[Originalmente publicado em Social Philosophy & Policy, volume 11, Number 2 (Summer 1994), publicado pela Cambridge University Press.]
Ao se pensar e falar sobre direitos, incluindo direito de propriedade, parece natural colocar o argumento em termos morais ou legais. Do primeiro ponto de vista, os direitos são parte de uma descrição de quais ações estão certas ou erradas. O fato de que eu tenho um direito a fazer algo é um argumento, embora não necessariamente um argumento suficiente, de que alguém que me impeça de fazê-lo está agindo de maneira errada.1
Do ponto de vista legal, os direitos são uma descrição ou do que a lei diz ou de como ela é imposta. Na última interpretação, "Eu tenho o direito a fazer X" se traduz para algo como "Se eu fizer X, a polícia não vai me prender; se alguém tentar me impedir de fazer X, a polícia vai prendê-lo".2 Deste ponto de vista, pode-se alegar que as pessoas na Holanda tem o direito a comprar maconha, e que as pessoas na América tem o direito de dirigir a 5 milhas por hora acima do limite de velocidade, apesar de ambos serem ilegais.
Ambas estas abordagens têm sérias dificuldades se nossa meta for entender o fenômeno dos direitos, e seus fenômenos associados, da maneira em que eles efetivamente existem no mundo real. Nós frequentemente observamos comportamentos que se parecem com a reivindicação de direitos e com o reconhecimento de direitos em contexto em que nem uma descrição moral, nem uma legal, parece relevante.
Considere, por exemplo, o "direito" da Grã-Bretanha de controlar Hong Kong, Kowloon, e os Novos Territórios. É difícil explicar a complacência da China Comunista em respeitar esse direito com motivos morais, dado que, do ponto de vista Maoísta, nem o governo da Grã-Bretanha, nem governos anteriores e não comunistas com que ela assinara tratados, eram entidades que tinham direito a qualquer respeito moral. Parece igualmente difícil explicá-la com motivos legais, dada a debilidade em geral da lei internacional e o fato de que, por parte do período em questão, a Grã-Bretanha (como estado-membro das Nações Unidas) estava em guerra com a China. Uma explicação alternativa - de que o governo chinês acreditava que a ocupação britânica de Hong Kong era de seu próprio interesse - parece inconsistente com a não renovação da concessão dos Novos Territórios, que deve expirar em 1997.
Um segundo exemplo é apresentado pela guerra das Malvinas em 1982. À primeira vista, o conflito se parece com uma tentativa rechaçada de invasão de propriedade. Descrições morais e legais parecem irrelevantes, dada a atitude da Argentina em relação à reivindicação britânica. Ainda assim, a disposição da Grã-Bretanha em aceitar custos muito desproporcionais ao valor do prêmio sendo disputado é difícil de explicar, exceto na teoria de que os britânicos sentiam que estavam defendendo sua propriedade, o que levanta a questão do que esse conceito significa em tal contexto.
Uma dificuldade adicional com as descrições morais dos direitos, em particular dos direitos de propriedade, é o grau em que os direitos de propriedade que as pessoas efetivamente respeitam parecem depender de fatos que são moralmente irrelevantes. Esta dificuldade se apresente em descrições libertárias da propriedade como o problema da aquisição inicial. Está longe de ficar claro, mesmo em princípio, como recursos não apropriados tais como a terra podem se tornar propriedade privada. Mesmo se se aceita uma descrição, tal como a de Locke, de como a aquisição inicial poderia ter ocorrido com justiça, essa descrição fornece pouca justificativa para o atual padrão de direitos de propriedade, dada a alta probabilidade de que qualquer pedaço de propriedade tenha sido injustamente confiscado pelo menos uma vez desde que foi limpo pela primeira vez. Ainda assim, bilhões de pessoas, agora e no passado, baseiam muito de seu comportamento no respeito por reivindicações de propriedade que parecem moralmente arbitrárias ou claramente injustas.
Uma dificuldade adicional com as descrições legais dos direitos é que elas são, em certo grau, circulares. Nós observamos que a polícia vai agir de certas maneiras e que sua ação (ou ações relacionadas por parte de juízes, juris, etc.) implica que certas pessoas têm certos direitos. Mas o comportamento da polícia é ele mesmo, em parte, uma consequência dos direitos - tais como o direito do estado de recolher impostos e pagá-los à polícia na forma de salários, e o direito de propriedade que a polícia tem, então, sobre o dinheiro que recebe.
Por todas essas razões, eu acredito que vale a pena tentar uma descrição positiva dos direitos - uma descrição que seja tanto amoral quanto alegal. Na parte I deste ensaio eu apresento uma tal descrição - uma em que os direitos, em particular os direitos de propriedade, são uma consequência do comportamento estratégico e podem existir sem nenhum apoio moral ou legal.3 A descrição é apresentada tanto como uma explicação de como os direitos poderiam surgir em uma anarquia Hobbesiana, quanto como uma explicação da natureza dos direitos conforme os observamos a nossa volta. Na Parte II, eu sugiro maneiras em que algo como a atual estrutura de direitos poderia ter se desenvolvido.
Uma característica intrigante dos direitos conforme os observamos é o grau em que as mesmas conclusões parecem se seguir de suposições muito diferentes. Desta maneira, estruturas aproximadamente similares de direitos podem ser e são deduzidas por filósofos libertários tentando mostrar qual conjunto de direitos naturais é justo, e por economistas tentando mostrar qual conjunto de regras legais seria eficiente. E as estruturas de direitos que eles deduzem parecem similares àquelas observadas no comportamento humano e incorporadas na lei comum. Na Parte III deste ensaio, eu vou tentar sugerir explicações pelo menos parciais para esta tripla coincidência - a aparente similaridade entre o que é, o que é justo, e o que é eficiente.
Parte I: Pontos de Schelling, Contratos Auto-impositivo e o Paradoxo da Ordem
Diversos autores tentaram analisar a transição de uma estado de natureza Hobbesiano para um estado de ordem civil em termos de um conjunto de contratos hipotéticos que estabelecessem uma distribuição inicial de direitos de propriedade baseados em uma distribuição pré-existente de poder.4 Uma dificuldade com esta abordagem é que na situação inicial não há instituições para executar os contratos. Como as pessoas nessa situação a alteram fazendo contratos que são inexequíveis e portando sem efeito?5
O mesmo problema pode ser visto pelo outro lado ao se perguntar em que sentido nós, ou qualquer sociedade, jamais saímos de um estado de natureza Hobbesiano. O que temos, o que criamos, que não existe na selva Hobbesiana? A ordem civil não é definida pela existência de objetos físicos - tribunais, uniformes de polícia, livros jurídicos. Podemos com bastante facilidade imaginar uma selva Hobbesiana - em meio a uma guerra, digamos - coexistindo com todos os acessórios físicos da sociedade civil. E povos primitivos, sem tribunais ou livros de direito, não obstante vivem em um estado de ordem civil.
Nem tampouco é suficiente dizer que estamos em um estado de ordem civil porque temos juízes para interpretar nossas leis e a polícia para executá-la. Por que estas pessoas agem desta maneira? Presumivelmente porque é de seu interesse privado fazê-lo - da mesma forma que criminosos em potencial obedecem a lei pela mesma razão. Mas é assim que as pessoas agem na selva Hobbesiana. Lá também, pode ocorrer de um homem impor uma regra, e de outro obedecê-la, porque cada um acha de seu próprio interesse fazê-lo. O que é que temos e a selva Hobbesiana não tem que faz ser do interesse das pessoas se comportar de uma maneira pacífica e respeitadora da lei? Dizer que a resposta é "polícia, cortes, governo" apenas joga a questão um passo pra trás; se a ordem civil é imposta por homens com armas, quem os controla?
Existem dois tipos de respostas para estas questões. Uma é que a diferença é moral. As pessoas de alguma forma aceitam uma obrigação, concordam em não se comportar de acordo com o simples auto-interesse, sentem-se obrigadas por esse acordo e alteram suas ações de acordo.
Há dificuldades com este tipo de explicação. Primeiro, há a observação empírica de que as pessoas não se sentem obrigadas a obedecer a leis; muitas, talvez a maioria, sentem-se livre para violar estas leis (limites de velocidade, leis contra a bebida, regulamentações aduaneiras) com as quais elas discordam e acreditam que podem quebrar sem serem pegas. Segundo, na medida em que as pessoas realmente sentem uma obrigação moral de obedecer a regras sociais, é difícil derivar esse sentimento de qualquer variante da teoria de contrato social. As variantes tradicionais encontram a dificuldade eloquentemente descrita por Lysander Spooner6; uma vez que nós mesmos não assinamos o contrato, não estamos obrigados por ele.
As dificuldades em se derivar obrigação moral do tipo de contrato social aos pares sugerido por Winston Bush7 são igualmente grandes. Mesmo se considerarmos que cada um de nós está, a todo instante, em um contrato implícito com cada um de seus vizinhos para respeitar algum conjunto acordado de direitos, ainda assim esse contrato, no modelo de Bush, é baseado na ameaça de coerção. Ele não tem qualquer legitimidade moral a mais, de acordo com ideias morais convencionais, do que a obrigação de pagar uma máfia de proteção.
Pode ser possível explicar a diferença entre um estado de natureza Hobbesiano e a sociedade civil como uma diferença moral, mas eu prefiro a explicação alternativa - de que a diferença essencial não está na motivação dos atores, mas na situação estratégica com que eles se deparam. Isto levanta a questão de como fazer um acordo - em uma sociedade sem quaisquer mecanismos para se executar acordos - pode mudar qualquer coisa, a situação estratégica inclusive.
IA. A Ferramenta: Pontos de Schelling8
2,5,9,25,69,73,82,96,100,126,150
Duas pessoas são separadamente confrontadas com a lista de números mostrada acima e se oferece uma recompensa caso elas independentemente escolham o mesmo número. Se as duas são matemáticas, é provável que ambas escolham o 2 - o único primo par. Não matemáticos estão propensos a escolher o 100 - um número que parece, aos matemáticos, não mais único que os outros dois quadrados exatos. Iletrados poderiam concordar com o 69, por causa de sua simetria peculiar - assim como o fariam, por uma razão diferente, aqueles cujo interesse em números fosse mais lascivo que matemático.
Há três coisas que valem a pena notar sobre este problema simples de coordenação sem comunicações. O primeiro é que cada par de jogadores está procurando um número que seja de alguma forma único. Para um matemático, todos os três quadrados são números especiais, assim como o são os três primos. Mas se eles tentarem coordenar em um quadrado ou um primo, eles têm apenas uma chance em três de sucesso - e, além disso, um pode estar tentando primos e o outro, quadrado. O 2 é único. Se o conjunto de número não incluísse o 2, mas contivesse apenas um primo (ou apenas um quadrado, ou um número perfeito) eles escolheriam esse.
A segunda coisa a se notar é que não há uma única resposta correta; o número escolhido por um jogador, e consequentemente o número que deve ser escolhido pelo outro, depende das categorias que a pessoa escolhendo usa para classificar as alternativas. A estratégia correta é encontrar alguma classificação em termos da qual há um número único, e então escolher esse número - uma estratégia cuja implementação depende das classificações particulares que o par de jogadores usa. Desta forma, a resposta correta depende das características subjetivas dos jogadores.
O terceiro ponto, que se segue desse, é que é possível ser bem sucedido no jogo por causa, e não apesar, da racionalidade limitada dos jogadores. Para uma mente com escopo suficiente, todo número é único.9 É apenas porque os jogadores estão limitados a um pequeno número de possíveis esquemas de classificação para número, e porque os dois jogadores podem estar limitados ao mesmos esquemas, que uma escolha correta pode existir. A este respeito, a teoria deste jogo é radicalmente diferente da teoria dos jogos convencional, que assume jogadores com uma capacidade ilimitada de examinar alternativas e assim se abstrai de todas as características subjetivas dos jogadores exceto aquelas incorporadas em suas funções de utilidade.10
Considere agora dois jogadores jogando um jogo chamado de monopólio bilateral. Eles têm um dólar para dividirem entre si, contanto que consigam concordar sobre como dividi-lo. Superficialmente, não há qualquer semelhança entre este jogo e aquele discutido acima; os jogadores são livres para conversar um com o outro tanto quanto quiserem.
Mas, ao passo que eles podem conversar livremente, há um sentido em que eles não podem se comunicar de forma alguma. É do meu interesse lhe persuadir de que eu só estarei satisfeito com uma grande fração do dólar; se eu estiver realmente relutante em aceitar qualquer coisa menos do que noventa centavos, você ganha mais concordando em aceitar dez centavos do que resistir por mais e não ganhar nada. Uma vez que é do interesse de cada um de nós persuadir o outro de sua determinação, todas as afirmações nesse sentido podem ser ignoradas; elas seriam feitas quer fossem verdadeiras ou não. O que cada jogador tem que fazer é adivinhar qual é a real demanda do outro, qual é a fração do dólar sem a qual ele se recusará a aceitar. Isso não pode ser comunicado, simplesmente porque vale a pena para cada jogador mentir sobre isso. A situação é, portanto, muito similar àquela do jogo anterior; os jogadores devem coordenar suas demandas (de maneira que elas somem um dólar) sem comunicação. Parece provável que eles o farão concordando em dividir o dólar meio a meio.
O mesmo ponto feito sobre o jogo anterior se aplica aqui, embora menos obviamente. Os jogadores estão buscando por uma solução única; se eu decido que a divisão natural é um terço-dois terços e você concorda, ambos de nós raciocinando a partir de uma crença mística no significado do número três, ainda há o risco de que cada um decidirá que tem o direito aos dois terços.
Para ver que a solução depende das categorias particulares utilizadas pelos jogadores, imagine que ambos foram criados acreditando que a utilidade, não o dinheiro, é o a recompensa relevante, e suponha ainda mais, que ambos acreditam que utilidade marginal de um dólar é inversamente proporcional à renda de quem recebe. Nesse caso, a solução para o jogo não é uma divisão meio a meio do dinheiro, mas uma divisão meio a meio da utilidade - implicando uma divisão do dólar em quotas proporcionais às rendas dos dois jogadores.11
Tal resultado, escolhido por causa de sua singularidade, é chamado de um ponto de Schelling, em homenagem a Thomas Schelling, que originou a ideia. Ele fornece uma solução possível ao problema de coordenação sem comunicação. Como este exemplo mostra, é relevante tanto para situações em que a comunicação é fisicamente impossível quanto para situações em que a comunicação é impossível porque não há qualquer maneira de que uma das partes possa fornecer a outra uma razão para acreditar que o ele diz é verdadeiro.
Mesmo se for impossível para os jogadores em tal jogo comunicarem suas reais demandas, pode ainda ser possível para eles afetar o resultado através do que disserem. Eles poderiam fazê-lo, não comunicando diretamente suas próprias estratégias (qualquer afirmação do tipo seria desacreditada), mas alterando as categorias do outro jogador, as maneiras em que ele organiza as alternativas do jogo, e assim mudando os pontos de Schelling que dependem dessas categorias.
No exemplo discutido há pouco, por exemplo, um jogador (presumivelmente o mais rico) poderia lembrar o outro de sua crença compartilhada na importância da utilidade, a fim de se certificar que o ponto de Schelling da equi-utilidade seria escolhido. Se, no primeiro jogo que descrevi, fosse permitido que os jogadores conversassem antes de verem os número, uma conversa sobre as propriedades interessantes dos primos ou sobre a singularidade especial do menor de uma série de número poderia bem alterar o ponto de Schelling, e assim o resultado do jogo. Pode-se interpretar um bom tanto do comportamento de barganha sob essa luz - como uma tentativa de uma parte de fazer a outra ver a situação de uma maneira em particular, de modo a gerar um ponto de Schelling favorável à primeira parte.
Uma maneira ligeiramente diferente em que se pode conceituar o processo de acordo sobre um ponto de Schelling é em termos dos custos de barganha em um contexto de barganha contínua.12 Considere uma situação em que o número de resultados possíveis é muito grande. Suponha que o processo de barganha é, em si, custoso, seja porque consome tempo ou porque cada jogador arca com custos (tais como ficar de greve) ao tentar validar suas ameaças. Enquanto os jogadores forem enfrentados com uma escolha entre um número maior de alternativas comparáveis, cada proposta por parte de um jogador está propensa a suscitar uma proposta concorrente de outro, inclinada um pouco mais para o seu auto-interesse.
Mas suponha que há um resultado que é visto como único. Um jogador que proponha tal resultado poderia ser percebido como oferecendo, não uma escolha entre esse resultado e outro ligeiramente diferente e outro ainda mais diferente…, mas uma escolha entre esse resultado e a barganha contínua. Um jogador que diz que ele insiste no resultado único, e que não vai se contentar com nada menos, pode ser crível, ao passo que uma afirmação similar sobre um resultado diferente não seria. Ele pode argumentar convincentemente que ele se aterá a seu resultado proposto porque, uma vez que ele desista, ele não tem nenhuma ideia de onde ele vai terminar ou quão altos os custos de se chegar lá serão.
Para que um ponto de Schelling forneça uma resolução pacífica para um conflito de interesse, ambas as partes devem conceituar as alternativas em maneiras similares - similares o suficiente para que elas possam concordar sobre quais possíveis resultados são singulares e, dessa forma, atraentes como potenciais pontos de Schelling. Assim, uma implicação interessante do argumento é que o conflito violento é especialmente provável de acontecer nos limites entre culturas, em que pessoas com maneiras muito diferentes de ver o mundo interagem.
IB. De Hobbes para Cima
Duas pessoas estão vivendo em um estado de natureza Hobbesiano. Cada uma pode ferir ou roubar da outra, com algum custo, e cada uma gasta recursos em sua própria defesa. Uma vez que o conflito consume recursos, ambas poderiam se beneficiar concordando sobre o que cada uma possui e depois disso cada uma respeitando a propriedade da outra. O benefício comum poderia ser dividido de maneiras diferentes, de acordo com o conjunto em particular de direitos de propriedade com o qual eles concordam - que propriedade pertence a quem, e se alguém tem um direito de propriedade sobre o tributo da outra. Esse é um caso especial do jogo - monopólio bilateral - descrito acima.
Cada jogador, claro, vai ameaçar a recusar fazer qualquer acordo desse ao menos que ele consiga a divisão que ele quer. Cada um vai duvidar da maioria das ameaças do outro. Se suas habilidades de coagir e defender forem aproximadamente iguais, e se houver alguma divisão natural de propriedade contestada (tal qual um riacho correndo entre duas fazendas), é provável que eles encontrarão um ponto de Schelling na forma de um acordo para aceitar essa divisão, respeitar os direitos um do outro, e não pagar qualquer tributo.
Se um (sendo, talvez, ligeiramente mais poderoso) tentar insistir em um pequeno tributo, argumentando que isso ainda deixará o outro melhor do que o conflito contínuo, o outro pode convincentemente recusar, argumentando que uma vez que ele conceda qualquer tributo, não há qualquer limite natural ao que o outro pode exigir. Concordar com o tributo custa à vítima não apenas o tributo, mas o único ponto de Schelling disponível. O custo esperado de tal acordo para ela inclui tanto o custo possível de pagar um tributo maior no futuro quanto o risco de conflitos futuros, se no futuro ela se recusar as exigências por tributos maiores. Esse custo pode ser alto o suficiente para tornar crível sua insistência de que ele vai escolher o conflito continuado sobre o pagamento mesmo de um pequeno tributo.
Até agora consideramos o ponto de Schelling que gera um acordo. Mas o acordo em si, quer gerado por um ponto de Schelling ou de alguma outra maneira, é, por conseguinte, um ponto de Schelling por si mesmo. Ele é um resultado único do qual ambos os jogadores estão conscientes. Uma vez que ele tenha sido feito, uma política de "se você não respeitar o acordo, eu vou voltar ao uso da força, mesmo se a violação for pequena em comparação ao custo do conflito" é crível precisamente pela mesma razão que a recusa em pagar tributo, ou qualquer insistência por parte de um barganhador em um ponto de Schelling é crível. A assinatura do contrato estabelece um novo ponto de Schelling e, assim, altera a situação estratégica. O contrato executa a si mesmo.
Isto se aplica não apenas ao contrato social de pares inicial, mas a contratos subsequentes também. Suponha que você tem um pomar e eu tenho um machado. Após concordar sobre os nossos direitos de propriedade mutuais, você me oferece uma saca de maçãs para eu cortar uma árvore que está fazendo sombra em seu pomar. Eu corto a árvore conforme combinado, mas você se recusa a me dar as maçãs. O que acontece?
Até o que diz respeito à nossa situação física, eu não sou nem um pouco mais capaz de compelir você a me pagar uma saca de maçãs agora do que eu estava antes de você me fazer a oferta e eu cortar a árvore - nossos recursos materiais, nossa habilidade de machucar um ao outro e nos defender são as mesmas que eram. Ainda assim, minha ameaça de derrubar seu pomar ao menos que você pague é mais crível do que teria sido antes, tanto porque eu tenho mais razão para realizá-la quanto porque você tem menos razão de resisti-la. Antes, a tentativa de tomar uma saca de maçãs de você teria sido uma tentativa de lhe mover para longe do ponto de Schelling estabelecido pelo contrato inicial. Agora é uma tentativa de restaurar o ponto de Schelling estabelecido pelo nosso acordo subsequente.
Uma explicação mais convencional disso é que a razão pela qual é do seu interesse entregar as maçãs uma vez que você tenha concordado em fazê-lo é que você deseja estabelecer uma reputação de cumprir promessas, e que a razão pela qual é do meu interesse punir-lhe caso você não entregue as maçãs é porque eu desejo estabelecer uma reputação de executar contratos feitos comigo. Enquanto isso pode ser verdadeiro, há duas razões por que não pode ser uma explicação completa. Primeiro, ela depende de uma percepção particular de comportamento consistente - em lógica pura, não há mais razão para pensar sobre "sempre executar" como mais consistente do que "recuar a primeira, terceira, quinta,... vez e lutar na segunda, quarta, ...". Ambas descrevem estratégias possíveis únicas. A diferença importante entre elas é que a primeira é um ponto de Schelling e a última não - um fato, não sobre as estratégias, mas sobre a maneira em que as classificamos.
Um segundo problema relacionado com a descrição convencional é que eu posso igualmente bem desejar estabelecer uma reputação de dar prosseguimento a exigências extorsivas. Precisamos de alguma maneira de explicar por que eu cortei primeiro a árvore da sombra, em vez de simplesmente me comprometer a exigir suas maçãs. Se o primeiro padrão cria um ponto de Schelling de cumprimento de contrato e o último não o faz, isso fornece uma explicação possível.
Eu creio que agora eu resolvi o aparente paradoxo de contratar em uma selva Hobbesiana. O processo de contratação muda a situação porque ele estabelece novos pontos de Schelling, que por sua ver afetam a situação estratégica e seu resultado. A mesma análise pode ser usada pelo outro lado para explicar o que constitui a sociedade civil. As leis e as tradições da sociedade civil são uma rede elaborada de pontos de Schelling. Se meu vizinho me aborrece plantando flores, eu não faço nada. Se ele joga seu lixo no meu gramado, eu retalio - possivelmente na mesma moeda. Se ele ameaça a jogar lixo em meu gramado, ou a tocar uma fanfarra de trompete às três da manhã toda manhã, ao menos que lhe pague um modesto tributo, eu recuso - mesmo se eu estiver convicto de que as defesas legais existentes custam mais do que o tributo que ele está pedindo.
Se um policial me prende - mesmo se por um crime que eu não cometi - eu o acompanho pacificamente. Se ele tentar roubar minha casa, eu luto, mesmo se o custo de fazê-lo seja maior que o custo direto de deixa-lo me roubar. Cada um de nós sabe qual comportamento por parte de todos os demais está dentro das regras e qual comportamento implica em exigências ilimitadas, a violação do ponto de Schelling, e o retorno, em última análise, à selva Hobbesiana. O último comportamento é impedido pela ameaça de conflito mesmo se (como no caso da defesa britânica das Malvinas) os custos diretos da rendição forem muito menores do que os custos diretos do conflito.
Uma questão que isso levanta é como nós conseguimos nos comprometer a não recuar em tais situações. Uma resposta já foi sugerida. É do meu interesse no longo prazo não recuar porque se eu o fizer, eu posso esperar mais demandas: "if once you have paid him the danegeld/You never get rid of the Dane"NT1.13
Esta explicação não é inteiramente adequada. Em algumas situações, o agressor pode ser capaz de se comprometer a manter sua rendição secreta e limitar suas próprias exigências. Em outras, os custos a curto prazo da resistência podem ser maiores do que os custos a longo prazo da rendição.
Pessoas (e nações) às vezes se rendem a tais exigências. Se elas o fazem menos frequentemente do que um simples cálculo de custos e benefícios poderia prever, a explicação pode ser encontrada numa classe de argumentos feitos por Robert Frank e outros.14
O entendimento central de tais argumentos é que mesmo se a rendição for do meu interesse às vezes, ser o tipo de pessoa que vai se render quando é de seu interesse pode não ser, uma vez que se for sabido que eu não vou recuar, não faz sentido fazer a exigência inicial.15 A minha primeira melhor opção é fingir ser durão, na esperança de que a exigência não será feita, enquanto reservo a opção de rendição se chamarem meu blefe. Se, no entanto, os humanos são imperfeitamente capazes de mentir uns para os outros sobre que tipo de pessoa eles são - como parece ser o caso - então a melhor opção disponível pode ser realmente ser durão, apesar do risco de que eu ocasionalmente me verei forçado a lutar quando seria melhor eu me render.
Nada desse argumento depende de sanções morais. Eu posso acreditar (na verdade, acredito) que o coletor de impostos é o equivalente moral de um ladrão. Eu aceito um e enfrento o outro por causa das minhas crenças sobre o comportamento das outras pessoas - pelo que elas irão ou não lutar - e porque há crenças sobre o meu comportamento que eu gostaria que os outros tivessem. Nós estamos unidos por um conjunto de expectativas estratégicas que se reforçam mutuamente.
II. Duas Rotas de Hobbes até Aqui
Meu argumento até agora lidou com duas extremidades de um processo extenso. Eu comecei com uma explicação de como era possível, em um mundo de duas pessoas, tomar os primeiros passos para barganhar a saída de um estado de natureza Hobbesiano. Eu terminei com uma explicação de como a mesma lógica mantém a ordem civil como a conhecemos. Está faltando qualquer explicação dos passos intermediários através dos quais a ordem complicada e funcional em que vivemos poderia ter sido construída.
Uma possibilidade é a legislação. Se uma parte importante do caminho no qual os indivíduos classificam as ações é "legal/ilegal", então o fato da mudança legal, quer seja por parte de um rei, de uma legislatura, ou de um sistema judicial, muda a maneira na qual eles classificam as alternativas, o que por sua vez muda o conjunto de pontos de Schelling. Se o tribunal reconheceu direitos de propriedade sobre a água mas não sobre o ar, eu classifico a poluição da minha secção do rio como uma agressão e a enfrento, através de meios legais, sociais ou mesmo ilegais. Eu classifico a poluição do meu ar por parte da fábrica de sabão do meu vizinho como um incômodo inconveniente e ou a tolero ou tento comprá-lo. Sob estas circunstâncias, a legislação é, em um grau considerável, auto-imposta; o padrão de direitos de propriedade poderia bem sobreviver mesmo se o braço de fiscalização do estado desaparecesse ou se tornasse impotente.
Embora isso possa ser parte da explicação para a ordem civil, não pode ser tudo, por pelo menos três razões. Primeiro, alguns direitos não têm quaisquer regras legais associadas a eles. Segundo, muitas pessoas, talvez a maioria, são seletivas sobre quais regras legais elas levam a sério - como pode ser facilmente observado em qualquer rodovia dos E.U.A. E finalmente, há situações bem documentadas em que os direitos de propriedade existem e são respeitados, muito embora eles sejam inconsistentes com os direitos legais relevantes.
Este último ponto apresenta uma segunda possível explicação sobre como o padrão de expectativas poderia ter vindo a existir - que é devido, não à criação de leis, mas à evolução das normas. Robert Ellickson, em um livro recente, descreve como as relações entre vizinhos funcionam no condado de Shasta, Califórnia.16 Uma de suas observações mais impressionantes era de que em diversos casos, incluindo conflitos sobre invasão de animais e a alocação do custo de se construir cercas entre vizinhos, os habitantes ignoram as leis relevantes e agem, em vez disso, de acordo com as bem entendidas normas não legais. Ellickson não oferece qualquer descrição adequada de como tais normas se desenvolvem ou de por que elas fornecem, em alguns contextos, mas não em todos, regras pelo menos aproximadamente eficientes. Uma possível resposta a esse enigma nos traz de volta ao contrato social de duas pessoas discutido na seção anterior.17
Poder-se-ia tentar explicar normas funcionais pela evolução. Talvez, ao longo do tempo, as sociedades com normas melhores conquistam, absorvem, ou são imitadas por sociedades com normas piores, produzindo um mundo de sociedades bem projetadas. O problema com essa explicação é que tal processo deveria levar séculos, senão milênios - o que não se adequa aos fatos conforme Ellickson os retrata. Normas baleeiras no século XIX, por exemplo, parecem ter se ajustado rapidamente às mudanças nas espécies sendo caçadas.
Talvez o que está acontecendo seja evolução, mas evolução envolvendo grupos muito menores e mais fluídos do que sociedades inteiras. Considere uma norma, tal como a honestidade, que pode ser lucrativamente seguida por pequenos grupos dentro de uma sociedade, aplicável apenas dentro do grupo. Grupos com normas eficientes vão prosperar e crescer via recrutamento. Outros vão imitá-los. Grupos com normas similares tenderão a se fundir, a fim de obter os mesmos benefícios em uma escala maior. Se um sistema de normas funciona melhor do que seus concorrentes, ele eventualmente vai se espalhar através da sociedade inteira. Quando as circunstâncias mudam e novos problemas surgem, o processo pode se repetir em uma escala menor, gerando normas modificadas para lidar com os novos problemas. Com efeito, o que temos é a contratação aos pares para fora do estado de natureza Hobbesiano, repetido muitas vezes entre pares e dentro de pequenos grupos.
Esta conjectura sobre como as normas surgem e mudam sugere uma predição: Mesmo se uma norma for eficiente, ela não surgirá se seus benefícios dependerem dela ser adotada de modo geral. Suponha que definimos uma norma como localmente eficiente se, com respeito a quaisquer dois indivíduos seguindo a norma, não há nenhuma norma diferente tal que pelo menos um estaria melhor e o outro não estaria pior se ambos mudassem para ela. Uma norma é globalmente eficiente se não há qualquer norma diferente tal que pelo menos uma pessoa estaria melhor e ninguém estaria pior se todo mundo mudasse para ela.18
Considere as normas baleeiras que Ellickson discute. É do interesse de qualquer par de capitães concordarem com antecedência com uma regra eficiente para lidar com baleias que um navio arpoa e outra captura, assim como é do interesse de um par de indivíduos concordar em serem honestos um com o outro. Mas uma regra para manter baixo o número total de baleias mortas, a fim de preservar a população de baleias é útil apenas se quase todo mundo a seguir. O primeiro tipo de norma existiu, o último não - com o resultado de que os baleeiros do século XIX fizeram um trabalho eficiente de caçar uma espécie após a outra até próximo da extinção.19
Então a evolução de normas fornece uma segunda descrição possível de como chegamos de Hobbes até aqui. Onde o reconhecimento de direitos entre duas pessoas, tais como vizinhos, ou dentro de um pequeno grupo, fornece benefícios mútuos, é do interesse das partes envolvidas reconhecer tais direitos.20 Ao fazê-lo elas mudam o padrão de pontos de Schelling que determina o equilíbrio de sua interação, de uma maneira que fornece (alguma) proteção para os direitos em questão. No decorrer de um longo período de tempo, o resultado é criar um conjunto de expectativas mutuais, e um que tende a ser localmente, embora não necessariamente globalmente, eficiente.
III: Lei, Justiça, e Eficiência
Ao pensar sobre questões de direitos, eu me encontro desempenhando dois papéis bastante diferentes. Enquanto ser humano e (como todos os seres humanos) filósofo amador, eu tenho intuições morais; deste ponto de vista, a questão é "por que não se deve roubar" e a resposta é "porque é perverso". Enquanto economista, eu faço e respondo questões diferentes. Uma é "quais são as consequências das pessoas serem livres para roubar". Muito da análise econômica da lei é devotada a responder questões desse tipo. Outra é "por que as pessoas (frequentemente) não roubam?".
Este ensaio é uma tentativa de responder esse último tipo de questão. Eu tentei responder a questão do economista sobre direitos em vez da questão do filósofo, não porque a economia é mais importante que a filosofia moral, mas porque eu tenho mais confiança na minha habilidade de usar a economia para produzir respostas.21 Eu tenho sido encorajado nessa política por uma coincidência curiosa e conveniente: na maioria dos casos, as regras que eu concluo serem eficiente são também as regras que eu acredito serem justas.
Não é uma coincidência dupla, mas tripla. As regras que eu creio serem eficientes e justas são também, em um grau significativo, as regras impostas pelas leis e normas da sociedade em que eu vivo.22 Neste ensaio, eu esbocei algumas ideias sobre a natureza destas regras e sobre como elas evoluíram. Isto levanta a questão de por que, se minha descrição está correta, as regras produzidas desta maneira lembram aquelas que eu deduzi serem eficientes e intuí serem justas.
Ao tentar responder essa questão, eu acho útil começar considerando uma classe de propriedade que subjaz todo outro tipo de propriedade e existe mesmo em um estado Hobbesiano de natureza.
Eu posso controlar os movimentos do meu corpo por um simples ato de vontade. Você pode controlar esses movimentos ao impor uma força implacável, ao fazer ameaças críveis às quais eu cederei, ou de várias outras maneiras. Controlá-lo pode ser possível para ambos de nós, mas é muito mais barato e fácil para mim. Neste sentido, podemos descrever meu corpo como minha propriedade natural. A mesma descrição se aplica a minha arma - porque eu sei onde eu a escondi e você não. Mesmo a terra pode ser propriedade natural em alguma medida, se o meu conhecimento detalhado do terrado o tornar mais fácil para eu utilizá-lo ou defendê-lo. Tal propriedade é natural na medida em que minha posse sobre ela existir no estado de natureza e for independente de convenção social. O fato de que eu posso controlar certas coisas mais barato do que você é tecnologia, não lei ou moral.
A propriedade natural é um ponto útil para explicar as similaridades entre o que é, o que deveria ser, e o que seria eficiente, porque ela é relevante para todos os três.
Se a descrição que eu ofereci estiver correta, nossa atual ordem civil é o resultado de uma extensa barganha, embasada, em última análise, na propriedade natural. Foi o meu controle sobre o meu corpo que tornou possíveis os passos iniciais para fora do estado de natureza. Assim, a propriedade natural é relevante para o que é - para o padrão existente de leis e normas.
Em um mundo sem quaisquer custos de transação, qualquer alocação inicial de direitos de propriedade é eficiente.23 Em um mundo com custos de transação positivos, a base para se escolher entre alocações alternativas é o custo de fazê-las cumprir e alterá-las. Um conjunto de regras no qual eu sou o dono do meu corpo e você é dono do seu é superior a um que cada um é dono do corpo do outro, ou cada um tem um meio interesse no corpo do outro, em parte porque ele é muito mais fácil de se fazer cumprir. Assim temos um argumento Coasiano para a relevância da propriedade natural para o que é eficiente.
Este argumento também fornece uma segunda conexão entre a propriedade natural e o que é. Meus argumentos anteriores sugerem que a evolução das regras tende a se mover numa direção do que é pelo menos localmente eficiente. Se assim for, e se as regras que alocam a propriedade natural para seu dono natural forem eficientes, esperaríamos observar tais regras. Posto de outra maneira, o argumento a favor da eficiência local de normas evoluídas fornece uma razão para alguma similaridade entre as regras que observamos e as regras que são eficientes.24
O que, se qualquer coisa, a propriedade natural tem a ver com o que deve ser? Isso depende de qual descrição normativa se aceita. Para aqueles de nós que aceitam uma descrição libertária, na qual o direito subjacente é meu direito a ser dono de mim mesmo e do que quer que eu tenha obtido através de acordos voluntários com outros que o possuam, a conexão é imediata. A auto-propriedade é tanto um axioma moral quanto um fato tecnológico. A troca voluntária é tanto uma maneira moralmente legítima de alterar o padrão de propriedade quanto, se minha descrição da barganha a partir de um estado de natureza estiver correta, uma maneira tecnologicamente possível (embora não necessariamente a única assim) de se alterar um ponto de Schelling, e assim um equilíbrio.
Agora nos temos o começo de uma explicação para a similaridade entre regras reais, regras eficientes, e regras justas. O status desta explicação, e do fato sendo explicado, não é, no entanto, o mesmo para a relação entre os dois primeiros que é para a relação de ambos para com o terceiro.
Quais regras existem pode ser observado e quais regras são eficientes pode ser deduzido, pelo menos em princípio, das tecnologias observadas e da teoria econômica. Desta forma, a alegação de que há alguma correspondência entre o que existe e o que é eficiente é uma alegação positiva, em vez de normativa.25
O que deve ser, por outro lado, é, pelo menos neste ensaio, simplesmente uma descrição das minhas intuições morais. Se eu concluir que as regras que seriam justas são similares tanto às regras que existem quanto às regras que seriam eficientes, isso pode simplesmente ser evidência de que meus julgamentos morais são racionalizações ex post do mundo em que eu vivo ou das conclusões de minha análise econômica.
Vale a penas mencionar, uma similaridade a mais entre a ética e a ordem social que eu estive discutindo. Ambas são essencialmente descentralizadas. A posição ética não faz qualquer tentativa de avaliar os indivíduos de cima - em termos de seu valor aos olhos de Deus. Ela consiste, antes, de uma descrição de quais obrigações cada indivíduo tem um com o outro.26 A ordem social, na medida em que ela é evoluída em vez de legislada, é um conjunto de regras que existe porque era do interesse de pares de indivíduos respeitá-las, não porque elas promovem o bem geral da sociedade.27
IV: Conclusão
O projeto central deste ensaio foi dar uma descrição dos direitos, especialmente dos direitos de propriedade, que fosse tanto amoral quanto alegal - uma descrição que explicasse o tipo de comportamento que associamos com direitos, mesmo num mundo sem lei, polícia, e sentimentos de obrigação moral.28 Eu tentei primeiro explicar como, sem qualquer sistema legal para executar contratos, ainda poderia ser possível fazer contratos para fora de um estado Hobbesiano de natureza, e então mostrar como a mesma análise pode ser usada para entender em que sentido uma ordem civil, tal qual a nossa própria sociedade, é diferente de um estado Hobbesiano de natureza. Tendo oferecido respostas para essas questões, eu tentei então mostrar como poderíamos sair do estado de natureza a algo como a sociedade atual, e usar a análise para explicar parcialmente a intrigante similaridade entre as regras reiais, as regras justas, e as regras eficientes.
Se minha análise estiver correta, a ordem civil é um elaborado ponto de Schelling, mantida pelas mesmas forças que mantém pontos de Schelling mais simples num estado de natureza. A posse de propriedade29 é alterável através de contrato porque os pontos de Schelling são alterados pela criação de contratos. Regras legais são, em grande parte, uma superestrutura erigida sobre uma estrutura subjacente de direitos auto-impositivos.
NOTAS
[1] Para uma discussão sofisticada dos direitos a partir do ponto de vista da filosofia moral, vide Judith Jarvis Thompson, The Realm of Rights, (Cambridge: Harvard University Press, 1990.)
[2] Ou o equivalente em termos civis, em vez de criminais.
[3] A abordagem que eu apresentei aqui é uma extensão de argumentos feitos em minha revisão de Further explorations in the Theory of Anarchy, ed. Gordon Tullock, (Blacksburg: University Publications, 1974), publicada na Public Choice em 1976. Elementos do argumento também apareceram em David Friedman, "Many, Few, One -- Social Harmony and the Shrunken Choice Set," American Economic Review, vol. 70, no. 1 (March 1980), pp. 225-232. Uma abordagem muito similar é apresentada em Robert Sugden, The Economics of Rights, Co-operation and Welfare, (Oxford: Blackwell, 1986). A principal diferença entre a discussão de Sudgen e a minha é que seu argumento é colocado primariamente em termos de estratégias evolucionariamente estáveis, ao passo que o meu é colocado em termos de pontos de Schelling. Sudgen também fornece exemplos interessantes da mesma linha geral de argumento na obra de escritores do século XVIII, em particular Hume.
Na maior parte desse ensaio, eu apresento o argumento como a elaboração de minhas próprias ideias. Leitores familiares com a literatura podem sentir, com alguma justiça, de que eu deixo de reconhecer quanto dele foi dito antes por outras pessoas, frequentemente em termos um tanto diferentes. Eu o apresentei nessa forma em parte porque eu estou tentando elaborar a lógica de um conjunto de ideias relacionadas, não sua história, e em parte porque é assim que ele de fato se desenvolveu; a maior parte do material na Parte I deste ensaio foi escrito, e um pouco dele publicado, primeiro há mais de quinze anos. Eu sou grato aos organizadores desta conferência por fornecer uma oportunidade e incentivo para compilá-lo e expandi-lo.
[4] Eu gostaria de agradecer a James Buchanan por trazer os pontos de Schelling à minha atenção e a Gordon Tullock por me provocar a explorá-los mais a fundo. Vide, especialmente, Winston Bush, "Individual Welfare in Anarchy," in Explorations in the Theory of Anarchy, ed. Gordon Tullock, (Blacksburg: University Publications, 1973).
[5] Esse ponto foi feito por Gordon Tullock em "Corruption and Anarchy," in Tullock (1974).
[6] Lysander Spooner, No Treason: No. VI, The Constitution of No Authority (1870; reprint ed., Larkspur, CO: Pine Tree Press, 1966).
[7] Winston Bush, "Individual Welfare in Anarchy," in Tullock (1973).
[8] Thomas C. Schelling, The Strategy of Conflict, (Oxford: Oxford University Press, 1960), Ch. 3. Embora eu esteja usando o conceito de Schelling, minha análise dele, em particular meus fundamentos para aplicá-lo a jogos com comunicação, é um tanto diferente da sua.
[9] Há um teorema semissério de acordo com o qual todos os inteiros são interessantes. A prova é por indução. Se alguns inteiros positivos são desinteressantes, então deve haver um menor inteiro positivo desinteressante. Mas esta característica única torna esse número interessante. Então não pode haver qualquer menor inteiro positivo desinteressante, portanto não pode haver quaisquer inteiros positivos desinteressantes. Similarmente, mutatis mutandis, para os inteiros negativos.
[10] Na prática, a teoria dos jogos às vezes contrabandeia características subjetivas de volta no argumento, no processo de escolha de um conjunto de estratégias em particular. Um exemplo famoso desse problema é a análise do oligopólio. A suposição de que a estratégia da firma é definida como uma escolha da quantidade e a suposição de que ela é definida como uma escolha de liderança de preço leva a conclusões muito diferentes. Vide David Friedman, Price Theory: An Intermediate Text, (Cincinnati: South-Western Publishing Co., 1990), ch. 11.
[11] Eu discuti este ponto, e o jogo de monopólio bilateral, mais longamente em David Friedman, "Bilateral Monopoly: A Solution," Fels Discussion Paper #52, University of Pennsylvania, (March 1974) (não publicado, disponível com o autor).
[12] Essa abordagem é discutida em Friedman (1980).
[13] Rudyard Kipling, "Danegeld," in Rudyard Kipling's Verse: Definitive Edition (Garden City: Doubleday, 1940), pp. 716-717.
[14] Robert Frank, Passions Within Reason: The Strategic Role of the Emotions, (New York: Norton, 1988). Vide também a discussão em Friedman (1990), pp. 288-290, que lida com a mesma estratégia observada do ponto de vista do agressor, o valentão se compromentendo a levar a cabo suas ameaças, mesmo quando fazê-lo não é de seu interesse imediato.
[15] O "danegeld"NT2 como ele existiu de verdade não se encaixa inteiramente no padrão de comportamento que eu estou discutindo aqui. As invasões iniciais dinamarquesas eram por terra e pilhagem. Ao concordarem em serem subornados, os exércitos invasores podem ter desistido de uma oportunidade de fazer algo que de fato eles queriam.
[16] Robert Ellickson, Order Without Law, (Cambridge: Harvard University Press, 1991).
[17] Vide minha crítica de Ellickson: David Friedman, "Less Law than Meets the Eye," Michigan Law Review, vol. 90 no. 6 (May 1992),pp. 1444-1452.
[18] Eu peço perdão aos matemáticos e meus colegas economistas por usar "local" e "global" em um sentido que pode parecer inconsistente com seu uso comum na classificação de máximos; eu ficarei feliz em considerar sugestões para uma terminologia alternativa. Para tornar o meu uso dos termos menos idiossincrático, pense sobre uma mudança nas normas envolvendo apenas duas pessoas como uma pequena mudança e uma envolvendo muitas como uma grande mudança, e pense sobre uma "melhoria" como uma mudança para uma situação que seja pareto superior para aquelas que estão mudando. Então, um conjunto de normas localmente eficiente, como um ótimo local, é um que não pode ser melhorado por uma pequena mudança.
Para uma abordagem mais matematicamente elaborada em definir mudanças pequenas e grandes e em utilizá-las para analisar a evolução das regras em uma população, vide Friedman (1974).
[19] Uma maneira ligeiramente diferente de colocar este argumento é em termos do que Dawkins descreveu como a evolução de "memes": ideias evoluindo em um ambiente consistindo de mentes de humanos. Vide Dawkins, The Selfish Gene, (NY: Oxford University Press, 1976), pp. 203-215. Uma razão pela qual um meme--tal como a crença de que "deve-se ser honesto com pessoas honestas"--vai se espalhar é que se observa que aqueles que a mantém são mais bem sucedidos como resultado. Mas para que o processo passe o estágio inicial, quando o meme ainda é raro na população, deve ser útil manter o meme mesmo quando a maioria das pessoas não o faz. Isto funciona para meme representando normas tais como a honestidade, mas não funciona para um meme para a conservação de baleias. É adequadamente intrigante que memes a favor da conservação tenham se espalhado tão rapidamente na população dos E.U.A. - ao ponto em que a crença na conservação se tornou quase o equivalente secular de uma religião do estado.
[20] Para colocar o argumento em algo mais próximo dos termos convencionais da teoria dos jogos, eu estou combinando um conceito familiar de dominância em jogos multi-jogador com a ideia de custos de transação. O resultado A domina o resultado B se houver algum conjunto de pessoa que juntas podem produzir A e que todas prefiram A a B. Um pequeno número de pessoa pode produzir uma mudança - tal qual a adoção de uma norma entre si - que envolve apenas mudar seu próprio comportamento. Um grupo grande, por causa de custos de transação, não pode.
[21] Este ponto é discutido em David Friedman, The Machinery of Freedom, 2nd edn. (LaSalle: Open Court, 1989), chapters 41-43.
[22] A correspondência não é perfeita; de certas formas ela seria mais próxima se eu estivesse escrevendo este ensaio um século atrás. Uma forma particular da correspondência - a alegação de que a lei comum tende a ser economicamente eficiente - tem sido um elemento central do trabalho do Juiz Richard Posner, um dos principais estudiosos na tradição da lei e economia. Vide Richard Posner, Economic Analysis of Law, 4th edn., (Boston: Little Brown, 1992).
[23] Ronald Coase, "The Problem of Social Cost," Journal of Law and Economics vol 3, (1960),pp. 1-44.
[24] Eu não estou alegando aqui que a escravidão nunca é observada, nem que ela é eficiente. Pode-se imaginar circunstâncias em que o elemento auto-impositivo dos contratos seria tão fraco para impor o contrato que seria superior à escravidão. Um exemplo é o prisioneiro de guerra que está confinado porque não há nenhuma outra maneira de fazer cumprir seu acordo de pagar por sua liberdade. Um contraexemplo é a instituição da liberdade condicional, como ela de fato se desenvolveu. Vide Bruno S. Frey e Heinz Buhofer, "Prisoners and Property Rights," Journal of Law and Economics, vol. XXXI (April 1988), pp. 19-46.
O argumento dado aqui fornece uma possível explicação para a tese Posneriana de que a lei comum tende a ser economicamente eficiente. A lei comum presumivelmente se originou como um conjunto de normas (localmente eficiente) convertidas ao longo do tempo em regras legalmente executáveis. Se esta interpretação estiver correta, esperaríamos que a lei comum tenha se tornado menos eficiente ao longo do tempo, uma vez que o mecanismo que gera a eficiência das normas não se aplicaria a regras legais definidas e interpretadas por um terceiro.
[25] O exemplo óbvio de tal alegação é a tese do Juiz Richard Posner de que a lei comum tende a ser economicamente eficiente. Testar essa conjectura é um projeto extraordinariamente difícil e complicado, mas é, em princípio, um projeto positivo. Vide Richard Posner, Economic Analysis of Law, 4th edn., (Boston: Little Brown, 1992).
[26] Este ponto é discutido em maior detalha em David Friedman, "Should the Characteristics of Victims and Criminals Count? Payne v. Tennessee and Two Views of Efficient Punishment," a ser publicado pela Boston College Law Review, July 1993.
[27] O que não implica que regras legisladas são necessariamente designadas pelo bem da sociedade, mas apenas que elas poderiam ser.
[28] Está não é a única maneira em que uma descrição positiva dos direitos pode ser desenvolvida. Sugden segue um projeto similar em um quadro em que as convenções se desenvolvem conforme jogadores de um jogo com muitos jogadores aprendem através da experiência e alteram seu comportamento de acordo (Sugden 1986). Outra alternativa seria uma explicação sócio-biológica, em que o respeito pela propriedade é um padrão de comportamento herdado que evoluiu porque ele resultava em uma adaptação maior - que é o mesmo que dizer sucesso reprodutivo.
Não está claro em que medida estas são realmente explicações concorrentes, em vez de visões diferentes do mesmo elefante. A descrição sociobiológica pode ser vista simplesmente como o jogo repetido de Sugden, repetido por muitas gerações, ou como minha descrição em um mundo em que a habilidade dos humanos de alterar os direitos de propriedade através de contrato simplesmente reflete o conjunto mais rico de pontos de Schelling disponível para eles. Minha descrição esboçada do desenvolvimento de normas e a descrição mais detalhada de Sugden do desenvolvimento de convenções são a mesma, exceto que ele enfatiza a adaptação anônima onde eu enfatizo contratos explícitos entre pequenos subgrupos. Sua descrição dos jogos subjacentes toma o conjunto de estratégias disponíveis como um dado, onde o meu o toma como um fato subjetivo sobre os jogadores que pode, sob algumas circunstâncias, ser alterado. As similaridades entre as explicações são próximas; não está claro se as diferenças são grandes o suficiente para levar a diferenças significantes em suas implicações.
[29] Por posse de propriedade eu quero dizer a habilidade de controlar coisas, não o direito legal de fazê-lo.
NOTAS DO TRADUTOR
[NT1] "Se você pagar uma vez o tributo dos dinamarqueses/Você nunca vai se livrar do dinamarquês", em tradução livre.
[NT2] O "Danegeld" ("tributo dinamarquês") era um imposto coletado para pagar os corsários Vikings, a fim de salvar uma terra de ser destruída. Era uma característica da política real tanto na Inglaterra quando na Francia, do século IX ao XI, coletado tanto para subornar os atacantes, quanto para pagar forças defensivas.
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