas e dos frutos de seu trabalho, e de nada mais, como lhes aprouver. Isto decorre de sua autoconsciência e de sua habilidade de controlar e escolher o conteúdo de suas ações.
A Igualdade deve ser entendida como o estado de ausência de desequilíbrio de poder, ou seja, de ausência de sujeição a outro ser senciente. Isto deriva de sua habilidade universal para a empatia, e de sua igual capacidade para a razão.
É importante notar que, ao contrário de descrições comuns desses dois princípios, meu ponto de vista é que a Liberdade e a Igualdade não são meramente compatíveis, significando que elas poderiam coexistir em algum possível universo, mas sim que elas são dois lados da mesma moeda, complementares e interdependentes. NÃO pode haver Liberdade onde não há Igualdade, pois o desequilíbrio de poder, o estado de sujeição, tornará os seres sencientes incapazes de dispor de suas pessoas e dos frutos de seu trabalho1, e limitará sua habilidade de escolher sobre sua jurisdição legítima. Igualmente, NÃO pode haver Igualdade sem Liberdade, pois restringir a capacidade dos seres sencientes de escolher e dispor de suas pessoas e dos frutos de seu trabalho tornará alguns mais poderosos do que os outros, e estabelecerá um estado de sujeição.
A ordem e a paz sociais e pessoais dependem inteiramente da manutenção destes princípios. A violação tanto da Liberdade quanto da Igualdade resulta em sofrimento, insensatez, derramamento de sangue, desperdício e miséria, como a História nos mostrará prontamente. Leva ao definhamento da empatia, ao estabelecimento de classes (e à concomitante guerra de classes), à hierarquia e à escravidão. Não é nenhuma coincidência que estes princípios tenham constantemente sido associados à Justiça e à Bondade, pois não pode haver nada disso sem eles.

Mutualismo e Individualismo


A manutenção da Liberdade e da Igualdade, tão centrais ao bem-estar e à integridade dos seres sencientes em uma sociedade, depende fortemente da organização de tal sociedade e do tipo de relações empreendidas dentro dela. Dois sistemas éticos e organizacionais, em minha opinião, incorporam mais consistentemente os princípios da Liberdade e da Igualdade, a saber, o Mutualismo e o Individualismo.
Por Mutualismo, eu estou me referindo à organização social defendida pela escola de pensamento político explorada por Pierre-Joseph Proudhon e mais tarde levada adiante por Benjamin Tucker e pelos demais anarquistas individualistas. O Mutualismo se caracteriza por relações em que partes iguais fornecem voluntária e reciprocamente uns aos outros os frutos de seu próprio trabalho. Sendo trocas voluntárias e iguais, estas relações são, por definição, tanto mutualmente benéficas quanto não exploradoras. As instituições no Mutualismo são horizontais, participativas, e democráticas por natureza, em virtude das relações dentro delas. Exemplos de instituições mutualistas incluem a Federação descrita por Proudhon em sua obra, assim como bancos mutuais e outras organizações de ajuda mútua, associações de trabalhadorxs, commons, o comércio, redes peer-to-peer, e qualquer outra em que os participantes se juntem voluntariamente e como iguais. O lema comunista do século XIX descreve bem o espírito do Mutualismo também: "De cada qual, segundo sua capacidade; a cada qual, segundo suas necessidades".
O Individualismo é o ethos social pelo qual cada ser senciente individual numa sociedade é reconhecido como único e insubstituível, tendo suas próprias metas e desejos e, portanto, como um fim em si mesmx. Afirma que o indivíduo é o alicerce fundamental do organismo maior que é a sociedade, e consequentemente que toda análise de tal sociedade deve tomá-lo como ponto de partida. Considera sagrado que todos os indivíduos têm a habilidade, o direito, e o dever de escolher suas próprias metas independentemente, e são autonomamente capazes de prossegui-las, com respeito ao direito igual de todos os outros. Pode ser encontrado como um princípio orientador de muitas crenças religiosas e doutrinas filosóficas, mas eu o considero bastante primorosamente expresso pelo Wiccan Rede: "Se a ninguém prejudicar, faze o que tu queres".
Assim, o Individualismo explicitamente informa à sociedade que todo individuo perseguirá seus próprios propósitos, e o Mutualismo garante que os indivíduos terão a habilidade de tornar tais propósitos benéficos para si mesmos e para a sociedade, através do livre comércio e da troca igual. O Individualismo dá aos indivíduos a razão e as armas para resistir quando a hierarquia surge, e o Mutualismo assegura que a sociedade tenha a capacidade de organizar tal resistência.
O Mutualismo e o Individualismo ficam, assim, em um equilíbrio dinâmico, explicitando a tensão entre os interesses sociais e pessoais, e tornando possível que tal tensão seja resolvida pacificamente, com os melhores resultados possíveis tanto para os indivíduos quanto para suas/seus camaradas. Ambos juntos fornecem à sociedade o desejo de se ajudar mutuamente, e o reconhecimento da contribuição infinita e singular de seus membros.


Descentralização e Ceticismo


As sociedades podem ser vistas como sistemas de fluxo de informação, em que o conhecimento precisa ser adquirido pelos indivíduos a fim de melhor decidir sobre suas vidas, tanto pessoalmente quanto socialmente. Para que uma sociedade seja organizada através do Mutualismo e do Individualismo, a aquisição de conhecimento para tomar decisões precisa ser realizada através de meios Descentralizados, no nível social, e através de uma camada razoável de Ceticismo, no nível individual.
No nível social, o Descentralismo mantém que aquelxs agentes mais próximos das ações e dos eventos que ocorrem em uma certa localidade são xs que estão na melhor posição, com o melhor conhecimento disponível para decidir sobre estas ações e eventos. Uma vez que os indivíduos têm apenas uma pequena fração do total de conhecimento possuído coletivamente, as decisões não deveriam ser feitas por autoridades centrais, em número e conhecimento pequenos, muito distantes do lugar onde tais decisões terão efeito. O Descentralismo mantém que os indivíduos conseguem decidir localmente, e que os mecanismos de ordens espontâneas e emergentes, que surgem das trocas iguais e voluntárias descritas acima, sincronizarão o conhecimento local e pessoal, levando em última análise à harmonização dos diversos objetivos individuais na sociedade. Em suma, o Descentralismo é o Mutualismo aplicado à aquisição de conhecimento.
No nível individual, o Ceticismo2 afirma a incerteza e as limitações do conhecimento, e mantém que toda nova crença deve ser bem apoiada por evidências e argumentos lógicos, convincentes o suficiente para os indivíduos, antes de serem incorporados aos conjuntos de crenças delxs. Em outras palavras, mantém que os indivíduos não deveriam alterar suas metas e princípios exceto em face de provas concretas do contrário. Assim, demanda uma atitude questionadora em relação ao conhecimento, aos fatos, e às opiniões, assim como dúvida a respeito de alegações que são normalmente tidas como certas. Em suma, o Ceticismo é a posição Individualista em relação ao conhecimento.

Conclusão: Anarquia e Mercados


Estes seis princípios que eu expus, se seguidos consistentemente, advogam um sistema político-econômico específico, usualmente chamado de anarquismo de mercado.
O Anarquismo é o sistema político sob o qual as instituições políticas são voluntárias e autogovernadas. Opõe-se à organização hierárquica e à autoridade, assim fazendo das instituições anarquistas livres associações não hierárquicas de indivíduos livres. É caracterizado pela absoluta ausência de privilégio e de coerção, assim como por um profundo sentimento de antiviolência3.
A economia de Mercado é o sistema econômico sob o qual bens e serviços são livremente produzidos e distribuídos, se opondo a uma economia planejada ou regulada como a atual. Em tal sistema, as flutuações de preço são determinadas pela oferta e pela demanda e, no longo prazo, os preços de bens e serviços livremente reprodutíveis tendem a refletir o valor-trabalho incorporado neles. E, como os anarquistas individualistas mantinham, a recompensa natural do trabalho em tal sistema é o seu produto completo, sem tributos a serem pagos a burocratas, senhorios ou capitalistas.
Em minha análise social, quanto mais próxima uma sociedade está de tal sistema, mais completamente ela abraçará e gozará daqueles princípios, e vice-versa. As estratégias de transição de nossa atual sociedade estatista e opressora para aquela vislumbrada neste artigo estão muito além do escopo aqui. Mas adotar e agir de acordo com os princípios acima e avançar a anarquia de mercado como for possível é a única maneira de gozar dos benefícios e da dignidade que eles fornecem.

Notas


[1] Embora de maneira alguma eles percam o seu direito à liberdade, que é um fato normativo inerente a sua condição como seres sencientes.
[2] A definição que eu uso aqui é um entendimento geral do Ceticismo como uma atitude questionadora, se opondo à fé cega e à fácil aceitação. Ela é fundamentalmente diferente da dúvida metodológica de Descartes, e relacionada, com o empirismo Humeano, embora mais permissiva. Minha abordagem epistemológica poderia ser mais bem descrita como dentro do rótulo coerentista, sob o qual a verdade de uma nova proposição deve ser examinada contra o conjunto de crenças do indivíduo, e vai exigir tanto mais evidências e argumentos lógicos para ser incorporada quanto mais central ela for para aquele conjunto de crenças. Eu incluí argumentos lógicos (e outros conhecimentos dedutivos) assim como conhecimento empírico e experimental porque, embora eu mantenha que toda a informação é necessariamente derivada dos sentidos, o conhecimento pode ser atingido ao se relacionar a informação experimental através da dedução.
[3] Existem usos legítimos da força, a saber, a força defensiva. Mas mesmo quando justificada, a violência em sociedades anarquistas provavelmente seria vista como um último recurso.

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