A Economia da Dádiva de Propriedade 2.0
por Shawn Wilbur
1. Tese
Uma teoria adequada, não simplista e mutualista do que é próprio de seres humanos individuais, que busque fazer justiça à gama de coisas que denominamos pela palavra "propriedade", terá que dar conta da separação quase intransponível que experimentamos na consciência, assim como da interligação inextricável que é nossa realidade material. Ela terá que, em essência, responder a Max Stirner e Pierre Leroux (ou um número qualquer de outros defensores de um circulus universal mais ou menos ecológico). A proposta da "economia da dádiva de propriedade" busca embasar uma forma de "auto-propriedade" em duas "dádivas" generalizadas:
- A cessão consciente de tudo o que podemos reivindicar como nosso nos outros; e
- Uma afirmação do direito de errar no processo de aprender a gerir o que é próprio de si.
Sobre esta base, a "auto-propriedade" seria, na verdade, uma frase elegantemente apropriada, realçando as maneiras em que a noção congrega dois aspectos de propriedade, o "Eu sou..." e o "Eu possuo...", sem ser capaz de simplesmente fundi-los. E seria de fato "propriedade", de acordo com as definições usadas por Proudhon, combinando os elementos de "uso" e "abuso" (socialmente limitado).
Poderia haver argumentos éticos para se negar um ao outro, ou a ambos, estas "dádivas", mas eu suspeito que muito poucos satisfariam qualquer padrão muito rigoroso de mutualidade.
2. Do Ego à Propriedade
Tendo explicado um pouco mais claramente os movimento filosóficos que estou fazendo com a "economia da dádiva de propriedade", eu provavelmente preciso esclarecer novamente a base lógica para uma abordagem tão idiossincrática da questão da propriedade. Uma vez que é explicitamente uma abordagem mutualista anarquista, e especificamente uma abordagem neo-Proudhoniana, há toda uma série de críticas da propriedade no fundamento, um forte senso de que, tão desejável quanto as metas da propriedade possam ser, os meios disponíveis para fundamentá-la parecem ser uma bagunça. Começamos com o sentido de que desemaranhar "propriedade" e "roubo" pode não ser simples, que certos tipos de propriedade podem ser "impossíveis". Então temos que falar sobre algumas questões bem básicas.
Tendo proposto uma leitura ligeiramente herética de "auto-propriedade" como um termo chave, vamos olhar um pouco para o "auto". E deixe-me repetir que nossa teoria mutualista adequada e não simplista de propriedade começará com uma teoria do que é próprio de seres humanos individuais, e será não-simplista, ou bifacetada, para explicar dois aspectos da individualidade. Nosso egoísmo natural - o produto do golfo entre a consciência individual e a experiência, dentro de cada consciência individual, de um ego único e relativamente persistente, aparentemente acima ou pelo menos à parte do fluxo ininterrupto do circulus universal - nos sugere uma divisão entre o nosso próprio e, bem..., qualquer outra coisa que exista. A reflexão e a observação sugerem uma realidade material com poucas se quaisquer separações reais, uma realidade social em que egos se recusam a respeitar limites corporais, e um ambiente rico em ideias-força, que conseguem, sem qualquer tipo de corpo sequer, fazer as coisas de sua maneira de todos os tipos de maneiras. É próprio para nós persistimos ou circularmos, sermos estáveis ou estarmos em fluxo constante? Se estamos pegando nossas pistas de Proudhon - particularmente como eu estive lendo-o nos posts recentes - talvez devêssemos dizer que nós, naquilo que é próprio para nós, somos um tipo de "síntese de comunidade e propriedade", que é tão próprio para nós circularmos e disseminarmos quanto é persistirmos e acumularmos. De suas próprias maneiras, eu suspeito que tanto Stirner quanto Pierre Leroux teriam concordado. E Walt Whitman, claro:
EU CELEBRO a mim mesmo,
E o que eu assumo você vai assumir,
Pois cada átomo que pertence a mim pertence a você
Podemos não abraçar uma visão de individualidade tão complicada quanto a de Whitman, mas na medida em que abraçamos qualquer complexidade, com relação à interconexão ou sobreposição de egos, algum esclarecimento ou convenção será necessária para nos levar a qualquer ponto adiante no caminho para as várias formas de "propriedade". Isto será tão verdadeiro para sistemas mais informais de "posse" ou usufruto quanto será para sistemas muito formais contruídos a partir de axiomas.
Tão logo a questão do "meu e teu" seja levantada - como parece provável ser levantada em quase qualquer sociedade em algum ponto - estamos no âmbito em que parece necessário ter alguma noção de propriedade. A palavra "propriedade" se refere, claro, a uma família de conceitos, que confundimos para nosso risco. Quaisquer definições locais ou especializadas que existam, a propriedade como tal não precisa ser exclusiva, por exemplo, e quer ela seja sempre "individual" depende um grande tanto de como limitamos o significado desse termo. Temos Stirner, por exemplo, enfatizando o "meu" - o meu próprio - com muito pouca atenção ao "teu", além de assumir que quaisquer outros únicos que existam se preocuparão com o seus próprios também, com a possibilidade escancarada para a sobreposição entre o meu e o teu. E para Proudhon, uma vez que indivíduos são sempre também grupos organizados, temos a possibilidade de formas "coletivas" de propriedade, mas, pelo menos neste estágio de análise, os "coletivos" em questão seriam melhor entendidos como indivíduos de uma ordem diferente, ou em uma escala diferente.
Estamos dando passos muito pequenos aqui, a partir de um ego potencialmente complexo, considerado em tanto - ou tão pouco - isolamento quanto ele é capaz, para o tipo mais simples de propriedade, a distinção de egos necessária para a maioria, senão todas, as noções de sociedade. Não estamos ainda falando na linguagem convencional da teoria de propriedade contemporânea, uma vez que o que estamos nos preocupando nesse estágio não nem uma questão de liberdades, nem de direitos. Se fôssemos parar aqui, e talvez elaborar algum tipo de sistema puramente embasado no uso, então eu suspeito que poderíamos progredir sem qualquer coisa como "auto-propriedade". Nós seríamos nós mesmos, e poderíamos encontrar meios convencionais de não "pisar nos pés dos outros" muito durante o processo. Mas a convenção provavelmente acabaria envolvendo algo que parecesse um bocado como as ressalvas de Locke: algum entendimento convencional de que não poderíamos, com justiça, explorar a sobreposição entre egos, ou tentar nos tornar totais ou completos às custas dos outros. Isto é provavelmente uma das coisas básicas que "justiça" significa.
3. Da Propriedade às Dádivas
Obviamente não estou falando sobre a "propriedade" em nenhum dos sentidos estritos que têm sido dados a ela, incluindo os sentidos mais estritos dados a ela por Proudhon. Ou, melhor, estou buscando uma definição ampla e subjacente, que nos permitirá relacionar estes sentidos mais limitados do termo um ao outro. Provavelmente nos encontraremos submersos em definições específicas bem rapidamente aqui, mas por mais um ou dois momentos, fiquemos mais genéricos e tentemos esclarecer exatamente que tipo de dinâmica é proposta quando falamos sobre embasar a propriedade em um par de dádivas.
Um pouco de pano de fundo: eu cheguei ao mutualismo a partir do lado "anarquista social", migrando gradualmente a partir do anarco-sindicalismo durante os anos dos debates no Usenet que levaram ao An Anarchist FAQ. Enquanto acadêmico, eu flutuei da crítica literária à história intelectual, e daí para os estudos culturais, com uma forte dose de pós-estruturalismo na mistura, mas eu também fiz meu trabalho de graduação em uma universidade em que a teoria libertária de propriedade era simplesmente inevitável, particularmente no departamento de filosofia onde eu dei um bocado de aulas de meio período. Assim, conforme meu interesse na questão da propriedade crescia através do meu encontro com Proudhon, e comecei a olhar ao redor para os vários tratamentos correntes nos círculos anarquistas, eu me encontrei em uma situação um tanto difícil. Parecia-me claro que as críticas da propriedade empreendidas por figuras iniciais como Proudhon e Thomas Skidmore levantavam questões reais sobre a viabilidade dos sistemas de propriedade privada existentes. Ao mesmo tempo, os tipos de alternativas apresentados pelos anarquistas sociais - concepções relativamente superficiais de "posse" ou a noção cada vez mais popular de uma "economia da dádiva" - não pareciam realmente abordar essas questões, nem tampouco pareciam se envolver com o discurso "libertário" em que os direitos de propriedade privada são frequentemente considerados os únicos direitos que importam. E as considerações neo-lockeanas não pareciam realmente se enquadrar no que eu estava lendo em Locke. Enquanto um acadêmico interdisciplinar, todo esse negócio de tentar conseguir fazer diferentes discursos disciplinares se comunicarem certamente não era novo para mim, mas esse discurso possivelmente central parecia particularmente sobrecarregado com valores incomensuráveis e usos conflitantes do mesmo pequeno corpo de termos chave - e, me parece, pelos menos a sua parte de ideias fixas e argumentos oportunistas.
A "economia da dádiva de propriedade" foi o resultado acidental de um tipo de experimento mental. Eu admiro a teoria libertária de propriedade por suas tentativas ambiciosas de traçar todas as várias implicações de "propriedade", mas às vezes parece que a turma do "todos os direitos são direitos de propriedade" estão um pouco certos demais desde o início sobre com o que "todos os direitos" devem se parecer. Se nada mais, o mais cuidadoso sistema de "um direito" é uma empreitada precária, uma vez que identificar erroneamente esse direito, ou entender erroneamente seus aspectos e implicações, é um tipo de erro que quase inevitavelmente virará uma bola de neve. Mas, tomada de forma geral, a noção de que a propriedade é a base dos direitos e das liberdades faz bastante sentido: é pouco mais do que uma reafirmação do princípio dos "direitos naturais", uma suposição de que os direitos e as liberdades humanas devem surgir do que quer que seja próprio da existência de seres humanos, ou pelo menos estar intimamente conectada a isso. E todas aquelas críticas por parte dos anarquistas sociais e dos primeiros socialistas me convenceram da necessidade de pelo menos começar tomando as coisas de maneira geral e de trabalhar com as coisas deliberadamente.
Eu fiz uma tentativa inicial de elaborar uma noção de "auto-propriedade" que não me parecesse petição de princípio, buscando uma construção em que parecesse útil dizer "eu sou eu mesmo" e "eu pertenço a mim mesmo", sem mudar de termos, e sem simplesmente impor a noção de propriedade enquanto controle legal do eu. Minhas preocupações, e minhas conclusões mais recentes, estão provavelmente melhor expressas em "Responses on mutualist property theory: Self-ownership", mas minha conclusão inicial foi que uma enorme quantidade das descrições que eu estava lendo da auto-propriedade na maioria dos lugares eram, senão fundamentalmente autodestrutivas, pelo menos seriamente carregadas de dificuldades.
Como eu estava simultaneamente investigando profundamente as obras de Proudhon e explorando outras teorias, a coisa que parecia-me clara era que a "propriedade" permanecia, pelo menos em alguma medida, não uma liberdade ou um direito, mas simplesmente um problema com que carecíamos de critérios claros para lidar. Parecia-me que eu estava em um ponto da minha elaboração da teoria de propriedade em que eu tinha que dizer que nenhum dos candidatos tinha muito mais a oferecer do que argumentos mais ou menos convincentes a partir de consequência preditas - com a predição sendo um negócio perigoso ao se transpor o fosso de quaisquer outras transformações que poderiam nos levar ao alcance de qualquer tipo de anarquismo. Então, a fim de apresentar qualquer tipo de princípio anarquista para lidar com esse conflitos de "meu" e "teu" que parecem inevitáveis, parecia necessário ou
- Descobrir algum princípio mais ou menos "natural", que nos revelaria a natureza de nossos direitos e liberdades; ou
- Inventar alguma prática ou estabelecer alguma convenção que fosse suficientemente irrepreensível que muitos outros detalhas poderiam simplesmente serem deixados de lado.
Em suma, tínhamos que ou entender nossa situação presente de maneira diferente, e ajustar nosso comportamento de acordo, ou encontrar um meio de reivindicar a propriedade sem uma permissão a priori. A teoria original de Locke, com as ressalvas intactas, pareciam-me - e ainda me parece - uma tentativa relativamente elegante de se alcançar o segundo tipo de solução para o nosso problema, mas mesmo as ressalvas têm sido sujeitas a interpretações plausíveis que vão em direção essencialmente opostas em relação a questões chave como o consumo justo da apropriação de recursos naturais. Por mais que eu tenha extraído da obra de Locke, ela sempre me deixou sem respostas para questões críticas.
E, claro, delimitar uma reivindicação teórica em território lockeano-com-ressalvas é uma maneira quase infalível de não ser levado a sério por ninguém - quer seja uma questão de anarquistas sociais, anarquistas de mercado neo-lockeanos, ou os "possessitários" de senso comum que vão resolver todos os detalhes "após a revolução". O fato de que meu argumento teve certas ressonâncias com o Georgismo tem sido uma faca de dois gumes, uma vez que eu não aceito a lógica da tributação sobre o valor da terra.
Em todo caso, foi após algumas tentativas significativas de simplesmente encontrar a "propriedade" em algum princípio da lei natural, ou tomá-la de acordo com algum princípio generalizável - sem muito sucesso - que eu notei tudo que Proudhon tinha a dizer sobre a propriedade e sobre "dádivas gratuitas", que eu comecei a explorar a noção de que talvez pudéssemos doar a propriedade de um para o outro.
4. Doando Propriedade
Para os detalhes básicos do mecanismo pelo qual a propriedade poderia ser doada, deixe-me inserir o argumento de "What could justify property?"
A mudança na obra de Proudhon, da crítica da propriedade para os argumentos em favor dela (apesar das críticas e embasadas nelas), é difícil de transpassar, talvez porque Proudhon estava ele mesmo um pouco desconfortável com todo o assunto. Sabemos que, em alguma medida, a defesa da propriedade contrariava seus desejos pessoais. O "Teoria da Propriedade", que parece virar sua obra anterior de ponta cabeça, termina com essa passagem:
Uma pequena casa alugada, um jardim para usar, já é o bastante para mim: minha profissão não sendo uma de cultivador do solo, do vinhedo, ou dos campos, eu não preciso criar um parque, ou uma vasta herança. E quando eu fosse um trabalhador ou fabricante de vinhos, a posse eslava é suficiente para mim: a cota devida a cada chefe de família em cada comuna. Eu não consigo agüentar a insolência do homem que, com seus pés no chão o qual ele mantém apenas por livre cessão, lhe proíbe a passagem, lhe preveni de pegar uma flor em seu campo ou de caminhar pela trilha.
Quando eu vejo todas essas cercas por Paris, que bloqueiam a visão do país e o desfrute do solo por parte do pobre pedestre, eu sinto uma irritação violenta. Eu me pergunto se a propriedade que me cerca dessa forma em toda casa não é na verdade expropriação, expulsão da terra. Propriedade Privada! Às vezes eu vejo essa frase escrita em letras garrafais na entrada de uma passagem aberta, como uma sentinela me impedindo de passar. Eu juro que minha dignidade como um homem se eriça em desgosto. Oh! Eu me lembro da religião de Cristo, que recomenda desapego, prega modéstia, simplicidade de espírito e de coração. Fora com o velho aristocrata, impiedoso e ambicioso; fora com o barão insolente, o burguês avarento, e o calejado camponês, durus arator. Esse mundo é odioso a mim. Eu não consigo amá-lo nem olha-lo. Se um dia eu me encontrar um proprietário, que Deus e os homens, especialmente os pobres, me perdoem por isso!
Não estamos, pelo menos de algumas maneiras, longe da teoria Georgista de obrigação, ou da "economia da dádiva" proposta por alguns oponentes anarquistas da propriedade privada. Se entendêssemos os materiais como um tipo de dádiva, então talvez devêssemos sentir também aquela obrigação estranha e disseminativa associada com a economia da dádiva da mesma forma. Meramente se apropriar de uma dádiva seria, sob essas circunstâncias, uma forma ruim, e potencialmente um negócio pior, já que dádivas (antropologicamente falando) são célebres pelos venenos que carregam dentro de si mesmas, os preços que impõem sobre aqueles que falham em responder a sua "lógica" básica. Esta é uma maneira de reenquadrar a relação entre a economia Georgista da terra e aquelas das várias escolas anarquistas, embora eu não espere que seja uma que entusiastas da TVT se apressarão em adotar. Poderia também ajudar ao repensar o material sobre a propriedade e a economia da dádiva que postei aqui um tempo atrás. Apenas mantenha esse pensamento...
A questão com a qual eu comecei hoje foi: O que poderia justificar a propriedade para Proudhon? Uma resposta é simples: o Progresso, que Proudhon descreve como "a justificativa da Humanidade por si própria". O que torna a próxima resposta fácil: a Humanidade, isto é, nós, aprendendo, através da tentativa e erro experimental, a equilibrar nossos interesses em instituições que incorporam (esperamos) "aproximações" continuamente mais elevadas e mais ricas da Justiça. Lembre-se que Proudhon na verdade descreve a origem da propriedade nesses termos. Em Teoria da Propriedade, ele descreve o processo geral da justificativa da propriedade:
Tudo considerado, é uma questão de saber se a nação francesa é hoje capaz de fornecer proprietários verdadeiros. O que é certo é que a propriedade deve ser regenerada entre nós. O elemento dessa regeneração é, junto com a regeneração moral a qual acabamos de comentar, o equilíbrio.
Toda instituição da propriedade supõe: 1) uma distribuição igual de terra entre os possuidores; ou 2) um equivalente em favor daqueles que não possuem nada do solo. Mas isto é uma pura suposição: a igualdade de propriedade não é de forma alguma um fato inicial; está nas finalidades da instituição, não em suas origens. Notamos primeiro de tudo que a propriedade, pelo fato de ser abusiva, absolutista, e baseada no egoísmo, deve inevitavelmente tender a se restringir, a competir com si mesma, e, como uma conseqüência, a se equilibrar. Sua tendência é a igualdade de condições e fortunas.
Exatamente por ser absoluta, ela nega qualquer idéia de absorção. Vamos ponderar bem isto. A propriedade não é medida por mérito, como também não são os salários, recompensas, condecorações, nem títulos honorários; ela não é medida pelo poder do indivíduo, uma vez que o trabalho, produção, crédito e troca não a requerem. É uma doação, concedida ao homem, com o objetivo de protegê-lo contra os ataques da pobreza e incursões de seus companheiros. É a armadura frontal de sua personalidade e igualdade, independente das diferenças em talento, gênio, força, dedicação, etc.
Eis aqui a propriedade como uma "doação", "concedida ao homem", embora não esteja claro que poderia fazer esta doação. E esta é, em última análise, a fraqueza de muitas das abordagens econômicas que começam com uma "dádiva" natural; elas parecem misturar um pré-econômico acesso "livre" (talvez confuso em si mesmo, por razões a que teremos que voltar) com uma an- ou anti-econômica "dádiva além da troca". A generosidade e a indiferença pródiga ficam embaralhadas com a mágica e a culpa protestante sobre a riqueza imerecida. No Georgismo, parecemos ter um exemplo da aplicação de um prático artifício antropológico, útil para nivelar o campo de jogo econômico, a circunstâncias mais modernas, mas sem exercer todos os espíritos. E a "obrigação" requer um tipo de conversão, "ver o gato"NT01, como eles dizem.
O comunismo anti-proprietarista da economia da dádiva provavelmente faz mais sentido se for simplesmente despido das pompas antropológicas. Visto de um lado "objetivo", e descontando nosso senso "subjetivo" de nós mesmos como gozando de simples propriedade em nossas pessoas em personalidades, e como sendo capazes de sermos proprietários, é tudo uma questão de dados, de fluxos, e é difícil justificar um direito básico a se obstruir os fluxos. Mas, honestamente, eu não acho que sequer os primitivistas honestamente olham para as coisas dessa forma. Em vez disso, compartilhar recursos é postulado como uma atividade pós-econômica e como um bem social. Tal compartilhamento parece tentar misturar as qualidade associadas com dar algo seu próprio a uma relação em que a propriedade inicial nunca ocorre, ou nunca é deixada ser reconhecida.
Eu argumentei em outros lugares, e ainda acredito, que as "dádivas" pressupõem a propriedade. Podemos dar apenas o que é nosso para dar. Qualquer outra coisa é uma confusão ou uma fraude. Isso significa que Proudhon, o notório cético sobre a propriedade, está simplesmente embrulhado em uma confusão? Certamente existem quem tenha sugerido isso. Para ser justo, no entanto, minhas definições de "dádiva" aqui não são suas, e eu estou as imponto para propósitos presentistas. Ao mesmo tempo, eu acho que a imposição levanta questões interessantes.
Quem pode dar a "dádiva da propriedade", não a dádiva de uma propriedade em particular, mas a dádiva de um direito ou de uma instituição, um escudo concedido "com o objetivo de protegê-lo contra os ataques da pobreza e incursões de seus companheiros"? A óbvia resposta Proudhoniana parece ser: a Humanidade, sus companheirs. Mas como? O que é que a "humanidade", ou os seres humanos individuais que a compõem, possuem e podem dar? E em que espírito e sob quais termos dar?
Em O Que É a Propriedade?, Proudhon escreveu, em relação à participação de cada um na "tarefa social diária":
O trabalhador capaz de cumprir a sua tarefa em seis horas estará no direito, sob pretexto da sua maior potencialidade e actividade, de usurpar a tarefa do trabalhador menos hábil e de lhe roubar assim o trabalho e o pão? Quem ousaria sustentá-lo?... se o forte corre em auxilio do fraco a sua generosidade merece louvor e amor; mas a sua ajuda deve ser livremente aceita, não imposta pela força e posta a prêmio
Se vamos falar sobre propriedade, em vez do salário igualitário de 1840, resultando de tal trabalho, como é que a "humanidade" virá em seu próprio auxílio, senão conferindo, através da mediação de seus membros mais fortes, concessão, privilégio, caridade, etc? Há uma maneira de pensar em uma doação recíproca enquanto uma questão de relativa igualdade? Novamente, ainda não respondemos a pergunta mais inquietante: O que, antes da dádiva da propriedade, temos para dar um ao outro?
Em "A Economia da Dádiva de Propriedade", eu sugeri uma possibilidade. Deixe-me sugeri-la novamente, em um contexto diferente e de uma maneira ligeiramente diferente. Parece que o que temos, em uma relação muito parecida com a "auto-propriedade", e também bastante perturbadora a ela, é um ao outro, o ser coletivo Humanidade. Apesar de suas outras discordâncias, Proudhon e Pierre Leroux (e William B. Greene, que tentou sintetizar suas visões) parecem ter concordado sobre isto. Leroux escreveu:
A vida do homem então, e de todo homem, pelo desejo de seu Criador, é dependente de uma comunicação incessante com seus semelhantes, e com o universo. Aquilo que chamamos de sua vida, não pertence inteiramente a ele, e não reside nele apenas; ela está ao mesmo tempo dentro dele e fora dele; ela reside parcialmente, e conjuntamente, por assim dizer, em seus companheiros e no mundo ao redor. De um certo ponto de vista, portanto, pode se dizer que seus semelhantes e o mundo são próprios dele também. Pois, como sua vida reside neles, essa porção dela que ele controla, e que ele chama de Eu, virtualmente tem um direito àquela outra porção, de que ele não pode dispor tão soberanamente, e que ele chama de Não Eu.
Isto é, entre outras coisas, uma discussão de propriedade. Seres humanos individuais têm pelo menos dois "lados", o particular e o coletivo de Proudhon, o objetivo e o subjetivo de Leroux. Ambos os lados são incompletos e absolutistas. Mas o particular é onde vivemos, subjetivamente, embora, objetivamente, possamos viver um no outro, ou um do outro, de uma forma que faz Leroux suspeitar que pertencemos, em algum sentido, um ao outro. Aqueles que tentam buscar teorias de propriedade enquanto a medida de nossos projetos, o alcance de nossos trabalhos, frequentemente se deparam com algum sentido deste, e é por isto algum tipo de auto-propriedade soberana às vezes tem simplesmente que ser suposta. Ela está, pelo menos, alinhada com metade de nossa experiência de vida. E, talvez de maneira mais importante, está alinhada com nosso senso de que os indivíduos são responsáveis por si mesmos, por suas ações.
Proudhon nunca fala explicitamente sobre uma dádiva de propriedade nestes termos, mas o que ele fala sobre a dádiva de um escudo, de um espaço para errar e aprender parece-me consistente com o movimento para fundar a propriedade individual em uma "dádiva" generalizada da auto-propriedade. Podemos estar unidos de várias maneiras, em várias entidade coletivas (e eu não quero descontar a importância desse elemento do pensamento de Proudhon, que, por mais estranho que possa parecer à primeira vista, apenas enfatiza a importância da liberdade individual), podemos mesmo ser "próprios um do outro" em um sentido descritivo; mas nosso senso de separação abre a possibilidade de um tipo de semi-dádiva, uma renúncia de nossa participação nos outros no âmbito (que assim criamos) da propriedade, sem assim negar nossas conexões.
Eu digo que podemos fazer isto, embora, em um sentido, talvez seja o que já fazemos. Mas não é, creio eu, a maneira que pensamos sobre "auto-propriedade" e sobre a base da propriedade. Não é necessariamente legal para os anti-proprietaristas pensar sobre dádivas como dependentes da propriedade, ou para proprietaristas considerarem uma "dádiva original" como a fundação da auto-propriedade. Mas poderia ser útil, particularmente para por as várias escolas e discursos para dialogar. Suponho que veremos...