sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Variedades de "roubo" e "propriedade"

Variedades de "roubo" e "propriedade"

Geralmente é legal evitar pegar problemas complexos e deixá-los ainda mais complexos - mas nem sempre. Podem haver alguns avanços reais, em termos de clareza, a serem ganhos da incorporação de nossas questões sobre "roubo" no enigma mais amplo em relação a Proudhon e a "propriedade". Mas vamos ter que proceder cautelosamente. Vamos começar com um tipo de catálogo dos conceitos que podem ou não estar em jogo, conforme tentamos desembrulhar a infame frase de Proudhon, "propriedade é roubo", nos conteúdos de suas observações sobre o mandamento, "não roubarás".

ROUBO: Temos duas prováveis definições do termo "roubo". Ele poder ser tomado, em um sentido razoavelmente convencional, para significar apropriação indébita de uma "propriedade" já existente.

Alternativamente, ele pode significar alguma categoria mais ampla de má utilização censurável de recursos, envolvendo "manter, transformar ou reservar". Talvez não devêssemos sequer chamar isto de "roubo", já que presumivelmente é "o conceito mal traduzido como 'roubo' (no primeiro sentido)", exceto que nossa preocupação mais imediata é se o "roubo" em "propriedade é roubo" deveria ser entendido de acordo com uma definição estrita ou não, pressupondo alguma forma de "propriedade" legítima, ou, de maneira mais ampla, em um sentido que pode ser antagônico a todas as formas de "reservação". Pensaremos em ambos como possíveis definições de "roubo" neste contexto em particular, e eu não acho que teremos errado demais.

RELAÇÕES DE RECURSOS QUE NÃO SÃO ROUBO: Com o primeiro sentido, mais estrito, de "roubo", sabemos que o outro conceito chave pressuposto pela definição é, na verdade, "propriedade". Podemos não saber os detalhes sobre em que a "propriedade" implica, mas sabemos que não podemos muito bem chegar ao "roubo" (de "propriedade") sem esse outro termo. (Quanto mais vaga nossa noção de "propriedade", tanto mais vago, naturalmente, será nosso conceito de "roubo" - e sabemos que há uma noção extremamente vaga de "propriedade" à espreita no pano de fundo da obra de Proudhon. Sabemos também, contudo, que ele parece ter endereçado a frase "propriedade é roubo" a uma variedade muito mais claramente definida.)

Mas se "reservar" é censurável não porque há uma forma previamente existente de propriedade legítima que está sendo abusada de alguma forma, mas porque algum outro tipo de impropriedade (e, sim, os dois podem ser difíceis de separar), nos resta descobrir o que "não reservar" é em sua forma positiva, e o que é positivo sobre isso. Se, por exemplo, "propriedade é roubo" porque a pré-condição para qualquer tipo de propriedade seria uma acumulação ou "reservação" que violaria a interpretação mais ampla da injunção contra o "roubo", nos restaria determinar apenas que relacionamento ou ordem está sendo rompido pelo desvio de recursos. A candidata mais óbvia para um equivalente de "não reservar" provavelmente é a "comunidade" (communauté) que Proudhon propõem como a primeira forma de sociabilidade e a tese para a antítese da "propriedade", em 1840. Esse termo infelizmente foi traduzido por Tucker como "comunismo", levando a mal-entendidos e "esclarecimentos" questionáveis sobre ao que Proudhon estava objetando em suas críticas da "comunidade". Eu acho que este é um caso em que fomos frequentemente rápidos demais para saltar para defesa de rótulos, quando uma atenção um pouco maior aos textos relevantes teria deixado claro que Proudhon estava jogando um jogo um tanto diferente. Este não é o lugar para um tratamento completo do que Proudhon disse sobre a "comunidade" em 1840, mas provavelmente vale a pena notar que a caracterizou, em uma passagem chave, como o "movimento espontâneo" da "sociabilidade". Se a antítese de um indivíduo "manter, transformar ou reservar" é um movimento espontâneo e sociável, talvez tenhamos pelo menos os primórdios de um relacionamento tese/antítese um pouco mais convincente, uma base mais interessante para aquela "síntese de comunidade e propriedade" que Proudhon associava com a "liberdade" do que a maioria das que propusemos até agora.

PROPRIEDADE: Isso nos deixa com o mais escorregadio dos termos-chave de Proudhon: a "propriedade". Ao passo que ele foi razoavelmente explícito sobre suas definições em cada estágio, não está claro que ele sempre foi inteiramente fiél a suas definições declaradas e, mesmo que ele tenha sido, ele ele criou um certo emaranhado com elas. Como já notei, Proudhon reconhecia uma categoria ampla e vaga de "propriedade", dentro da qual os termos chave de sua análise em 1840, "propriedade simples" e "posse simples", podem ser contados como possíveis variedades. Este é o ponto no qual ele provavelmente era menos consistente, contudo, uma vez que, às vezes, ele não queria chamar a "posse" pelo nome de "propriedade", ao passo que, em outras, ele o fazia - mas durante o período em que ele não queria fazê-lo, ele ainda reconhecia (na introdução da segunda edição de O Que É a Propriedade?) que, por "propriedade", ele queria dizer "o abuso da propriedade". Ele nunca parece ter negado a possibilidade de uma "propriedade" que não fosse "roubo" por muito tempo em um trecho.

A "propriedade simples", ou "domínio", era consistentemente definida como uma "questão de direito" e, especificamente, do "direito de uso e abuso", e foi sobre esta "propriedade" que Proudhon disse que "propriedade é roubo" em 1840. E foi em torno de uma forma particularmente forte de "propriedade simples ou alodial" que Proudhon construiu sua "nova teoria" de propriedade em A Teoria da Propriedade. Nesta obra final, era precisamente a natureza absoluta da "propriedade simples", seu caráter enquanto "roubo", que lhe dava seu caráter desejável, uma vez que essa teoria dependia do uso da propriedade para criar um espaço dentro do qual o indivíduo estaria abrigado das demandas absolutas de outros proprietários e de qualquer "estado" ou instituições similares ao estado que pudessem existir em uma sociedade livre.

A "posse simples", que Proudhon constantemente amontoa com "feudo", é, ao contrário, uma "questão de fato". Proudhon admitiu, em A Teoria da Propriedade, que ele ainda não havia realmente definido "posse" em suas primeiras obras e fez as seguintes observações sobre o assunto:

A posse, indivisível, intransferível, inalienável, pertence ao soberano, príncipe, governo ou coletividade, do qual o inquilino é mais ou menos dependente, feudataire ou vassalo. Os alemães, antes da invasão, os bárbaros da Idade Média, conheciam apenas ela; ela é o princípio de toda a raça eslava, aplicado neste momento pelo Imperador Alexandre a sessenta milhões de camponeses. Essa posse implica nela os vários direitos de uso, habitação, cultivo, pasto, caça e pesca - todos os direitos naturais que Brissot chamava de PROPRIEDADE de acordo com a natureza; é a uma posse desse tipo, mas que eu não havia definido, que eu me referi em minha primeira Memória e em minhas Contradições. Essa forma de posse é um grande passo na civilização; é melhor, na prática, do que o domínio absoluto dos romanos, reproduzido em nossa propriedade anárquica, que está matando a si mesma com crises fiscais e seus próprios excessos. É certo que o economista não possa exigir nada mais: ali o trabalhador é recompensado, seus frutos garantidos; tudo que pertence legitimamente a ele está protegido. A teoria da posse, princípio da civilização das sociedades eslavas, é o mais honrável desta raça: ele compensa o atraso de seu desenvolvimento e torna inexpiável o crime da nobreza polonesa.

Mas esta é a última palavra da civilização, e do direito também? Eu acho que não; pode-se conceber algo mais; a soberania do homem não está inteiramente satisfeita; a liberdade e a mobilidade não são grandes o suficiente.

(Infelizmente, Proudhon também observou, em O Que É a Propriedade?, que: "Posse é um direito; propriedade é contra o direito". Isto não é necessariamente uma contradição das outras caracterizações, mas certamente complicará as questões mais do que um pouco, quando chegar a hora de falar sobre "direito" e "direitos".)

A Teoria da Propriedade contém um capítulo sobre "Os Vários Significados da Palavra 'Propriedade'", que esclarece alguns pontos das primeiras obras. Mas a maior parte das dificuldades nas obras de Proudhon sobre a propriedade não são realmente terminológicas. Daquelas que o são, a maioria das mais espinhosas giram em torno da mal-definida ou não-definida "posse".

Se forcarmos, por ora, em desembrulhar os possíveis significados da frase "propriedade é roubo", parecemos ter a maior parte do que precisamos. Há uma gama de potenciais interpretações, a menos interessante delas sendo a sugerida pela redefinição de "propriedade" como "abuso de propriedade", o que significa que a frase pode ser reproduzida como: O abuso da propriedade é roubo. E isto, por sua vez, se decompõe, dependendo de como definimos "roubo", em ou "o abuso da propriedade é o abuso da propriedade", ou, talvez, "o abuso da propriedade - que é embasado em "reservar", o que o torna roubo - é roubo". Mas se aceitarmos a definição mais ampla de "roubo", então já essencialmente definimos "propriedade simples" como "roubo". Honestamente, nenhuma formulação parece comprimir bem o ímpeto da frase com todo seu aparente escândalo e paradoxo intactos. Mas provavelmente ficamos um pouco apegados demais ao escândalo e ao paradoxo, de qualquer forma.

O que ganhamos com toda esta complicação e explicação exploratória? Eu acho que pelo menos esclarecemos os tipos de questões que precisamos responder para ir além da famosa/infame frase e, talvez, perseguir mais bem-sucedidamente o projeto daquela "síntese de comunidade e propriedade" e confrontar o problemas espinhoso da "posse".

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