sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A Economia da Dádiva de Propriedade 2.0

A Economia da Dádiva de Propriedade 2.0


1. Tese



Uma teoria adequada, não simplista e mutualista do que é próprio de seres humanos individuais, que busque fazer justiça à gama de coisas que denominamos pela palavra "propriedade", terá que dar conta da separação quase intransponível que experimentamos na consciência, assim como da interligação inextricável que é nossa realidade material. Ela terá que, em essência, responder a Max Stirner e Pierre Leroux (ou um número qualquer de outros defensores de um circulus universal mais ou menos ecológico). A proposta da "economia da dádiva de propriedade" busca embasar uma forma de "auto-propriedade" em duas "dádivas" generalizadas:


  1. A cessão consciente de tudo o que podemos reivindicar como nosso nos outros; e
  2. Uma afirmação do direito de errar no processo de aprender a gerir o que é próprio de si.


Sobre esta base, a "auto-propriedade" seria, na verdade, uma frase elegantemente apropriada, realçando as maneiras em que a noção congrega dois aspectos de propriedade, o "Eu sou..." e o "Eu possuo...", sem ser capaz de simplesmente fundi-los. E seria de fato "propriedade", de acordo com as definições usadas por Proudhon, combinando os elementos de "uso" e "abuso" (socialmente limitado).


Poderia haver argumentos éticos para se negar um ao outro, ou a ambos, estas "dádivas", mas eu suspeito que muito poucos satisfariam qualquer padrão muito rigoroso de mutualidade.

2. Do Ego à Propriedade



Tendo explicado um pouco mais claramente os movimento filosóficos que estou fazendo com a "economia da dádiva de propriedade", eu provavelmente preciso esclarecer novamente a base lógica para uma abordagem tão idiossincrática da questão da propriedade. Uma vez que é explicitamente uma abordagem mutualista anarquista, e especificamente uma abordagem neo-Proudhoniana, há toda uma série de críticas da propriedade no fundamento, um forte senso de que, tão desejável quanto as metas da propriedade possam ser, os meios disponíveis para fundamentá-la parecem ser uma bagunça. Começamos com o sentido de que desemaranhar "propriedade" e "roubo" pode não ser simples, que certos tipos de propriedade podem ser "impossíveis". Então temos que falar sobre algumas questões bem básicas.


Tendo proposto uma leitura ligeiramente herética de "auto-propriedade" como um termo chave, vamos olhar um pouco para o "auto". E deixe-me repetir que nossa teoria mutualista adequada e não simplista de propriedade começará com uma teoria do que é próprio de seres humanos individuais, e será não-simplista, ou bifacetada, para explicar dois aspectos da individualidade. Nosso egoísmo natural - o produto do golfo entre a consciência individual e a experiência, dentro de cada consciência individual, de um ego único e relativamente persistente, aparentemente acima ou pelo menos à parte do fluxo ininterrupto do circulus universal - nos sugere uma divisão entre o nosso próprio e, bem..., qualquer outra coisa que exista. A reflexão e a observação sugerem uma realidade material com poucas se quaisquer separações reais, uma realidade social em que egos se recusam a respeitar limites corporais, e um ambiente rico em ideias-força, que conseguem, sem qualquer tipo de corpo sequer, fazer as coisas de sua maneira de todos os tipos de maneiras. É próprio para nós persistimos ou circularmos, sermos estáveis ou estarmos em fluxo constante? Se estamos pegando nossas pistas de Proudhon - particularmente como eu estive lendo-o nos posts recentes - talvez devêssemos dizer que nós, naquilo que é próprio para nós, somos um tipo de "síntese de comunidade e propriedade", que é tão próprio para nós circularmos e disseminarmos quanto é persistirmos e acumularmos. De suas próprias maneiras, eu suspeito que tanto Stirner quanto Pierre Leroux teriam concordado. E Walt Whitman, claro:


EU CELEBRO a mim mesmo,
E o que eu assumo você vai assumir,
Pois cada átomo que pertence a mim pertence a você


Podemos não abraçar uma visão de individualidade tão complicada quanto a de Whitman, mas na medida em que abraçamos qualquer complexidade, com relação à interconexão ou sobreposição de egos, algum esclarecimento ou convenção será necessária para nos levar a qualquer ponto adiante no caminho para as várias formas de "propriedade". Isto será tão verdadeiro para sistemas mais informais de "posse" ou usufruto quanto será para sistemas muito formais contruídos a partir de axiomas.


Tão logo a questão do "meu e teu" seja levantada - como parece provável ser levantada em quase qualquer sociedade em algum ponto - estamos no âmbito em que parece necessário ter alguma noção de propriedade. A palavra "propriedade" se refere, claro, a uma família de conceitos, que confundimos para nosso risco. Quaisquer definições locais ou especializadas que existam, a propriedade como tal não precisa ser exclusiva, por exemplo, e quer ela seja sempre "individual" depende um grande tanto de como limitamos o significado desse termo. Temos Stirner, por exemplo, enfatizando o "meu" - o meu próprio - com muito pouca atenção ao "teu", além de assumir que quaisquer outros únicos que existam se preocuparão com o seus próprios também, com a possibilidade escancarada para a sobreposição entre o meu e o teu. E para Proudhon, uma vez que indivíduos são sempre também grupos organizados, temos a possibilidade de formas "coletivas" de propriedade, mas, pelo menos neste estágio de análise, os "coletivos" em questão seriam melhor entendidos como indivíduos de uma ordem diferente, ou em uma escala diferente.


Estamos dando passos muito pequenos aqui, a partir de um ego potencialmente complexo, considerado em tanto - ou tão pouco - isolamento quanto ele é capaz, para o tipo mais simples de propriedade, a distinção de egos necessária para a maioria, senão todas, as noções de sociedade. Não estamos ainda falando na linguagem convencional da teoria de propriedade contemporânea, uma vez que o que estamos nos preocupando nesse estágio não nem uma questão de liberdades, nem de direitos. Se fôssemos parar aqui, e talvez elaborar algum tipo de sistema puramente embasado no uso, então eu suspeito que poderíamos progredir sem qualquer coisa como "auto-propriedade". Nós seríamos nós mesmos, e poderíamos encontrar meios convencionais de não "pisar nos pés dos outros" muito durante o processo. Mas a convenção provavelmente acabaria envolvendo algo que parecesse um bocado como as ressalvas de Locke: algum entendimento convencional de que não poderíamos, com justiça, explorar a sobreposição entre egos, ou tentar nos tornar totais ou completos às custas dos outros. Isto é provavelmente uma das coisas básicas que "justiça" significa.

3. Da Propriedade às Dádivas



Obviamente não estou falando sobre a "propriedade" em nenhum dos sentidos estritos que têm sido dados a ela, incluindo os sentidos mais estritos dados a ela por Proudhon. Ou, melhor, estou buscando uma definição ampla e subjacente, que nos permitirá relacionar estes sentidos mais limitados do termo um ao outro. Provavelmente nos encontraremos submersos em definições específicas bem rapidamente aqui, mas por mais um ou dois momentos, fiquemos mais genéricos e tentemos esclarecer exatamente que tipo de dinâmica é proposta quando falamos sobre embasar a propriedade em um par de dádivas.


Um pouco de pano de fundo: eu cheguei ao mutualismo a partir do lado "anarquista social", migrando gradualmente a partir do anarco-sindicalismo durante os anos dos debates no Usenet que levaram ao An Anarchist FAQ. Enquanto acadêmico, eu flutuei da crítica literária à história intelectual, e daí para os estudos culturais, com uma forte dose de pós-estruturalismo na mistura, mas eu também fiz meu trabalho de graduação em uma universidade em que a teoria libertária de propriedade era simplesmente inevitável, particularmente no departamento de filosofia onde eu dei um bocado de aulas de meio período. Assim, conforme meu interesse na questão da propriedade crescia através do meu encontro com Proudhon, e comecei a olhar ao redor para os vários tratamentos correntes nos círculos anarquistas, eu me encontrei em uma situação um tanto difícil. Parecia-me claro que as críticas da propriedade empreendidas por figuras iniciais como Proudhon e Thomas Skidmore levantavam questões reais sobre a viabilidade dos sistemas de propriedade privada existentes. Ao mesmo tempo, os tipos de alternativas apresentados pelos anarquistas sociais - concepções relativamente superficiais de "posse" ou a noção cada vez mais popular de uma "economia da dádiva" - não pareciam realmente abordar essas questões, nem tampouco pareciam se envolver com o discurso "libertário" em que os direitos de propriedade privada são frequentemente considerados os únicos direitos que importam. E as considerações neo-lockeanas não pareciam realmente se enquadrar no que eu estava lendo em Locke. Enquanto um acadêmico interdisciplinar, todo esse negócio de tentar conseguir fazer diferentes discursos disciplinares se comunicarem certamente não era novo para mim, mas esse discurso possivelmente central parecia particularmente sobrecarregado com valores incomensuráveis e usos conflitantes do mesmo pequeno corpo de termos chave - e, me parece, pelos menos a sua parte de ideias fixas e argumentos oportunistas.


A "economia da dádiva de propriedade" foi o resultado acidental de um tipo de experimento mental. Eu admiro a teoria libertária de propriedade por suas tentativas ambiciosas de traçar todas as várias implicações de "propriedade", mas às vezes parece que a turma do "todos os direitos são direitos de propriedade" estão um pouco certos demais desde o início sobre com o que "todos os direitos" devem se parecer. Se nada mais, o mais cuidadoso sistema de "um direito" é uma empreitada precária, uma vez que identificar erroneamente esse direito, ou entender erroneamente seus aspectos e implicações, é um tipo de erro que quase inevitavelmente virará uma bola de neve. Mas, tomada de forma geral, a noção de que a propriedade é a base dos direitos e das liberdades faz bastante sentido: é pouco mais do que uma reafirmação do princípio dos "direitos naturais", uma suposição de que os direitos e as liberdades humanas devem surgir do que quer que seja próprio da existência de seres humanos, ou pelo menos estar intimamente conectada a isso. E todas aquelas críticas por parte dos anarquistas sociais e dos primeiros socialistas me convenceram da necessidade de pelo menos começar tomando as coisas de maneira geral e de trabalhar com as coisas deliberadamente.


Eu fiz uma tentativa inicial de elaborar uma noção de "auto-propriedade" que não me parecesse petição de princípio, buscando uma construção em que parecesse útil dizer "eu sou eu mesmo" e "eu pertenço a mim mesmo", sem mudar de termos, e sem simplesmente impor a noção de propriedade enquanto controle legal do eu. Minhas preocupações, e minhas conclusões mais recentes, estão provavelmente melhor expressas em "Responses on mutualist property theory: Self-ownership", mas minha conclusão inicial foi que uma enorme quantidade das descrições que eu estava lendo da auto-propriedade na maioria dos lugares eram, senão fundamentalmente autodestrutivas, pelo menos seriamente carregadas de dificuldades.


Como eu estava simultaneamente investigando profundamente as obras de Proudhon e explorando outras teorias, a coisa que parecia-me clara era que a "propriedade" permanecia, pelo menos em alguma medida, não uma liberdade ou um direito, mas simplesmente um problema com que carecíamos de critérios claros para lidar. Parecia-me que eu estava em um ponto da minha elaboração da teoria de propriedade em que eu tinha que dizer que nenhum dos candidatos tinha muito mais a oferecer do que argumentos mais ou menos convincentes a partir de consequência preditas - com a predição sendo um negócio perigoso ao se transpor o fosso de quaisquer outras transformações que poderiam nos levar ao alcance de qualquer tipo de anarquismo. Então, a fim de apresentar qualquer tipo de princípio anarquista para lidar com esse conflitos de "meu" e "teu" que parecem inevitáveis, parecia necessário ou


  1. Descobrir algum princípio mais ou menos "natural", que nos revelaria a natureza de nossos direitos e liberdades; ou
  2. Inventar alguma prática ou estabelecer alguma convenção que fosse suficientemente irrepreensível que muitos outros detalhas poderiam simplesmente serem deixados de lado.


Em suma, tínhamos que ou entender nossa situação presente de maneira diferente, e ajustar nosso comportamento de acordo, ou encontrar um meio de reivindicar a propriedade sem uma permissão a priori. A teoria original de Locke, com as ressalvas intactas, pareciam-me - e ainda me parece - uma tentativa relativamente elegante de se alcançar o segundo tipo de solução para o nosso problema, mas mesmo as ressalvas têm sido sujeitas a interpretações plausíveis que vão em direção essencialmente opostas em relação a questões chave como o consumo justo da apropriação de recursos naturais. Por mais que eu tenha extraído da obra de Locke, ela sempre me deixou sem respostas para questões críticas.


E, claro, delimitar uma reivindicação teórica em território lockeano-com-ressalvas é uma maneira quase infalível de não ser levado a sério por ninguém - quer seja uma questão de anarquistas sociais, anarquistas de mercado neo-lockeanos, ou os "possessitários" de senso comum que vão resolver todos os detalhes "após a revolução". O fato de que meu argumento teve certas ressonâncias com o Georgismo tem sido uma faca de dois gumes, uma vez que eu não aceito a lógica da tributação sobre o valor da terra.


Em todo caso, foi após algumas tentativas significativas de simplesmente encontrar a "propriedade" em algum princípio da lei natural, ou tomá-la de acordo com algum princípio generalizável - sem muito sucesso - que eu notei tudo que Proudhon tinha a dizer sobre a propriedade e sobre "dádivas gratuitas", que eu comecei a explorar a noção de que talvez pudéssemos doar a propriedade de um para o outro.

4. Doando Propriedade



Para os detalhes básicos do mecanismo pelo qual a propriedade poderia ser doada, deixe-me inserir o argumento de "What could justify property?"


A mudança na obra de Proudhon, da crítica da propriedade para os argumentos em favor dela (apesar das críticas e embasadas nelas), é difícil de transpassar, talvez porque Proudhon estava ele mesmo um pouco desconfortável com todo o assunto. Sabemos que, em alguma medida, a defesa da propriedade contrariava seus desejos pessoais. O "Teoria da Propriedade", que parece virar sua obra anterior de ponta cabeça, termina com essa passagem:


Uma pequena casa alugada, um jardim para usar, já é o bastante para mim: minha profissão não sendo uma de cultivador do solo, do vinhedo, ou dos campos, eu não preciso criar um parque, ou uma vasta herança. E quando eu fosse um trabalhador ou fabricante de vinhos, a posse eslava é suficiente para mim: a cota devida a cada chefe de família em cada comuna. Eu não consigo agüentar a insolência do homem que, com seus pés no chão o qual ele mantém apenas por livre cessão, lhe proíbe a passagem, lhe preveni de pegar uma flor em seu campo ou de caminhar pela trilha.


Quando eu vejo todas essas cercas por Paris, que bloqueiam a visão do país e o desfrute do solo por parte do pobre pedestre, eu sinto uma irritação violenta. Eu me pergunto se a propriedade que me cerca dessa forma em toda casa não é na verdade expropriação, expulsão da terra. Propriedade Privada! Às vezes eu vejo essa frase escrita em letras garrafais na entrada de uma passagem aberta, como uma sentinela me impedindo de passar. Eu juro que minha dignidade como um homem se eriça em desgosto. Oh! Eu me lembro da religião de Cristo, que recomenda desapego, prega modéstia, simplicidade de espírito e de coração. Fora com o velho aristocrata, impiedoso e ambicioso; fora com o barão insolente, o burguês avarento, e o calejado camponês, durus arator. Esse mundo é odioso a mim. Eu não consigo amá-lo nem olha-lo. Se um dia eu me encontrar um proprietário, que Deus e os homens, especialmente os pobres, me perdoem por isso!


Não estamos, pelo menos de algumas maneiras, longe da teoria Georgista de obrigação, ou da "economia da dádiva" proposta por alguns oponentes anarquistas da propriedade privada. Se entendêssemos os materiais como um tipo de dádiva, então talvez devêssemos sentir também aquela obrigação estranha e disseminativa associada com a economia da dádiva da mesma forma. Meramente se apropriar de uma dádiva seria, sob essas circunstâncias, uma forma ruim, e potencialmente um negócio pior, já que dádivas (antropologicamente falando) são célebres pelos venenos que carregam dentro de si mesmas, os preços que impõem sobre aqueles que falham em responder a sua "lógica" básica. Esta é uma maneira de reenquadrar a relação entre a economia Georgista da terra e aquelas das várias escolas anarquistas, embora eu não espere que seja uma que entusiastas da TVT se apressarão em adotar. Poderia também ajudar ao repensar o material sobre a propriedade e a economia da dádiva que postei aqui um tempo atrás. Apenas mantenha esse pensamento...


A questão com a qual eu comecei hoje foi: O que poderia justificar a propriedade para Proudhon? Uma resposta é simples: o Progresso, que Proudhon descreve como "a justificativa da Humanidade por si própria". O que torna a próxima resposta fácil: a Humanidade, isto é, nós, aprendendo, através da tentativa e erro experimental, a equilibrar nossos interesses em instituições que incorporam (esperamos) "aproximações" continuamente mais elevadas e mais ricas da Justiça. Lembre-se que Proudhon na verdade descreve a origem da propriedade nesses termos. Em Teoria da Propriedade, ele descreve o processo geral da justificativa da propriedade:


Tudo considerado, é uma questão de saber se a nação francesa é hoje capaz de fornecer proprietários verdadeiros. O que é certo é que a propriedade deve ser regenerada entre nós. O elemento dessa regeneração é, junto com a regeneração moral a qual acabamos de comentar, o equilíbrio.


Toda instituição da propriedade supõe: 1) uma distribuição igual de terra entre os possuidores; ou 2) um equivalente em favor daqueles que não possuem nada do solo. Mas isto é uma pura suposição: a igualdade de propriedade não é de forma alguma um fato inicial; está nas finalidades da instituição, não em suas origens. Notamos primeiro de tudo que a propriedade, pelo fato de ser abusiva, absolutista, e baseada no egoísmo, deve inevitavelmente tender a se restringir, a competir com si mesma, e, como uma conseqüência, a se equilibrar. Sua tendência é a igualdade de condições e fortunas.


Exatamente por ser absoluta, ela nega qualquer idéia de absorção. Vamos ponderar bem isto. A propriedade não é medida por mérito, como também não são os salários, recompensas, condecorações, nem títulos honorários; ela não é medida pelo poder do indivíduo, uma vez que o trabalho, produção, crédito e troca não a requerem. É uma doação, concedida ao homem, com o objetivo de protegê-lo contra os ataques da pobreza e incursões de seus companheiros. É a armadura frontal de sua personalidade e igualdade, independente das diferenças em talento, gênio, força, dedicação, etc.


Eis aqui a propriedade como uma "doação", "concedida ao homem", embora não esteja claro que poderia fazer esta doação. E esta é, em última análise, a fraqueza de muitas das abordagens econômicas que começam com uma "dádiva" natural; elas parecem misturar um pré-econômico acesso "livre" (talvez confuso em si mesmo, por razões a que teremos que voltar) com uma an- ou anti-econômica "dádiva além da troca". A generosidade e a indiferença pródiga ficam embaralhadas com a mágica e a culpa protestante sobre a riqueza imerecida. No Georgismo, parecemos ter um exemplo da aplicação de um prático artifício antropológico, útil para nivelar o campo de jogo econômico, a circunstâncias mais modernas, mas sem exercer todos os espíritos. E a "obrigação" requer um tipo de conversão, "ver o gato"NT01, como eles dizem.


O comunismo anti-proprietarista da economia da dádiva provavelmente faz mais sentido se for simplesmente despido das pompas antropológicas. Visto de um lado "objetivo", e descontando nosso senso "subjetivo" de nós mesmos como gozando de simples propriedade em nossas pessoas em personalidades, e como sendo capazes de sermos proprietários, é tudo uma questão de dados, de fluxos, e é difícil justificar um direito básico a se obstruir os fluxos. Mas, honestamente, eu não acho que sequer os primitivistas honestamente olham para as coisas dessa forma. Em vez disso, compartilhar recursos é postulado como uma atividade pós-econômica e como um bem social. Tal compartilhamento parece tentar misturar as qualidade associadas com dar algo seu próprio a uma relação em que a propriedade inicial nunca ocorre, ou nunca é deixada ser reconhecida.


Eu argumentei em outros lugares, e ainda acredito, que as "dádivas" pressupõem a propriedade. Podemos dar apenas o que é nosso para dar. Qualquer outra coisa é uma confusão ou uma fraude. Isso significa que Proudhon, o notório cético sobre a propriedade, está simplesmente embrulhado em uma confusão? Certamente existem quem tenha sugerido isso. Para ser justo, no entanto, minhas definições de "dádiva" aqui não são suas, e eu estou as imponto para propósitos presentistas. Ao mesmo tempo, eu acho que a imposição levanta questões interessantes.


Quem pode dar a "dádiva da propriedade", não a dádiva de uma propriedade em particular, mas a dádiva de um direito ou de uma instituição, um escudo concedido "com o objetivo de protegê-lo contra os ataques da pobreza e incursões de seus companheiros"? A óbvia resposta Proudhoniana parece ser: a Humanidade, sus companheirs. Mas como? O que é que a "humanidade", ou os seres humanos individuais que a compõem, possuem e podem dar? E em que espírito e sob quais termos dar?


Em O Que É a Propriedade?, Proudhon escreveu, em relação à participação de cada um na "tarefa social diária":


O trabalhador capaz de cumprir a sua tarefa em seis horas estará no direito, sob pretexto da sua maior potencialidade e actividade, de usurpar a tarefa do trabalhador menos hábil e de lhe roubar assim o trabalho e o pão? Quem ousaria sustentá-lo?... se o forte corre em auxilio do fraco a sua generosidade merece louvor e amor; mas a sua ajuda deve ser livremente aceita, não imposta pela força e posta a prêmio


Se vamos falar sobre propriedade, em vez do salário igualitário de 1840, resultando de tal trabalho, como é que a "humanidade" virá em seu próprio auxílio, senão conferindo, através da mediação de seus membros mais fortes, concessão, privilégio, caridade, etc? Há uma maneira de pensar em uma doação recíproca enquanto uma questão de relativa igualdade? Novamente, ainda não respondemos a pergunta mais inquietante: O que, antes da dádiva da propriedade, temos para dar um ao outro?


Em "A Economia da Dádiva de Propriedade", eu sugeri uma possibilidade. Deixe-me sugeri-la novamente, em um contexto diferente e de uma maneira ligeiramente diferente. Parece que o que temos, em uma relação muito parecida com a "auto-propriedade", e também bastante perturbadora a ela, é um ao outro, o ser coletivo Humanidade. Apesar de suas outras discordâncias, Proudhon e Pierre Leroux (e William B. Greene, que tentou sintetizar suas visões) parecem ter concordado sobre isto. Leroux escreveu:


A vida do homem então, e de todo homem, pelo desejo de seu Criador, é dependente de uma comunicação incessante com seus semelhantes, e com o universo. Aquilo que chamamos de sua vida, não pertence inteiramente a ele, e não reside nele apenas; ela está ao mesmo tempo dentro dele e fora dele; ela reside parcialmente, e conjuntamente, por assim dizer, em seus companheiros e no mundo ao redor. De um certo ponto de vista, portanto, pode se dizer que seus semelhantes e o mundo são próprios dele também. Pois, como sua vida reside neles, essa porção dela que ele controla, e que ele chama de Eu, virtualmente tem um direito àquela outra porção, de que ele não pode dispor tão soberanamente, e que ele chama de Não Eu.


Isto é, entre outras coisas, uma discussão de propriedade. Seres humanos individuais têm pelo menos dois "lados", o particular e o coletivo de Proudhon, o objetivo e o subjetivo de Leroux. Ambos os lados são incompletos e absolutistas. Mas o particular é onde vivemos, subjetivamente, embora, objetivamente, possamos viver um no outro, ou um do outro, de uma forma que faz Leroux suspeitar que pertencemos, em algum sentido, um ao outro. Aqueles que tentam buscar teorias de propriedade enquanto a medida de nossos projetos, o alcance de nossos trabalhos, frequentemente se deparam com algum sentido deste, e é por isto algum tipo de auto-propriedade soberana às vezes tem simplesmente que ser suposta. Ela está, pelo menos, alinhada com metade de nossa experiência de vida. E, talvez de maneira mais importante, está alinhada com nosso senso de que os indivíduos são responsáveis por si mesmos, por suas ações.


Proudhon nunca fala explicitamente sobre uma dádiva de propriedade nestes termos, mas o que ele fala sobre a dádiva de um escudo, de um espaço para errar e aprender parece-me consistente com o movimento para fundar a propriedade individual em uma "dádiva" generalizada da auto-propriedade. Podemos estar unidos de várias maneiras, em várias entidade coletivas (e eu não quero descontar a importância desse elemento do pensamento de Proudhon, que, por mais estranho que possa parecer à primeira vista, apenas enfatiza a importância da liberdade individual), podemos mesmo ser "próprios um do outro" em um sentido descritivo; mas nosso senso de separação abre a possibilidade de um tipo de semi-dádiva, uma renúncia de nossa participação nos outros no âmbito (que assim criamos) da propriedade, sem assim negar nossas conexões.


Eu digo que podemos fazer isto, embora, em um sentido, talvez seja o que já fazemos. Mas não é, creio eu, a maneira que pensamos sobre "auto-propriedade" e sobre a base da propriedade. Não é necessariamente legal para os anti-proprietaristas pensar sobre dádivas como dependentes da propriedade, ou para proprietaristas considerarem uma "dádiva original" como a fundação da auto-propriedade. Mas poderia ser útil, particularmente para por as várias escolas e discursos para dialogar. Suponho que veremos...

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

A Economia da Dádiva de Propriedade

A Economia da Dádiva de Propriedade


Shawn Wilbur (2008)


Eu acho que a maioria de anarquistas e libertáries compartilham uma fé de que é possível que as necessidades sejam satisfeitas, que bens sejam distribuídos e algum nível de prosperidade geral atingido, de uma forma que seja voluntária e pelo menos aproximadamente justa. Mas não poderíamos diferir mais, ao que parece, do que quando começamos a perguntar como fazer o trabalho. Provavelmente a maioria de nós visa, no longo prazo, uma sociedade em que houvesse prosperidade o suficiente para que pudéssemos ficar muito menos preocupados com tais coisas, em que a generosidade fosse uma resposta lógica à abundância. Mas vivemos em meio a uma sociedade e a um sistema econômico que estão muito longe desse ideal, e sonhamos nossos sonhos do futuro e da liberdade enquanto lidamos com um presente muito sem liberdade. Em um dia em que testemunhamos a maior falência bancária dos Estados Unidos na história, no contexto de uma movimentação de mercado, intermediada pelo governo, de JPMorgan, que também se beneficiou da manobra de Bear Stearns, falar sobre "mercados genuinamente livres" parece um pouco de quimérico. Mas se vai ser uma longa batalha até qualquer liberdade que consigamos arrancar dos desgraçados corruptos que estão atualmente se intrometendo em nossas vidas, provavelmente podemos tirar o tempo para chegar a algo como um acordo.
Recentemente, eu tenho estado apresentando algumas das ideias de Proudhon sobre individualidade e livre arbítrio1, assim como revisando seu trabalho sobre propriedade. Eu comecei a sugerir algumas das maneiras em que a crítica inicial da propriedade como um princípio despótico e absolutista se tornou a base para o posterior proprietarismo relutante de Proudhon, em que ele embasava sua análise do ego humano, o moi, que ele achava ser ele próprio naturalmente absolutista, e despótico quando dado a chance.
Como Fourrier, Proudhon não poderia aceitar qualquer coisa com qualquer noção de pecado original, em parte porque, como Fourrier, ele associava os erros do presente a um processo progressivo que, em última análise, levava a aproximações cada vez mais próximas da justiça (o "pacto de liberdade"), através do equilíbrio de forças, faculdades, projetos, partidos, federações, etc. Estando terminado com o Absoluto divino, ele poderia apenas depender dos próprios atores humanos éticos para concluir a marcha em direção à justiça, à justificação de suas instituições, à perfeição de seus conceitos, etc. Mas era óbvio para ele que eles nunca o conseguiriam sozinhos. O absolutismo e o despotismo, se permitidos um jogo completamente livre, têm pouca probabilidade de levar a qualquer pacto, que dirá de um justo. Não sendo nenhum atomista social, no entanto, e sendo um pensador inclinado a esperar que toda força evoque uma força contrária, ele não estava contente em transformar esse caráter absolutista em uma versão secular da depravação inata. O que ele realmente fez é um pouco peculiar, envolvendo um sequestro de Leibniz em direções que antecipam gente como Gilles Deleuze. A física psicológica e social que está no centro de seu trabalho maduro sobre liberdade e justiça se parece com o pós-estruturalismo em certos lugares, e eu terei que recorrem um pouco ao vocabulário da filosofia continental mais contemporânea conforme eu falar dele.
Se o ego não é inatamente depravado, tampouco é simples, centrado, limpo e "próprio". Qualquer corpo ou ser, diz Proudhon, possui uma quantidade de força coletiva, derivada da organização de suas partes componentes. Embora estas partes componentes possam estar sujeitas à determinação rígida, a força resultante excede o poder das partes e, na medida em que a força coletiva seja grande e a organização da qual surge seja complexa, ela escapa a qualquer destino constituinte em particular. A força coletiva é a "quantidade de liberdade" possuída pelo ser. A liberdade é, assim, um produto da necessidade, e expressa a si mesma, no próximo nível, como um novo tipo de necessidade. E talvez na maioria dos níveis da análise de Proudhon (e podemos subir e descer a escala de "seres" desde os mais simples níveis de organização até agrupamentos societais complexos e talvez até a organização em escalas ainda maiores) a quantidade de liberdade introduzida não se pareceria muito com a "liberdade individual" que valorizamos. Mas o "livre absoluto" humano, distinto por sua capacidade de dizer "moi" e de refletir sobre sua posição neste esquema, tem seu absolutismo temperado por seus encontros com companheirs, também "livres absolutos", também buscando uma linha desenhada pelo jogo da liberdade e da necessidade. De seus encontros, do reconhecimento mútuo, o "pacto da liberdade" surge (ou falha em surgir, onde a falta de reconhecimento ou o reconhecimento errôneo ocorre), e uma "razão coletiva", possuída (em órgãos sociais e instituições, no "bom senso", etc.) por um ser de ordem superior, que é o mesmo que dizer um absoluto (mas latente, em vez de livre, porque carece da habilidade de dizer "moi") de ordem superior.
No sistema que emerge em volta dessas noções, seres humanos individuais mantém um lugar muito especial, enquanto principais arquitets e artesãs da justiça. Novamente, como Fourier, Proudhon faz questão de não estigmatizar os impulsos individuais, e, muito mais do que Fourier, ele realmente faz virtudes do egoísmo e do absolutismo individuais, contanto que não estejamos tão auto-absorts que não consigamos reconhecer nosses companheirs egoístas e absolutistas como tal. Mesmo a "sabedoria superior" que é possuída pelos seres coletivos de ordens superiores, como a "sociedade" e "o estado" (que, em seus trabalhos posteriores, toma um significado muito diferente do que anarquistas geralmente dão), está realmente em grande parte nas mãos de indivíduos humanos.
A necessidade dá origem à liberdade, que tende a um tipo de necessidade. O "individualismo", mesmo a "completa insolidariedade", tende (como vimos em outros lugares na obra de Proudhon) à centralização, ao perigoso "socialismo" contra o qual Leroux advertira em 1834, mas também, se o equilíbrio puder ser mantido, a um espaço expandido de liberdade social ("a liberdade do ser social") para o indivíduo. É tudo um pouco atordoante; e no meio disso, estrela do show, senta-se o ego individual, o moi, que, embora fora do gancho quanto ao pecado original, ainda tem que lidar com algo que podemos pensar como uma "impropriedade original".
O que pode dizer o homem que nunca recuou sobre a propriedade ser roubo sobre este ego que é, o que quer mais que seja, um tipo de subproduto das forças da necessidade, que tende, de acordo com ele, ver a si mesme enquanto um absoluto? O que esse ego pode dizer sobre sua própria posição? Proudhon sugere que temos protelado um pouco de exame de consciência ao projetar nosso próprio absolutismo para fora, em deuses e em governos, mas que isto tem nos impedido de lidar com coisas importantes - e não estamos mais nos enganando muito. Se o progresso, como Proudhon acreditava, é "a justificativa da humanidade por si mesma", um dos estímulos para esse progresso tem que ser, para nós "livre absolutos", uma tensão interna, talvez mesmo uma suspeita de que o absolutismo do indivíduo não é tão diferente daquele do proprietário, e por muitas das mesmas razões. A propriedade poderia ser tão "impossível" no âmbito psicológico quanto Proudhon acreditava que ela era no econômico.
Estamos falando aqui sobre um sujeito "descentralizado" que reclama mais "identidade" do que poderia ser precisamente justificado. (Eu tenho frequentemente brincado que as alegações de Derrida sobre a identidade poderiam ser reduzidas a "propriedade é roubo".) Mas não estamos falando sobre "falta". Em vez disso, estamos falando sobre o ego enquanto um tipo de excesso, uma força ou pressão. (Seria muito fácil se mover aqui de Proudhon para, digamos, Georges Bataille, e certamente fácil de comparar cada um ou ambos à ética anarquistas de Guyau.) Não estamos nos comprometendo a alguma teoria de organismo social; Proudhon é explícito sobre isto. (E, novamente, poderíamos alcançar sem muito esforço para achar pontos de contato com os pensamentos de Deleuze sobre organização, etc.)
Se mudarmos para a linguagem do libertarianismo, provavelmente acharíamos que a visão de Proudhon de seres sobrepostos, e de "livre absolutos" humanos como o vapor no topo da chaleira fervente da necessidade, pelo menos complica a questão da "auto-propriedade". Alguns de mis amigs naturalmente contestarão esta alegação, e eu sou simpático às suposições básicas associadas com um direito presumido de auto-propriedade - na verdade, como Proudhon disse, "Meu princípio, que parecerá espantoso para vocês, cidadãos, meu princípio é o seu; ele é a própria propriedade" - mas realmente parece-me que se o ego é caracterizado por uma antinomia radical e irresolúvel, então a "propriedade" não pode, por si mesma, expressar o "direito natural" implicado pela natureza do indivíduo.
Assim como Proudhon, eu suspeito que a "propriedade é roubo" e, seguindo sua linha, eu suspeito que a "auto-propriedade" é uma expressão do nosso absolutismo. Ainda assim, como Proudhon, no final, eu sou a favor da propriedade, ou pelo menos ao direito a ela. O que deixa as questões Como? e Por quê? Não existem alternativas?
Parece-me que a busca por alternativas à propriedade, o direito de controlar os frutos do seu trabalho, é, assim como a resistência geral à noção de mercados no anarquismo, embasada em nossa frustração e nosso desgosto bastantes naturais com tanto do que se passa por comércio sob as atuais condições. Estamos no meio de um exemplo bom demais de quão despótica a propriedade pode ser, quando casada com o poder governamental e protegida de qualquer força contrária, em ter muitas ilusões sobre os riscos envolvidos em adotá-la. Mutualistas, em particular, nunca saem completamente desse gancho; nosso "maior hit", o O Que É a Propriedade? (ou seu mais famoso slogan) é um lembrete constante. É um lugar comum nos círculos anarquistas sociais, e mutualistas não estão imunes, a querer nos distanciar dos detalhes de "conseguir e gastar" tanto quanto possível, e temos construído uma variedade de meios de protelar as discussões difíceis sobre relações de propriedade que eventual e inevitavelmente virão.
Um desses meios, me parece, tem sido a referência à noção de "economias da dádiva". Assim como proponents do "direito de auto-propriedade", defensors das economias da dádiva tem querido dizer uma variedade de coisas pelo termo. Em geral, economias da dádiva são diferenciadas das economias de troca precisamente pela falta de trocas, da expectativa de qualquer remuneração e quid pro quo. Algumas formas institucionalizadas de economia da dádiva, como os "mercados realmente muito livres" proíbem até o escambo. Embora esteja claro o suficiente para mim quais presentes desejos são visados por esta alternativa ao comércio capitalista, parece ser uma daquelas práticas que poderiam sempre operar apenas nas bordas de um outro tipo, mais organizado e eficiente, de economia. Essa economia poderia bem ser mais livre, em alguns sentidos, do que a "economia da dádiva" imposta, e não está totalmente claro para mim que o que está envolvido nessa economia é "doação" de qualquer forma.
Para dar, é necessário ser livre para dar. Precisa-se ser, em algum sentido pelo menos, proprietárie da dádiva, e quem recebe não pode ter uma reivindicação igual de se apropriar do item. A propriedade coletiva não pode ser doada dentro do coletivo, ou pelo menos sem mudar bastante substancialmente o significado de "dar". Descrições filosóficas e antropológicas da dádiva estabelecem todo tipo de outras condições. Quem recebe uma dádiva pode ser obrigade, pelo costume, ou pelo "espírito da dádiva", a dar algo seu. Dádivas são notórias pelos elementos "venenosos" que frequentemente contém. Algumas das "economias da dádiva" que conhecemos a partir da antropologia de fato operavam sem recompensa em bens, mas transformavam o capital material em prestígio ou capital cultural, às vezes de uma maneira extremamente competitiva. As descrições filosóficas da dádiva sugerem que a "dádiva pura" está quase impossivelmente amarrada a exigências conflitantes; se reconhece-se uma dádiva, aceita-se graças em troca de uma dádiva, talvez mesmo se sabe-se que está se doando e se sente alguma compensação, então a dádiva pura é impossível. Dádivas parecem, em todo caso, importar. Algo além da indiferença é exigida de nós, e ganhar "pontos punk" pode não ser isso. Dispor de nossas coisas excedentes pode não atingir a meta.
A economia da dádiva parece pressupor a propriedade individual, por mais que gostasse de subverter seu absolutismo, sua mentalidade cobiçosa, olho por olho. A dádiva está, talvez, relacionada à outra metade de nossa antinomia humana?
E se estiver? E se, muito rapidamente (já que eu fui muito longe), se a dádiva fosse de fato a marca de nossa outra metade. Já que nosso absolutismo está necessariamente expressando-se em nós, a gratuidade poderia bem ser a expressão da liberdade, da independência. Talvez a "propriedade", entendida, como Proudhon a entendia, como uma fortaleza em torno do indivíduo, em face às forças centralizadoras e coletivizadoras (que, para que não nos esqueçamos, têm seu papel a desempenhar na marcha em direção à justiça e à expansão da liberdade), começando com a "auto-propriedade", é o direito implicado pelo nosso predicamento humano básico, nossa natureza em progresso, nossa necessidade de espaço no qual experimentar, errar, avançar.
Tal propriedade seria compatível com uma economia da dádiva? Ou Proudhon finalmente nos deixa em um lugar no qual nem a propriedade, estritamente falando, nem a dádiva, idem, podem surgir?
Minha intuição, embasada em parte em alguma linguagem de vários locais na obra de Proudhon e em parte nas conexões que tenho feito com outros pensamentos continentais, é que uma "economia da dádiva", no sentido de um sistema em que algo, que pode ser dado legitimamente, é dado, sem quais quer expectativas de retorno, poderiam surgir apenas em circunstâncias razoavelmente limitadas, e talvez possa ter apenas uma aplicação no pensamento de Proudhon - mas essa uma aplicação pode ser algo um tanto marcante. Sabemos que existe, para Proudhon, alguma abertura para a sociedade emergir enquanto um "pacto de liberdade" levando em direção a aproximações da igualdade e finalmente da justiça. Sabemos que a independência surge da interação entre a necessidade e a liberdade, e que a propriedade também tem suas contradições internas. O moi de Proudhon tem muito pouco que ele pode dar legitimamente, se mesmo sua própria "propriedade" é roubo. Mas ele pode, talvez, dar propriedade a outrem, através do reconhecimento, que não rouba nada, não assalta ninguém, e é perfeitamente gratuito, mesmo que, e este é o caráter da economia da dádiva, ele não possa estar certo da retribuição. Na medida, no entanto, que o comércio é embasado no igual reconhecimento, se não necessariamente em qualquer outro tipo de igualdade, então esta particular economia da dádiva poderia ser estranhamente (dado tudo que dissemos, e alguns dos nomes que invocamos) fundamental.
Mis amigs anarquistas sociais podem contestar esse jugo do absolutismo e da gratuidade sobre a propriedade, de todas as coisas. Mis amigs libertáries sem duvida vão estremecer um pouco com a noção de que a auto-propriedade é uma dádiva (em contraposição a um dado). Mas eu acho que já pelo menos sobre o que se pensar aqui.

[1] Vide Shawn Wilbur, “Proudhon on Freedom and Free Will,” Two-Gun Mutualism & the Golden Rule (n.p., Sep. 12, 2008) <libertarian-labyrinth.blogspot.com/2008/09/proudhon-on-freedom-and-free-will.html> (March 13, 2011).