sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Perigos inesperados do livre mercado?

Perigos inesperados do livre mercado?


Conhecemos a preocupação anti-mercado padrão, de que mesmo as relações verdadeiramente livres que mutualistas e outras anarquistas de mercado propõem (anti-capitalismo de livre mercado, comércio equitativo, etc...) inevitavelmente levarão (através de uma falha fatal na teoria do contrato, ou de uma falha fatal na natureza humana, etc...) ao "capitalismo" (ruim), ao governo de possuidores de capital e ao estado. Respostas ao problema (se forem tais) geralmente envolvem rejeições do "contrato" e/ou "comércio" tout court, junto com, claro, a "propriedade" concebida em qualquer modelo que inclua um domínio exclusivo e individual. Parece haver problemas com estas respostas, quer seja a dependência de uma "economia da dádiva" sobre a noção de propriedade individual (embora talvez também vice-versa), objeções a constructos amplos de "comércio" e "mercados" que parecem ser largamente estéticos em caráter, ou propostas vagas sobre como a distribuição realmente será efetuada (e que tipo de participação será esperada) em uma sociedade sem mercado. E uma das coisas em jogo no debate é a validade da estória através da qual anarquistas coletivistas e comunistas alegam ser não apenas as formas mais populares de anarquismo, mas as verdadeiras portadoras filosóficas padrão da tradição.


Não vamos resolver o debate facilmente e certamente não hoje. Há muito a se esclarecer antes que possamos avançar muito. Se você está lendo isto, você provavelmente tem uma noção bastante boa da importância que eu coloco em trazer figuras como Proudhon, Fourier, Bellegarrigue, Dejacque, Warren, Greene, Ingalls, Kimball, Molinari, Bastiat, Colins, Emerson, Whitman (etc...) plenamente para nossa história compartilhada, de modo que concordemos ou discordemos deles de uma maneira informada e inteligente. Deveria também ser óbvio que eu considero o período revolucionário por volta de 1848 como tendo uma importância particular, mesmo se apenas como terreno fértil do qual colher ideias de um tipo que não mais parecem florescer entre nós. Mas mesmo se você não concorda comigo sobre estes pontos gerais, talvez você possa ver as vantagens de se olhar para ideias familiares em um cenário que as tornam estranhas para nós.


Considere a crítica mutualista do livre mercado: É um daqueles fatos bem conhecidos, mas pouco compreendidos da história anarquista que Proudhon, o cara da "propriedade é um roubo", veio a abraçar a propriedade, em parte porque ela serviria como um contrapeso necessário para "o Estado". No texto "1848 origins of agro-industrial federation", eu apontei para um par de esquisitices no "Programa Revolucionário" de Proudhon: 1) sua adoção da propriedade e do "laissez-faire" e sua proposta de "insolidariedade absoluta" como um princípio de organização; e, 2) sua afirmação de que esta abordagem absolutamente egoísta naturalmente levaria a "uma centralização análoga àquela do Estado, mas em que ninguém obedece, ninguém é dependente e todos são livres e soberanos".


Massa. O livre mercado funciona. Alguém como Bellegarrigue poderia, mais ou menos ao mesmo tempo, descrever "a Revolução" como "pura e simplesmente uma questão de negócios", e descrever (na segunda edição de Anarchy: Journal of Order (tradução em breve)) a cena após a deposição de Louis-Philippe como se alguém tivesse apertado o famoso Botão Libertário que faz o governo sumir num piscar de olhos. Sem o rei, todo mundo teria que seguir em frente e deixar o "fluxo de interesses" fazer seu trabalho. Mas há algumas complicações, pelo menos do ponto de vista mutualista, não menos importante que Proudhon nunca deixou de ser o cara da "propriedade é roubo". Ele nunca deixou de pensar sobre a propriedade exclusiva e individual como sendo embasada num "absolutismo" individual, como despótica em tendência e como envolvendo um "direito de abuso" potencialmente mais auto-refutador com relação à "propriedade" do que qualquer coisa que seus críticos houvessem cutucado em suas alegações. Mas ele também acreditava, consistentemente, que "a comunidade [de bens] é roubo", apenas uma outra forma de absolutismo. E por volta do "Theory of Property", ele tinha algumas coisas difíceis a dizer sobre posse, que é a forma a meio caminho que as anarquistas frequentemente alegaram que era sua escolha: "É um fato da história universal de que a terra não foi mais desigualmente dividida do que em lugares onde apenas o sistema de posse predominou, ou onde o feudo suplantou a propriedade alodial; similarmente, os estados onde a maior liberdade e igualdade são encontradas são aqueles em que a propriedade reina"[p. 142].


Hmmm. As antinomias de Proudhon complicam as coisas consideravelmente, se o que estamos atrás é de um sistema, de propriedade ou de não-propriedade, que simplesmente funciona e reduz ou elimina o conflito. Em muitas das discussões nas quais eu estou estes tempos, conforme o interesse no mutualismo cresce, a preocupação parece ser encontrar quais tipos de arranjos as mutualistas achariam que são justificados. Mas se Proudhon é nosso guia, a justificação é nossa revolução permanente, a "estrela ardente" de William B. Greene, que recua toda vez que fazemos um avanço.


E se tivéssemos um "livre mercado", um "comércio" equitativo no sentido mais amplo e um sistema verdadeiramente justo para lidar com o "meu e seu"? Para o meu conhecimento, Proudhon nunca colocou a questão desta maneira. Para ele, o caráter absolutista de todo elemento ou abordagem unilateral só se tornava cada vez mais proeminente e necessário. Na conclusão de Theory of Property, ele escreve: "O princípio da propriedade é ultra-legal, extralegal, absolutista e egoísta por natureza, ao ponto de iniquidade: ele tem que ser desta maneira. Ele tem como contrapeso a razão do Estado, que é absolutista, ultra-legal, iliberal e governamental, ao ponto da opressão: ela tem que ser desta maneira". Adicione mais uma ruga aqui: Não estamos falando sobre "o Estado" como o conhecemos, o Estado governamentalista. Em vez disso, este é um Estado essencialmente anarquista, um ser coletivo que não governa, que não tem qualquer autoridade acima do indivíduo, mas que, se formos levar a sério as descrições de Proudhon, não obstante marca um perigo real, a perda de toda a individualidade, precisamente porque ele marca a extensão na qual o "fluxo de interesses" resultou, através do comércio egoísta, na unidade de interesses, na eliminação do conflito.


Parece, em uma estranha reviravolta, que o perigo inerente em um livre mercado, construído sobre sistemas que reduzem o conflito, poderiam bem ser o "comunismo" - não o comunismo de bens em comum, não os sistemas de Marx ou Kropotkin (exceto na medida em que eles falhem de maneiras não-econômicas), mas a "comunidade de interesses" contra a qual Proudhon e Josiah Warren ambos alertaram. Dejacque sugeriu o comunismo anarquista como um produto lógico de egoísmos individuais. De fato, a maioria das tentativas de menosprezar o elemento individualista no anarquismo comunista são manchas ignorantes. Então a sugestão não está tão longe das feitas por "comunistas" de um tipo ou de outro. Mas há um nó difícil de ser desvendado aqui, um que embaraça comunismo e mercados livres, opõe o despotismo contra o anarquismo, no interesse, em última análise, do último.


Se Proudhon pudesse responder às críticas de seus sucessores na tradição anarquista, eu suspeito que suas respostas poderiam ter parecido um pouco com os ataques de Nietzsche às anarquistas e socialistas de sua própria época. Em particular, à tradição de Kropotkin (e, em algum grau, muitas de nós, eu mesmo incluso, recebemos nosso anarquismo em grande parte do Ajuda Mútua), eu acho que ele poderia sentir a necessidade hoje de dizer: Ajuda mútua, sim, assim como a luta pela vida. Na própria ética de Kropotkin, ou pelo menos naquela parte extraída de Guyau, há um entendimento de que não é nem o otimismo, nem o pessimismo, que guia o anarquismo em direção a aproximações melhores da justiça, mas elementos em jogo, as pressões da vida.


A questão Proudhoniana a comunistas econômicos parece ser: como, em uma sociedade humana, num "comércio" humano, esse elemento absolutista que parece ser parte de nossa natureza, que pode de fato ser a coisa faminta que (por mais relutantemente que seja às vezes) nos empurra atrás da estrela ardente, como isso é mantido em jogo? Como ele presta ajuda e expressa sua fecundidade ética, se ele não tem nada seu para dar? E como a comunidade-de-propriedade evitar ser a estreita, e depois ainda mais estreita, comunidade de interesses que parece ser a morte, ou o estado de coma, da sociedade, ou pelo menos de sua inteligência coletiva?

Para a anarquista de mercado, talvez a questão ainda seja: O que é propriedade? Qual é sua relação com um livre mercado? A liberdade que estamos buscando é apenas uma falta de impedimentos ao fluxo de interesses ou há talvez algo a mais, suplementar ou mesmo oposto em algum sentido àquela primeira liberdade de mercado que necessitamos para uma sociedade livre? Se fôssemos capazes de completar nossa justificação da propriedade, isso nos levaria aonde, em última análise, queremos? Sabemos como a contra-economia funciona dentro do contexto dado, em parte porque a empreendedora anarquista tem mais do que um cheiro de enxofre sobre si, mas o que acontece se e quando vencermos?

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