Feminismo Dialético: O Ideal Desconhecido
por Roderick Long
Robert Campbell nos convida a considerar que as feministas caiam em dois grupos. (Não está claro se a divisão deveria ser exaustiva.) Um grupo, as "feministas individualistas" ou "feministas libertárias", mantém que "a igualdade de direitos está ficando próxima de ser consistentemente reconhecida em países como os Estados Unidos" e que "maiores esforços feministas, nesta parte do mundo, deveriam visar estritamente aquelas áreas restantes onde os sistemas legal e político privilegiem os homens sobre as mulheres". O outro grupo, que ele chama de "feministas coletivistas" (seu alvo é aproximadamente equivalente ao "feminismo radical", compreendido de maneira ampla), mantém que "os homens são a classe opressora; as mulheres são a classe vítima; e as mulheres consequentemente tem o direito de assumir o papel opressor, pelo menos durante os próximos mil anos". (Esta última parte é uma caricatura sarcástica de sua parte, mas, presumivelmente, ela poderia se reescrita, de maneira menos tendenciosa, como algo semelhante a: "os homens são em grande parte uma classe opressora; as mulheres são em grande parte uma classe de vítimas; e as mulheres consequentemente têm o direito de empregar o poder do estado para promulgar legislações que especificamente favoreça os interesses das mulheres".)
O que me incomoda sobre esta maneira de fatiar o terreno político não é que ela seja imprecisa; pelo contrário, eu acho que é depressivamente precisa em sua caracterização tanto das feministas libertárias quanto das feministas radicais. Antes, o que me preocupa é a sugestão implícita de que considerar algo como um objeto legítimo de preocupação feminista é, ipso facto, considerá-lo como um objeto apropriado de legislação. Nesta visão, as feministas radicais vêem que muitas questões merecem atenção feminista, então naturalmente elas são a favor de muita legislação; as feministas libertárias preferem uma legislação mínima e, assim, elas devem pensar que relativamente poucas questões merecem atenção feminista. Agora, isto é descritivamente verdadeiro até demais; a maioria das feministas radicais de fato passam uma boa parte do tempo trabalhando para aumentar o poder do estado, e a maioria das feministas libertárias de fato passam uma boa parte do tempo dizendo às feministas radicais para "superar isso". Mas, da maneira em que vejo, ambos os lados estão cometendo o mesmo erro: ambos eles pensam que as preocupações feministas e a atividade legislativa caminham juntas.
Uma razão pela qual eu continuo apontando para as anarquistas individualistas do século XIX (doravante abreviado para "as anarquistas") como o modelo apropriado para o feminismo é que elas não cometiam este erro. Elas eram igualmente feministas libertárias e feministas radicais.
O que é feminismo radical? Pegarei, mais ou menos aleatoriamente, duas caracterizações da web. Eis aqui uma da Wikipedia:
O feminismo radical vê a opressão das mulheres como um elemento fundamental na sociedade humana e busca desafiar esse padrão rejeitando de maneira ampla os papéis padrão de gênero.
Muitas feministas radicais acreditam que a sociedade força um patriarcado opressor sobre as mulheres (alguns masculinistas alegam que o patriarcado oprime homens também) e buscam abolir esta influência patriarcal. Por isso, alguns observadores acreditam que o feminismo radical [deveria] focar na opressão de gênero do patriarcado como a primeira e mais fundamental opressão que as mulheres enfrentam. Contudo, críticas da visão acima resultaram em uma perspectiva diferente do feminismo radical, mantida por algumas pessoas, que reconhece a simultaneidade ou interseccionalidade de diferentes tipos de opressão que podem incluir, mas não estão limitadas, às seguintes: gênero, raça, classe, sexualista, habilidade, ao passo em que ainda afirma o reconhecimento do patriarcado.
E esta do [agora defunto] "Students dot Washington dot Education":
Princípios Fundamentais do Feminismo Radical
1. As mulheres são oprimidas pelo patriarcado.
2. O patriarcado é um sistema hierárquico de dominação e subordinação das mulheres pelos homens. Ele consiste de e é mantido por um ou mais dos seguintes:
- Maternidade compulsória e restrições sobre a liberdade reprodutiva
- Heterossexualidade compulsória
- A construção social da feminilidade e da sexualidade feminina como aquela que é "dominada"
- Violência contra as mulheres
- Instituições que encorajam a dominação das mulheres pelos homens, tais como a igreja, e modelos tradicionais da família.
3. Para acabar com a opressão das mulheres, devemos abolir o patriarcado. Isto potencialmente envolverá:
- Desafiar e rejeitar os papéis tradicionais de gênero e as maneiras em que as mulheres são representadas/construídas na linguagem, na mídia, assim como nas vidas pessoais das mulheres.
- Lutar contra as construções patriarcais da sexualidade das mulheres banindo a pornografia e rejeitando relacionamentos heterossexuais tradicionais.
- Alcançar a liberdade reprodutiva
- Separação da sociedade patriarcal?
Dois fatos relacionados devem nos impressionar nestas caracterizações:
Primeiro: fora a tolice sobre banir a pornografia (que, em todo caso, foi descrita meramente como algo que a abolição do patriarcado poderia potencialmente envolver), nada sobre o programa feminista radical como estabelecido aqui é inconsistente com o libertarianismo; vários problemas são identificados como males a serem combatidos, mas nada é dito sobre os meios, estatistas ou outros. Plausivelmente, é a preocupação com a meta de eliminar o patriarcado, não a adoção de quaisquer meios em particular para esta meta, que faz com que alguém conte como uma feminista radical.
Segundo: o programa feminista radical aqui delineado não é terrivelmente diferente daquele das anarquistas; embora as anarquistas se opusessem à discriminação governamental contra as mulheres, elas certamente não pensavam que os obstáculos enfrentado pelas mulheres estivessem limitados a isto. Pelo contrário, elas viam a opressão das mulheres como um problema social vasto e generalizado, do qual a ação estatal era apenas um componente. (Para documentação, vide a excelente antologia de Wendy McElroy Individualist Feminism of the Nineteenth Century, assim como - se você conseguir encontrar uma cópia - a elusiva primeira edição de sua antologia anterior Freedom, Feminism, and the State. E como Chris Sciabarra nos lembra, há uma longa e ilustre tradição libertária de se considerar forças políticas e culturais como aspectos inter-relacionados mas distintos de sistemas sociais opressivos.)
Claro que a feministas radicais atuais de fato, em sua maior parte, buscam empregar a coerção estatal como um meio para seus fins; e, nisto, elas diferem das anarquistas, que ensinaram que, embora os males coercitivos pudessem legitimamente ser recebidos com resistência violenta, os males não-coercitivos devem ser combatidos com meios não-violentos, tais como boicotes, persuasão moral, etc. Mas eu não consigo ver que a coerção estatal seja essencial para o programa feminista radical; em sua maioria, as feministas radicais buscam meios estatistas para seus fins porque, como quase todo o resto das pessoas em nossa sociedade, elas sofreram lavagem cerebral para pensarem nas soluções estatistas como os únicos meios efetivos de mudança social.
Quanto aos fins do feminismo radical, não apenas eles não são intrinsecamente anti-libertários, mas eles também me parecem em grande parte legítimos. Eu vejo os problemas dos quais as feministas radicais reclamam como genuínos. Isto não é negar que a feministas radicais frequentemente descrevem estes problemas em termos exagerados e histéricos (por exemplo, a alegação de todo coito heterossexual é estupro). Mas isso dificilmente é uma falha exclusiva delas. Muitos Objetivistas, particularmente aqueles da estirpe Peikoffiana, frequentemente não identificam problemas genuínos, ao passo em que igualmente os descrevem em termos exagerados e histéricos? Atacar as preocupações feministas radicais meramente porque elas são frequentemente promovidas de uma maneira extremista é ignorar (e, incidentalmente, alienar) todas aquelas feministas radicais que promovem as mesmas preocupações de uma maneira mais razoável.
Eu também não acho que suas preocupações sejam inerentemente "coletivistas", embora eu certamente concorde que elas sejam frequentemente defendidas em termos coletivistas. Frequentemente, não sempre. Este é um grupo notavelmente diverso do qual estamos falando e não deveria ser identificado de maneira simplista com suas representantes mais barulhentas e politicamente conectadas.
Em sua disposição de usar o poder estatal, as feministas radicais atuais, a maioria delas, admitidamente ficam aquém de suas predecessoras anarquistas. Mas as feministas libertárias atuais tendem igualmente, em casos demais, a ficar aquém de suas predecessoras anarquistas, na medida em que elas tratam apenas a ação estatal como um alvo legítimo de crítica feminista. Muito da literatura feminista libertária (tal como What To Do When You Don’t Want To Call the Cops de Joan Kennedy Taylor) me parece aconselhar as mulheres a se adaptarem docilmente às estruturas de poder patriarcal existentes, contanto que estas estruturas sejam não-coercitivas. Este tipo de conselho apenas reforça a ideia que leva as feministas radicais em direção ao estatismo - a saber, a suposição de que a violência estatal é o único meio efetivo para se combater o patriarcado. Em meu julgamento, é perfeitamente apropriado que feministas libertárias reconheçam a existência de obstáculos não-governamentais generalizados ao bem-estar das mulheres e busquem soluções não-governamentais para estes problemas; não há qualquer fundamento para que as preocupações das feministas libertárias "visem estritamente aquelas áreas restantes em que os sistemas legal e políticos privilegiem os homens sobre as mulheres"
Analogia: Ayn Rand clamava por um movimento para promover a arte Romântica. As preocupações deste movimento deveriam "visar estritamente aquelas áreas restantes que os sistemas legal e político privilegiam" a arte não-Romântica sobre a Romântica? Claro que não; Rand estava preocupada em combater forças culturais e sociais, não apenas as legais e políticas. Então, o que é anti-libertário sobre as feministas fazerem o mesmo?
Pode ser contestado que os pós-modernistas reclamam não apenas de barreiras legais e governamentais a tal participação, mas de barreiras privadas e econômico-culturais também. Isto é verdade; de acordo com o pós-modernismo, relações de poder prejudiciais permeiam não apenas a esfera governamental, mas a esfera privada também. Mas isto não é verdade? Objetivistas também não consideram forças culturais como obstáculos formidáveis para a realização pessoais, mesmo quando não estão codificadas em lei? A maioria das batalhas de Howard Roark, em The Fountainhead, não foram travadas contra o poder privado? Muitas das estórias de Rand - Ideal, Think Twice, The Little Street - não dramatizam os efeitos destruidores da alma de forças culturais não-governamentais? The Objectivist não deu a Feminine Mystique de Betty Friedan uma avaliação positiva?
Claro que os pós-modernistas consideram o livre mercado como a causa de tais problemas e o aumento do controle governamental como a cura. Neste ponto, os Objetivistas devem se separar deles. Mas exatamente como os Objetivistas podem concordar com conservadores religiosos ao condenar o relativismo, sem considerar programas governamentais para inculcar moralidade como a resposta apropriada ao problemas, assim também os Objetivistas podem concordar com os esquerdistas acadêmicos na condenação de várias formas de opressão não-governamental, sem assinar a agenda política da Esquerda.
Robert Campbell está correto em notar um tendência das feministas radicais a acreditarem a) que há forças não-governamentais generalizadas oprimindo as mulheres e b) que estas forças devem ser combatidas através de violência estatal. Ele também está correto em notar uma tendência das feministas libertárias a acreditarem c) que não há nenhuma, ou apenas poucas, de tais forças e d) que as mulheres não deveriam recorrer à violência estatal para promover seus interesses. Meu ponto, contudo, é que embora (a) seja essencial para o feminismo radical, (b) não é e, igualmente que embora (d) seja essencial para o feminismo libertário, (c) não é. (Oposição ao poder estatal é definidor do libertarianismo, ao passo que recursos ao poder estatal, como vimos, é acidental em vez de definidor do feminismo radical.) Consequentemente, a forma de feminismo que eu favoreço, como aquela favorecida pelas anarquistas individualistas do século XIX, é tanto libertária quanto radical, adotando (a) e (d) enquanto rejeita (b) e (c).
A "sensibilidade em relação a preocupações feministas" que venho recomendando é, desta forma, uma sensibilidade em relação a (a). Eu favoreço tal sensibilidade, primeiro, porque eu penso que existem sérios obstáculos sociais e culturais ao bem-estar das mulheres na sociedade contemporânea, obstáculos que são reforçados pelo sistema político, mas de forma nenhuma redutíveis a ele ou unicamente dependentes dele; e, segundo, porque enquanto questão estratégica, é suicidamente imprudente encorajar que não-libertários acreditem que suas metas só podem, de fato, serem alcançadas através da violência estatal.
Eu não respondi de maneira específica aos comentários de Campbell sobre Naomi Wolf porque eu penso que nossas diferentes interpretações de sua estória dependem menos dos nuances precisos da prosa de Wolf e mais dos enquadramentos interpretativos que estamos trazendo ao texto. Meu propósito neste post foi primariamente explicar meu enquadramento interpretativo e, assim, explicar por que, dado este enquadramento, sou obrigado a achar a divisão de Campbell da cena feminista contemporânea em virtuosas individualistas e vis coletivistas pouco prestativa. Com o risco de soar como Chris Sciabarra ainda mais uma vez: eu vejo o conflito, ao invés, como um falso dualismo que precisa ser dialeticamente transcendido.
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