Idéia Geral da Revolução no Século XIX
Pierre-Joseph Proudhon
(1851)
(1851)
Há razões suficientes para a revolução no século XIX?
Caos das forças econômicas. Tendência da sociedade em direção à pobreza.
Eu chamo certos princípios de ação de forças econômicas, tais como a Divisão do Trabalho, a Concorrência, a Força Coletiva, a Troca, o Crédito, a Propriedade, etc., que são para o Trabalho e para a Riqueza o que a distinção de classes, o sistema representativo, a hereditariedade monárquica, a centralização administrativa, a hierarquia judicial, etc., são para o Estado.
Se estas forças são mantidas em equilíbrio, sujeitas às leis que lhes são próprias, e que não dependem de qualquer maneira do desejo arbitrário do homem, o Trabalho pode ser organizado, e o conforto de todos, garantido. Se, por outro lado, elas são deixadas sem direção e sem contraponto, o Trabalho está em uma condição de caos; os efeitos úteis das forças econômicas se misturam com uma quantidade igual de efeitos danosos; o déficit equilibra o lucro; a Sociedade, na medida em que é o teatro, o agente, ou o sujeito da produção, da circulação e do consumo, fica em uma condição de sofrimento crescente.
Até agora, não parece que a ordem na sociedade possa ser concebida exceto sob uma destas duas formas, a política e a industrial; entre as quais, além disso, há uma contradição fundamental.
O caos das forças industriais, a luta que elas mantêm com o sistema de governo, que é o único obstáculo a sua organização, e com o qual elas não podem se reconciliar tampouco se fundir, é a causa real e profunda da agitação que perturba a sociedade francesa...
Todo mundo já ouviu falar da divisão do trabalho.
Ela consiste na distribuição do trabalho manual de uma dada indústria de tal maneira que cada pessoa desempenha sempre a mesma operação, ou um pequeno número de operações, de modo que o produto, em vez de ser o produto integral de um trabalhador, é o produto conjunto de um grande número.
De acordo com Adam Smith, que primeiro demonstrou esta lei cientificamente, e todos os outros economistas, a divisão do trabalho é a alavanca mais poderosa da indústria moderna. A ela, principalmente, deve ser atribuída a superioridade dos povos civilizados em relação aos povos selvagens. Sem a divisão do trabalho, o uso de máquinas não teria ido além dos utensílios mais antigos e mais comuns: os milagres do maquinário e do vapor nunca teriam sido revelados a nós; o progresso teria estado fechado à sociedade; a própria Revolução Francesa, carecendo de expressão, não teria sido nada além de uma revolta estéril; não poderia ter realizado nada. Mas, por outro lado, através da divisão do trabalho, o produto do trabalho cresce em dez vezes, em cem vezes, a economia política se eleva à altura de uma filosofia, o nível intelectual das nações é continuamente elevado. A primeira coisa que deveria atrair a atenção do legislador é a separação das funções industriais - a divisão do trabalho - em uma sociedade fundada sobre o ódio à ordem feudal e bélica, e destinada, em consequência, a se organizar para o trabalho e para a paz.
Não se fez assim. Esta força econômica foi deixada à mercê das reviravoltas causadas por acaso e por interesse. A divisão do trabalho tornando-se sempre mais minuciosa e permanecendo sem contraponto, o trabalhador tem sido entregue a uma sujeição ao maquinário cada vez mais degradante. Esse é o efeito da divisão do trabalho quando é aplicada como praticada em nossos dias, não apenas para tornar a indústria incomparavelmente mais produtiva, mas ao mesmo tempo para privar o trabalhador, em mente e corpo, de toda a riqueza que ela cria para o capitalista e para o especulador... Todos os economistas estão de acordo quanto a este fato, um dos mais sérios que a ciência tem para anunciar; e, se eles não insistem nele com a veemência que habitualmente usam em suas polêmicas... é porque eles não conseguem acreditar que esta perversão da maior das forças econômicas pode ser evitada.
Então, quanto maior a divisão do trabalho e o poder das máquinas, tanto menor a inteligência e a habilidade manual do trabalhador. Mas quanto mais o valor do trabalhador cai e a demanda por trabalho diminui, menores são os salários e maior é a pobreza. E não são poucas centenas de homens, mas milhões, que são vítimas desta perturbação econômica...
Conservadores filantrópicos, admiradores dos costumes antigos, acusam o sistema industrial desta anomalia. Eles querem retornar ao período feudal-agrícola. Eu digo que não é a indústria que tem culpa, mas o caos econômico: eu mantenho que o princípio tem sido distorcido, que há desorganização de forças, e que a isto devemos atribuir a tendência fatal pela qual a sociedade é arrebatada.
Outro exemplo.
A Concorrência, depois da divisão do trabalho, é um dos fatores mais poderosos da indústria; e, ao mesmo tempo, uma das mais valiosas garantias. Parcialmente por sua conta, a primeira revolução foi provocada. Os sindicatos trabalhistas, estabelecidos em Paris há alguns anos, recentemente deram-na uma nova sanção estabelecendo entre si o trabalho por peça, e abandonando, após sua experiência com ele, a ideia absurda da igualdade de salários. A Concorrência é, além disso, a lei do mercado, o tempero do comércio, o sal do trabalho. Suprimir a concorrência é suprimir a própria liberdade; é começar a restauração da antiga ordem a partir de baixo, ao substituir o trabalho pela regra do favoritismo e do abuso, dos quais 1789 nos livrou.
Ainda assim, a concorrência, carecendo formas legais e de inteligência regulatória superior, foi pervertida, por sua vez, como a divisão do trabalho. Nela, como na última, há perversão do princípio, caos e uma tendência em direção ao mal. Isso aparecerá além de qualquer dúvida se nos lembrarmos de que das trinta e seis milhões de almas que compõem a nação francesa, pelo menos dez milhões são trabalhadores assalariados, a quem a concorrência é proibida, para quem não há nada além de lutar entre si mesmos por seu magro estipêndio.
É assim que a concorrência, que, como pensado em 1789, deveria ser um direito geral, é hoje uma questão de privilégio excepcional: apenas aqueles cujo capital lhes permite se tornarem chefes de interesses de negócio podem exercitar seus direitos concorrenciais.
O resultado é que a concorrência... em vez de democratizar a indústria, ajudando o trabalhador, garantindo a honestidade do comércio, acabou por construir uma aristocracia mercantil e fundiária, mil vezes mais voraz do que a antiga aristocracia da nobreza. Através da concorrência, todos os lucros da produção vão para o capital; o consumidor, sem suspeitar das fraudes do comércio é esfolado pelo especulador, e a condição do trabalhador é tornada cada vez mais precária... A Concorrência deveria nos tornar cada vez mais iguais e livres; e, em vez disso, ela nos subordina um ao outro, e torna o trabalhador cada vez mais um escravo! Isto é uma perversão do princípio, um esquecimento da lei. Estes não são meros acidentes; eles são todo um sistema de desgraça.
Deixe-nos citar mais um exemplo.
De todas as forças econômicas, a mais vital, em uma sociedade reconstruída para a indústria pela revolução, é o crédito. O mundo proprietário, industrial, de negócios comerciais sabe disso muito bem: todos seus esforços desde 1789 tenderam, no fundo, em direção apenas a estas duas coisas, paz e crédito...
Em uma nação devotada ao trabalho, o crédito é o que o sangue é para um animal, o meio de nutrição, a própria vida. Ele não pode ser interrompido sem risco ao corpo social. Se há uma única instituição que deveria ter apelado antes de todas as outras a nossos legisladores, após a abolição dos privilégios feudais e do nivelamento das classes, asseguradamente ela é o crédito. Ainda assim, nem uma de nossas pomposas declarações de direitos, nem uma de nossas constituições, tão prolongadas, nem uma destas sequer o mencionou. O crédito, como a divisão do trabalho, o uso de máquinas e a concorrência, foi deixado por si só; mesmo o poder FINANCEIRO, bem maior do que aquele do executivo, legislativo e judicial, nunca teve a honra de menção em nossas várias cartas... Depois da Revolução, assim como antes, o crédito sobreviveu tão bem quanto podia; ou melhor, como agradava os grandes detentores de moeda...
Qual foi o resultado desta incrível negligência?
Em primeiro lugar, obstrução e usura sendo praticados sobre a moeda por preferência, a moeda sendo ao mesmo tempo a ferramenta das transações industriais e a mais rara mercadoria, e, consequentemente, a mais segura e mais lucrativa, a negociação em dinheiro foi rapidamente concentrada nas mãos de uns poucos monopolistas, cuja fortaleza é o Banco.
Após o que, o País e o Estado foram feitos vassalos de uma coalização de capitalistas.
Graças ao tributo imposto por esta bancocracia sobre toda a indústria agrícola e industrial, a propriedade já foi hipotecada por dois bilhões de dólares, e o Estado por mais de um bilhão...
A propriedade, esfolada pelo Banco, tem sido obrigada a seguir o mesmo curso em suas relações com a indústria, se tornar uma usurária, por sua vez, em relação ao trabalho; assim o aluguel de fazendas e casas atingiu uma taxa proibitiva, que retira o cultivador do campo e o trabalhador de seu lar.
Tanto é assim que hoje aqueles cujo trabalho criou tudo não podem comprar seus próprios produtos, nem obter mobília, nem ter uma habitação, nem jamais dizer: Esta casa, este jardim, esta vinha, este campo, são meus.
Pelo contrário, é uma necessidade econômica, no atual sistema de crédito, que, com a crescente desorganização das forças industriais, o homem pobre, trabalhando cada vez mais duro, deva ficar sempre mais pobre, e que o homem rico, sem trabalhar, cada vez mais rico...
Alguns utópicos atacam a concorrência; outros se recusam a aceitar a divisão do trabalho e toda a ordem industrial; o trabalhador em sua ignorância crassa, culpa o maquinário. Ninguém, até hoje, pensou em negar a utilidade e a legitimidade do crédito; não obstante, é incontestável que a perversão do crédito é a mais ativa causa da pobreza das massas. Não fosse por isto, os efeitos deploráveis da divisão do trabalho, do emprego de maquinários, da concorrência dificilmente sequer seriam sentidos, nem mesmo existiriam. Não é evidente que a tendência da sociedade é em direção à pobreza, não através da depravação dos homens, mas através da desordem de seus próprios princípios elementares?...
Anomalia do Governo. Tendência em direção à Tirania e à Corrupção.
...Qual é o princípio que governa a sociedade existente? Cada por si, cada um para si. Deus e SORTE para todos. O privilégio, resultando da sorte, do giro comercial, de quaisquer dos métodos da jogatina que a condição caótica da indústria fornece, é, então, uma coisa providencial, que todo mundo deve respeitar.
Por outro lado, qual é a função do Governo? Proteger e defender cada um em sua pessoa, sua indústria, sua propriedade. Mas se, pela necessidade das coisas, a propriedade, as riquezas, o conforto, todos vão para um lado, a pobreza para o outro, está claro que o Governo é feito para a defesa do rico contra o pobre. Para o aperfeiçoamento deste estado de coisas, é necessário que o que existe seja definido e consagrado pela lei: que é precisamente o que o Poder deseja...
O que o sistema exige?
Que o feudalismo capitalista seja mantido no gozo de seus direitos; que a preponderância do capital sobre o trabalho seja aumentada; que a classe parasita seja reforçada, se possível, lhe fornecendo puxa-sacos em todo lugar, através do auxílio das funções públicas, e como recrutas se necessário, e que grandes propriedades sejam gradualmente re-estabelecidas, e os proprietários enobrecidos; ...finalmente, que tudo seja anexado à patronagem suprema do Estado - caridades, recompensas, pensões, prêmios, concessões, explorações, autorizações, posições, títulos, privilégios, ofícios ministeriais, sociedades anônimas, administrações municipais, etc., etc...
Através destes três ministérios, aquele da agricultura e do comércio, aquele das obras públicas, e aquele do interior, através de impostos de consumo e através da alfândega, o Governo mantém sua mão em tudo que vêm e vai, tudo que é produzido e consumido, sobre todos os negócios dos indivíduos, cidades e províncias; ele mantém a tendência da sociedade em direção ao empobrecimento das massas, à subordinação dos trabalhadores, e à sempre crescente preponderância de ofícios parasitas. Através da polícia, ele observa os inimigos do sistema; através das cortes, ele os condena e os reprime; através do exército, ele os esmaga; através de instituições públicas ele distribui, nas proporções que lhe convém, conhecimento e ignorância; através da Igreja, ele coloca para dormir qualquer protesto nos corações dos homens; através das finanças, ele financia o custo desta vasta conspiração à custa dos trabalhadores...
Liberdade, igualdade, progresso, com todas as suas consequência oratórias, estão inscritas no texto da constituição e das leis; não há qualquer vestígio delas nas instituições... [O]s abusos mudaram a face que tinham antes de 1789, para assumir uma forma diferente de organização; elas não diminuíram nem em número, nem em gravidade. Por conta de estarmos absortos com a política, perdemos de vista a economia social... Todas as mentes estando enfeitiçadas com a política, a Sociedade gira em um círculo de erros, levando o capital a uma aglomeração ainda mais esmagadora, o Estado a uma extensão de suas prerrogativas que é cada vez mais tirânica, a classe trabalhadora a um declínio irreparável, fisicamente, moralmente e intelectualmente...
No lugar desta regra governamental, feudal e militar, imitada daquela dos antigos reis, o novo edifício das instituições industriais devem ser construídos; no lugar desta centralização materialista que absorve todo o poder político, devemos criar a centralização intelectual e liberal das forças econômicas...
Liquidação Social.
Deduzir o princípio organizador da Revolução, a ideia de uma só vez econômica e legal de reciprocidade e de contrato, tendo em conta as dificuldades e a oposição que esta dedução deve encontrar, seja por parte de facções, partidos ou sociedades revolucionárias, ou de reacionários e defensores do status quo; expor a totalidade destas reformas e novas instituições, em que o trabalho encontra sua garantia, a propriedade seu limite, o comércio seu equilíbrio, e o governo seu adeus; isto é contar, do ponto de vista intelectual, a história da Revolução...
Dois produtores têm o direito de prometerem um ao outro, e de se garantirem reciprocamente, a venda ou troca de seus respectivos produtos, fazendo acordos sobre os artigos e preços...
A mesma promessa de venda ou troca recíproca, sob as mesmas condições legais, pode existir entre um número ilimitado de produtores: será o mesmo contrato, repetido um número ilimitado de vezes.
Cidadãos franceses têm o direito de fazerem acordos e, se desejado, se associarem para o estabelecimento de padarias, açougues, mercearias, etc. que lhes garantirão a venda e a troca, a um preço reduzido, e de boa qualidade, de pão, carne e todos os artigos de consumo que o atual caos mercantil lhes dá de pouco peso, adulterado e a um preço exorbitante. Para este propósito a Housekeeper foi fundado, uma sociedade para a garantia de um preço justo e de uma troca honesta de produtos.
Pela mesma regra, os cidadãos têm o direito de fundar, para sua vantagem comum, um Banco, com tanto capital quanto escolham, com o propósito de obter a um pequeno preço a moeda que é indispensável em suas transações, e para concorrer com bancos privilegiados individuais. Ao concordarem entre si mesmos com este objetivo, eles apenas estarão fazendo uso do direito que lhes é garantido pelo princípio da liberdade de comércio...
Desta forma, um Banco de Desconto pode ser um estabelecimento público e, para fundá-lo, não é necessário nem associação, nem fraternidade, nem obrigação, nem intervenção Estatal; apenas uma promessa recíproca de venda ou troca é necessária; em uma palavra, um simples contrato.
Isso resolvido, eu digo que não apenas um Banco de Desconto pode ser um estabelecimento público, mas que tal banco é necessário. Aqui está a prova:
O Banco da França foi fundado, com o privilégio Governamental, por uma companhia de acionistas, com um capital de $18.000.000. O dinheiro em espécie atualmente enterrado em seus cofres equivale a cerca de $120.000.000. Desta forma, cinco sextos deste dinheiro em espécie que foi acumulado nos cofres do Banco, através da substituição do metal por papel na circulação geral, são propriedade dos cidadãos. Portanto o Banco, pela natureza de seu mecanismo, que consiste em usar capital que não pertence a ele, deveria ser uma instituição pública.
Outra causa dessa acumulação de espécie é o privilégio GRATUITO que o Banco da França obteve do Estado para emitir notas contra a espécie da qual ele é depositário. Assim, como todo privilégio é propriedade pública, o Banco da França, apenas por seu privilégio, tende a se tornar uma instituição pública.
O privilégio de emitir notas bancárias e de gradualmente substituir moedas por papel na circulação tem como seu resultado imediato, por um lado, dar aos acionistas do Banco uma quantidade de juros muito além do que é devido a seu capital; por outro, manter o preço do dinheiro a uma alta taxa, para o grande lucro da classe dos banqueiros e agiotas, mas em grande detrimento de produtores, fabricantes, mercadores e consumidores de todo tipo que fazem uso da moeda. Este excesso de juros a serem pagos aos acionistas e o crescimento das taxas para o dinheiro, ambos o resultado do desejo que o Poder sempre teve de se tornar agradável à rica classe capitalista, são injustos, e não podem durar para sempre; portanto o Banco, pela ilegitimidade de seu privilégios, está fadado a se tornar um estabelecimento público.
...A atual taxa de juros sobre o dinheiro no Banco é de 4 por cento; o que significa 5, 6, 7, 8 e 9 por cento em outros banqueiros, que quase sozinhos têm o privilégio de descontar no Banco.
Bem, como estes juros pertencem ao público, o público será capaz de reduzi-los à vontade para 3, 2, 1, 1/2 e 1/4 por cento, seja ele se achar de maior vantagem extrair uma grande receita do Banco, ou de continuar os negócios a um custo mais baixo.
Deixe este curso de redução, ainda que em pequena quantidade, ser introduzido uma vez... então, eu afirmo, a tendência social em tudo que concerne ao preço do dinheiro e ao desconto, por todo o território da República, será imediatamente alterado, ipso facto, e que esta simples mudança fará com que o País passe do atual sistema capitalista e governamental para um sistema revolucionário.
Ah! há algo tão terrível quanto uma revolução?
...Se eu não desejo pagar quaisquer juros ao Banco, é porque os juros são, a meus olhos, uma prática feudal, governamental, da qual nunca seremos capazes de escapar se o Banco do País se tornar um Banco do Estado. Por um longo tempo, o Socialismo sonhou com um Banco Estatal, um Crédito Estatal, receitas e lucros do Estado; todos os quais significam a consagração democrática e social do princípio da espoliação, do roubo do trabalhador, em nome, com o exemplo, e sob o patrocínio da República. Coloque o Banco do Povo nas mãos do Governo e, sob o pretexto de economizar para o Estado os lucros de desconto em lugar de novos tributos, novas sinecuras, enormes recolhimentos, desperdício inaudito serão criados à custa do Povo: usura, parasitismo e privilégio serão novamente favorecidos. Não, não, eu não quero nenhum Estado, nem mesmo como servo; eu rejeito o governo, mesmo o governo direto; eu vejo em todas essas invenções apenas pretextos para o parasitismo e refúgios para desocupados...
Dediquemo-nos a esta grande questão da propriedade, a fonte de tais pretensões intoleráveis, e de tais medos ridículos. A Revolução tem duas coisas a realizar quanto à propriedade, sua dissolução e sua reconstituição. Vou me dirigir primeiro a sua dissolução, e começarei com os edifícios.
Se através das medidas acima descritas, a propriedade de construções fosse aliviada de hipotecas; se os donos e construtores encontrassem capital a um preço baixo, o primeiro para as construções que ele quisesse levantar, o último para a compra de materiais; se seguiria, em primeiro lugar, que o custo da construção diminuiria consideravelmente, e que antigas construções poderiam ser reparadas de forma barata e vantajosa; e além disso, que uma queda nos aluguéis de construções seria percebida.
Por outro lado, como o capital não mais estaria investido com vantagem em títulos do governo e em bancos, os capitalistas seriam levados a buscar investimentos no setor imobiliário, especialmente em construções, que são sempre mais produtivas que a terra. Ocorreria logo a seguir, desta maneira, também um aumento da concorrência; a oferta de construções tenderia a ultrapassar a demanda, e os aluguéis cairiam ainda mais.
Cairiam tanto mais quanto mais a redução dos juros recolhidos pelo Banco, e pagos aos credores do Estado, fosse maior; e se, como eu proponho, os juros do dinheiro fossem fixados em zero, os retornos do capital investido em construções logo seriam também zero.
Então, como o aluguel de construções não é composto de nada além de três fatores, o reembolso do capital gasto em sua construção, a manutenção da construção e os tributos, um arrendamento deixaria de ser um empréstimo por uso e se tornaria um venda por parte do construtor para o inquilino.
Finalmente, como a especulação não mais buscaria construções como investimento, mas apenas como um objeto da indústria, a relação puramente legal de senhorio e inquilino, que a lei romana nos transmitiu, daria lugar a uma relação puramente comercial entre o vendedor e o inquilino: haveria a mesma relação, e em consequência, a mesma lei, a mesma jurisdição, que entre o expedidor de um pacote e o consignatário. Em uma palavra, o aluguel de casas, perdendo seu caráter feudal, se tornaria um ATO DE COMÉRCIO...
O direito de propriedade, tão honrável em sua origem, quando essa origem não é nenhuma outra senão o trabalho, se tornou, em Paris, e na maioria das cidades, um instrumento impróprio e imoral de especulação das moradas dos cidadãos. A especulação de pão e de comida de primeira necessidade é punida como uma contravenção, às vezes como um crime: é mais permissível especular com as habitações das pessoas?...
Através da terra, a pilhagem do homem começou e, na terra, ela enraizou suas fundações. A terra é a fortaleza do capitalista moderno, como era a cidadela do feudalismo, e do antigo patriciado. Finalmente, é a terra que dá autoridade ao princípio governamental, uma força sempre renovada, quando quer que o popular Hércules derrube o gigante.
Hoje a fortaleza, atacada em todos os pontos secretos de seus bastiões, está prestes a cair diante de nós, como caíram, ao som dos trompetes de Josué, as muralhas de Jericó. A máquina que é capaz de derrubar os baluartes foi encontrada; não é minha invenção; ela foi inventada pela própria propriedade...
Suponha que os proprietários, não mais esperando o Governo agir, mas tomando os seus assuntos em suas próprias mãos, seguissem o exemplo das associações de trabalhadores, e se juntassem para fundar um Banco por subscrição, ou por garantia mútua... Nada é mais fácil do que aplicar à reaquisição de terra o mecanismo desse sistema de crédito que é normalmente considerado apenas como uma proteção contra juros excessivos e um instrumento para a conversão de hipotecas.
Com o Banco da Terra, o fazendeiro está liberado; é o proprietário que está preso... Assim, o que chamamos de aluguel de fazendas, deixado para nós pela tirania romana e pela usurpação feudal, está por um fio, a organização de um banco, exigido até mesmo pela própria propriedade. Tem sido demonstrado que a terra tende a retornar às mãos que a cultivam, e que o aluguel de fazendas, como o aluguel de casas, como os juros de hipotecas, não é nada além de uma especulação imprópria, que mostra a desordem e a anomalia do atual sistema econômico.
Quaisquer que possam ser as condições desse Banco... qualquer que seja a taxa de cobrança por seus serviços, por menores que sejam suas emissões, pode ser calculado em quantos anos o solo será livrado do parasitismo que o suga até o fim enquanto estrangula o cultivador.
E quando, uma vez que a máquina revolucionária tiver livrado o solo, e a agricultura tiver se tornado livre, a exploração feudal nunca mais poderá se re-estabelecer. A propriedade pode, então, ser vendida, comprada, circulada, dividida ou unida, qualquer coisa; a bola e a corrente da antiga servidão nunca mais serão arrastadas; a propriedade terá perdido seus vícios fundamentais, será transfigurada. Não será mais a mesma coisa. Ainda assim, continuemos a chamá-la por seu antigo nome, tão caro ao coração do homem, tão agradável ao ouvido do camponês, PROPRIEDADE.
Organização das Forças Econômicas.
...Quando eu faço um acordo com um ou mais de meus companheiros cidadãos quanto a qualquer objeto que seja, está claro que meu próprio desejo é minha lei; sou eu quem, ao cumprir minha obrigação, sou meu próprio governo.
Portanto, se eu pudesse fazer um contrato com todos, como eu posso com alguns; se todos pudessem renová-lo entre si mesmos, se cada grupo de cidadãos, como uma cidade, condado, província, corporação, companhia, etc., formado por um contrato similar e considerado como uma pessoa moral, pudesse, a partir daí, e sempre através de um contrato similar, fazer acordos com todos e cada um dos outros grupos, seria o mesmo que se minha própria vontade fosse multiplicada ao infinito. Eu deveria ter certeza de que a lei assim feita sobre todas as questões da República, a partir de milhões de diferentes iniciativas, nunca seria qualquer coisa além da minha lei; e se esta nova ordem de coisas fosse chamada de governo, seria o meu governo.
Desta forma, o princípio do contrato, bem mais do que aquele da autoridade, produziria a união dos produtores, centralizaria suas forças, e garantiria a unidade e a solidariedade de seus interesses.
O sistema de contratos, substituindo o sistema de leis constituiria o verdadeiro governo do homem e do cidadão; a verdadeira soberania do povo, a REPÚBLICA.
Pois o contrato é a Liberdade, o primeiro termo do mote republicano: temos demonstrado isso de forma superabundante em nossos estudos sobre o princípio da autoridade e sobre a liquidação social. Eu não estou livre quando eu dependo de outro para o meu trabalho, meus salários, ou a medida dos meus direitos e deveres; quer esse outro seja chamado de Maioria ou de Sociedade. Tampouco sou eu livre, seja em minha soberania ou em minha ação, quando sou compelido por outro a revisar minha lei, fosse esse outro o mais habilidoso e mais justo dos árbitros. Não sou, tampouco, livre, de maneira alguma, quando sou forçado a me entregar a um representante para que me governe, mesmo se ele fosse o mais devoto servo.
O Contrato é Igualdade, em sua essência profunda e espiritual. Este homem se acredita meu igual, não toma ele a atitude de meu mestre e explorador, que exige de mim mais do que me convém fornecer e não tem a intenção de devolvê-lo a mim; que diz que eu sou incapaz de fazer minha própria lei e espera que eu me submeta à sua?
O contrato é Fraternidade, porque ele identifica todos os interesses, unifica todas as divergências, resolve todas as contradições, e, por consequência, dá asas aos sentimentos de boa vontade e gentileza, que são esmagados pelo caos econômico, pelo governo de representantes, pela lei alienígena.
O contrato, finalmente é ordem, uma vez que é a organização das forças econômicas, em vez da alienação das liberdades, do sacrifício de direitos, da subordinação de vontades.
Deixe-nos dar uma ideia deste organismo; após a liquidação, a reconstrução; após a tese e a antítese, a síntese.
Crédito.
A organização do crédito é três quartos feita pela liquidação dos bancos privilegiados e usurários e por sua conversão em um Banco Nacional de circulação e empréstimo, a 1/2, 1/4 ou 1/8 por cento. Resta apenas estabelecer filiais do Banco, onde quer que seja necessário, e gradualmente retirar dinheiro em espécie de circulação, privando o ouro e a prata de seu privilégio como dinheiro.
Quanto ao crédito pessoal, não é para o Banco Nacional ter a ver com isso; é com as uniões trabalhistas, e com as sociedades agrícolas e industriais que o crédito pessoal deveria ser exercitado.
Propriedade.
Eu demonstrei acima como a propriedade, readquirida através do aluguel de casas ou do aluguel da terra, voltaria ao inquilino de fazendas ou de casas. Resta-me mostrar, especialmente em relação à propriedade sobre a terra, o poder organizador do princípio que eu tenho invocado para provocar esta conversão...
Eu fui obrigado a concluir que a hipótese de [propriedade Estatal e] arrendamento de terras generalizado não continha a solução que eu buscava; e que, após ter resolvido para a terra, seria necessário considerar seriamente reatribuí-la em completa soberania ao trabalhador porque, sem isso, nem seu orgulho enquanto um cidadão nem seus direitos enquanto um produtor poderiam ser satisfeitos...
Faça dessa ideia, aparentemente bastante negativa, e que a princípio parecia uma mera fantasia pela necessidade da causa - faça dela uma regra positiva, geral e fixa, e a propriedade se torna constituída. Ela receberá sua organização, suas regras, sua polícia, sua sanção. Ela terá cumprido a Ideia por baixo dela, sua carta régia para todos e aceita por todos, em uma única cláusula; de onde todo o resto é dedutível pela luz do senso comum.
Com este simples contrato, protegido, consolidado e garantido pela associação comercial e agrícola, você pode, sem a menor apreensão, permitir que o proprietário venda, transmita, aliene e circule sua propriedade à vontade. A propriedade sobre a terra, sob este novo sistema, a propriedade privada de renda, livrada de suas correntes e curada de sua lepra, está nas mãos do proprietário como uma moeda de cinco francos ou uma nota bancária nas mãos do portador. Ela vale esse tanto, nem mais nem menos, ela não pode nem ganhar nem perder em valor ao mudar de mão; ela não está mais sujeita a depreciação; sobretudo, ela perdeu aquele fatal poder de acumulação que tinha, não por si mesma, mas através do antigo preconceito a favor da casta e da nobreza ligado a ela.
Desta forma, do ponto de vista da igualdade de condições, da garantia de trabalho e da segurança pública, a propriedade sobre a terra não pode causar a menor perturbação à economia social: ela perdeu seu caráter vicioso; resta ver as boas qualidade que ela deve ter adquirido. É a isto que eu chamo a atenção de meus leitores, notavelmente dos Comunistas, a quem eu imploro para pesarem bem a diferença entre associação, isto quer dizer, governo, e contrato.
Divisão do Trabalho, Forças Coletivas, Máquinas, Associações Trabalhistas
...O trabalho agrícola, repousando sobre esta base, aparece em sua dignidade natural. De todas as ocupações, ele é a mais nobre, a mais saudável, e enquanto exercício intelectual, a mais enciclopédica. A partir de todas estas considerações, o trabalho agrícola é o que menos exige a forma societária; podemos mesmo dizer, de forma mais forte, que mais energicamente a rejeita. Nunca se viu camponeses formarem uma sociedade para o cultivo de seus campos; nunca se os verá fazê-lo. As únicas relações de unidade e solidariedade que podem existir entre trabalhadores rurais, a única centralização à qual a indústria rural está suscetível, é aquela que apontamos que resulta da compensação pela renda econômica, do seguro mútuo e, acima de tudo, da abolição da renda, que torna a acumulação de terra, o parcelamento do solo, a servidão do camponês, a dissipação de heranças para sempre impossível.
É diferente com certas indústrias, que exigem o emprego combinado de um grande número de trabalhadores, um vasto arranjo de máquinas e mãos e, para fazer uso de uma expressão técnica, uma grande divisão de trabalho e, por consequência, uma alta concentração de poder. Em tais casos, trabalhador necessariamente se subordina a trabalhador, homem dependente de homem. O produtor não é mais, como nos campos, um soberano e um livre pai de família; é uma coletividade. Ferrovias, minas e fábricas são exemplos.
Em tais casos, é uma de duas coisas; ou o trabalhador, necessariamente uma peça de trabalho, será simplesmente o empregado do proprietário-capitalista-promotor; ou ele participará nas chances de perda ou ganho do estabelecimento, ele terá uma voz no conselho, em uma palavra, ele se tornará um sócio.
No primeiro caso o trabalhador é subordinado, explorado: sua condição permanente é uma de obediência e pobreza. No segundo caso ele retoma sua dignidade enquanto homem e cidadão, ele pode aspirar ao conforto, ele forma uma parte da organização produtora, da qual ele antes não era nada além do escravo; como, na cidade, ele forma uma parte do poder soberano, do qual ele antes não era nada além de súdito.
Assim, não precisamos hesitar, pois não temos qualquer escolha. Em casos em que a produção exige grande divisão de trabalho, e uma considerável força coletiva, é necessário formar uma ASSOCIAÇÃO entre os trabalhadores desta indústria; porque sem isso, eles permaneceriam relacionados como subordinados e superiores, e se sucederiam duas castas industriais de mestres e trabalhadores assalariados, o que é repugnante a uma sociedade livre e democrática.
Tal, portanto, é a regra que devemos estabelecer, se desejamos conduzir a Revolução de maneira inteligente.
Toda indústria, operação ou empresa, que por sua natureza exigir o emprego de um grande número de trabalhadores de diferentes especialidades, está destinada a se tornar uma sociedade ou uma companhia de trabalhadores...
Mas onde o produto puder ser obtido pela ação de um indivíduo ou de uma família, sem a cooperação de habilidades especiais, não há qualquer oportunidade para associação. A associação, não sendo solicitada pela natureza do trabalho, não pode ser lucrativa nem de longa continuação...
Eu não considero como estando dentro da classe lógica da divisão do trabalho, nem da força coletiva, as inúmeras pequenas lojas que são encontradas em todos os ofícios e que me parecem o efeito da preferência dos indivíduos que as conduzem, em vez do resultado orgânico de uma combinação de forças. Qualquer um que seja capaz de cortar e costurar um par de sapatos pode conseguir uma licença, abrir uma loja e pendurar do lado de fora uma placa, "Tal-e-Tal, Comerciante de Sapatos Fabricados", embora possa haver apenas ele mesmo atrás de seu balcão. Se um companheiro, que prefere um salário de oficial aprendiz a correr o risco de entrar no negócio, se junta ao primeiro, um chamará a si mesmo de empregador, o outro, de homem contratado; na verdade, eles são completamente iguais e completamente livres...
Mas quando a empresa exige o auxílio combinado de diversas indústrias, profissões e ofícios especiais; quando, a partir desta combinação, surge um novo produto, que não poderia ter sido feito por qualquer indivíduo, uma combinação em que homem se encaixa com homem como roda com roda; o grupo inteiro de trabalhadores forma uma máquina, como o encaixe das partes de um relógio ou de uma locomotiva; então, de fato, as condição não são mais as mesmas. Quem poderia se arrogar o direito de explorar tal corpo de escravos? Quem seria ousado o suficiente para tomar um homem como martelo, outro como pá, este como gancho, aquele como alavanca?...
A atividade a ser realizada, o trabalho a ser efetuado, é a propriedade comum e indivisível de todos aqueles que tomaram parte dela: a concessão de franquias de minas e ferrovias para companhias de acionistas, que pilham os corpos e as almas dos trabalhadores assalariados, é uma traição do poder, uma violação dos direitos do público, um ultraje sobre a dignidade e a personalidade humanas...
O cultivador fora curvado sob a servidão feudal através do aluguel e das hipotecas. Ele é libertado pelo banco da terra e, sobretudo, pelo direito do usuário à propriedade. A terra, vasta em extensão e profundidade, se torna a base da igualdade.
Da mesma maneira, o trabalhador assalariado das grandes indústrias fora esmagado em uma condição pior que aquela do escravo através da perda da vantagem da força coletiva. Mas, através do reconhecimento de seu direito ao lucro desta força, da qual ele é o produtor, ele retoma sua dignidade, ele recupera o conforto; as grandes indústrias, terríveis motores da aristocracia e do pauperismo, se tornam, por sua vez, um dos principais órgãos da liberdade e da prosperidade pública...
Através da participação nas perdas e ganhos, através da escala graduada de pagamento e da sucessiva promoção a todos os graus e posições, a força coletiva, que é um produto da comunidade, deixa de ser uma fonte de lucro para um pequeno número de gerentes e especuladores: ela se torna a propriedade de todos os trabalhadores. Ao mesmo tempo, através de uma ampla educação, através da obrigação de aprendizagem, e através da cooperação de todos que tomam parte no trabalho coletivo, a divisão do trabalho não pode mais ser uma causa de degradação para o trabalhador: ela é, pelo contrário, o meio de sua educação e a garantia de sua segurança...
Constituição do Valor. Organização de Preços Baixos.
Se o comércio ou a troca, realizados conforme um modelo, já são, por seu mérito inerente, produtores de riqueza; se, por esta razão, eles tenham sido praticados sempre e por todas as nações do globo; se, por consequência, devemos considerá-los como uma força econômica; não é menos verdadeiro, e surge a partir da própria noção de troca, que o comércio deve ser bem mais lucrativo se as vendas e compras forem feitas ao preço mais baixo e mais justo; isto é dizer, se os produtos que são trocados puderem ser fornecidos em maior abundância e em proporção mais exata...
[C]ertos economistas, não obstante, aspiraram erigir na lei esta desordem mercantil e perturbação comercial. Eles veem nela um princípio tão sagrado quanto aquele da família ou do trabalho. A escola de Say, vendida ao capitalismo inglês e nativo... tem, nos últimos dez anos, parecido existir apenas para proteger e aplaudir o trabalho execrável dos monopolistas do dinheiro e das necessidades, aprofundando cada vez mais a obscuridade de uma ciência naturalmente difícil e cheia de complicações...
Todo mundo sabe que, desde o período mais antigo, a TROCA tem sido separada em duas operações elementares, a Venda e a Compra. O dinheiro é a mercadoria universal, o registro de contas, que serve para conectar as duas operações e para completar a troca...
De acordo com o que acabamos de dizer, a Venda será genuína, normal, justa, do ponto de vista da justiça econômica e do valor, se for feita a um preço justo, até onde o cálculo humano permitir que isto seja estabelecido...
Mas, infelizmente para a humanidade, as coisas não são feitas assim no comércio. O preço das coisas não é proporcional a seu VALOR: ele é maior ou menor de acordo com uma influência que a justiça condena, mas o existente caos econômico escusa - a Usura.
A Usura é o fator de arbitrariedade no comércio. Na medida em que, sob o atual sistema, o produtor não tem qualquer garantia de que possa trocar seu produto, nem o mercador qualquer certeza de revendê-lo, cada um se esforça para transmitir sua mercadoria ao preço mais alto possível, a fim de obter, através do excesso de lucro, a segurança que o trabalho e a troca falham suficientemente em lhe assegurar. O lucro assim obtido, superior ao custo, incluindo os salários do vendedor, é chamado de Aumento. O Aumento - roubo - é, portanto, a compensação pela insegurança.
Todo mundo sendo dado ao Aumento, há uma falsidade recíproca em todas as relações e engano universal, por consentimento comum, quanto ao valor das coisas.[...]
Isto é o que a Revolução propõe.
Uma vez que há um acordo tácito universal entre todos os produtores e comerciantes de tomar uns dos outros um aumento por seus produtos ou serviços, de trabalhar no escuro suas negociações, de jogar um jogo mordaz; em uma palavra, de tomar o outro de surpresa com todos os truques do comércio; por que não deveria também haver um acordo universal e tácito de se renunciar ao aumento, isto quer dizer, de vender e pagar apenas o preço justo, que é o custo médio?
...O que surpreenderá mais do que um leitor, e o que parece à primeira vista contraditório, é que, por um preço justo, como por qualquer tipo de serviço ou garantia, deve-se PAGAR: o preço baixo da mercadoria, assim como a própria mercadoria, deve ter sua recompensa: sem este prêmio oferecido ao mercador, o preço justo se torna impossível, o preço baixo uma quimera...
Se o negociante normalmente se recusa a vender seus bens ao custo, é, por um lado, porque ele não tem nenhuma certeza de vender o suficiente para lhe assegurar um provento; por outro, porque ele não tem qualquer garantia de que ele obterá um tratamento semelhante em suas compras.
Sem esta garantia dupla, a venda a um preço justo, o mesmo que uma venda abaixo do preço de mercado, é impossível: os únicos casos em que ela ocorre surgem de falhas e liquidações.
Você, então, deseja obter bens a um preço justo, obter a vantagem de um preço baixo, praticar um comércio que diz a verdade, garantir a qualidade na troca?
Você deve oferecer ao mercador uma garantia suficiente.
Esta garantia pode tomar várias formas: talvez os consumidores, que desejam ter os benefícios de um preço justo, sejam eles mesmos produtores, e obrigarão a si mesmos, por sua vez, a venderem seus produtos ao negociante em termos semelhantes, como é feito entre diferentes associações Parisienses; talvez os consumidores se contentarão, sem quaisquer arranjos recíprocos, em assegurar ao varejista um prêmio, o juro, por exemplo, de seu capital, ou um bônus fixo, ou uma venda grande o suficiente para lhe garantir uma receita. Isto é o que é geralmente feito pelas associações de açougueiros, e pela sociedade Housekeeper, da qual já falamos.
...Quando, através da liquidação de dívidas, da organização do crédito, da privação do poder de aumento do dinheiro, da limitação da propriedade, do estabelecimento de associações trabalhistas e do uso de um preço justo, a tendência de preços crescentes tiver sido definitivamente substituída por uma tendência a diminuí-los, e as flutuações do mercado por uma taxa comercial normal; quando o consenso geral tiver trazido esta grande reviravolta da esfera do comércio, então o Valor, de uma só vez a mais ideal e a mais real das coisas, pode ser dito ter-se constituído e expressará, a qualquer momento, para todo tipo de produto, a verdadeira relação entre Trabalho e Riqueza, enquanto preserva sua mobilidade através do eterno progresso da indústria.
A constituição do Valor resolve o problema da concorrência e aquele dos direitos de Intervenção; assim como a organização de associações trabalhistas resolve aquele da força coletiva e da divisão do trabalho. Eu posso meramente indicar, neste momento, estas consequências do teorema principal; seu desenvolvimento tomaria muito espaço em uma revisão filosófica da Revolução...
Comércio Exterior. Equilíbrio de Importações e Exportações
Através da supressão das alfândegas, a Revolução, de acordo com a teoria e independentemente de todas as influências militares e diplomáticas, se espalhará da França para o exterior, se estendendo pela Europa e depois pelo mundo.
Suprimir nossas alfândegas é, em verdade, organizar o comércio exterior assim como organizamos o comércio doméstico... Na questão da tarifa, como em tudo o mais, o status quo, indicado pelos preços crescentes, é reação; o progresso, indicado por preços decrescentes, é a Revolução... Quanto a mim, eu, que me oponho aos defensores do livre comércio porque eles favorecem os juros, enquanto exigem a abolição das tarifas - eu seria a favor a diminuição da tarifa a partir do momento em que os juros caíssem; e se os juros fossem eliminados, ou mesmo reduzidos para 1/4 ou 1/2 por cento, eu seria a favor do livre comércio... O livre comércio iria, então, se tornar troca igual, a diversidade de interesses entre as nações gradualmente resultaria na unidade de interesse, e o dia nasceria quando a guerra cessaria entre as nações, assim como os processos entre indivíduos, a partir da falta de questão litigável e da ausência de causa para conflito...
Absorção do Governo pelo Organismo Econômico
Dado:
Homem, A Família, SOCIEDADE.
Um indivíduo, ser sexual e social, dotado de razão, amor e consciência, capaz de aprender através da experiência, de se aperfeiçoar através da reflexão e de ganhar seus sustento através do trabalho.
O problema é organizar os poderes deste ser de tal forma que ele possa permanecer sempre em paz consigo mesmo e possa extrair da Natureza, que lhe é dada, a maior quantidade possível de bem-estar.
Sabemos como gerações anteriores resolveram-no... Este sistema... pode ser chamado de sistema de ordem pela autoridade... [E]le é desejável, a fim de convencer a mente a definir, uma ao lado da outra, as ideias fundamentais, por uma lado, do sistema político-religioso... por outro, o sistema econômico.
O Governo, então, isto é, a Igreja e o Estado indivisivelmente unidos, tem como seus dogmas:
- A pervesidade original da natureza humana;
- A inevitável desigualdade das fortunas;
- A permanência de querelas e guerras;
- A irremediabilidade da pobreza.
De onde se deduz:
A necessidade do governo, da obediência, da resignação, e da fé.
Estes princípios admitidos, como ainda o são, quase universalmente, as formas de autoridade já estão estabelecidas. Elas são:
- A divisão das pessoas em classes ou castas subordinadas umas às outras; graduadas para formar uma pirâmide, no topo da qual aparece, assim como a Divindade sobre seu altar, como o rei sobre seu trono, a AUTORIDADE;
- Centralização administrativa;
- Hierarquia judicial;
- Polícia;
- Culto.
...Qual é a meta desta organização?
Manter a ordem na sociedade, consagrando e santificando a obediência do cidadão ao Estado, a subordinação do pobre ao rico, das pessoas comuns à classe superior, do trabalhador ao ocioso, do leigo ao padre, do empresário ao soldado...
Debaixo da máquina governamental, à sombra das instituições políticas, fora da vista de estadistas e padres, a sociedade está produzindo seu próprio organismo, lenta e silenciosamente; e construindo uma nova ordem, a expressão de sua vitalidade e autonomia e a negação da velha política, assim como da velha religião.
Esta organização, que é tão essencial à sociedade quanto é incompatível com o atual sistema, tem os seguintes princípios:
- A indefinida perfectibilidade do indivíduo e da raça;
- A honradez do trabalho;
- A igualdade das fortunas;
- A identidade dos interesses;
- O fim dos antagonismos;
- A universalidade do conforto;
- A soberania da razão;
- A absoluta liberdade do homem e do cidadão.
Eu menciono abaixo suas principais formas de atividade:
- Divisão do trabalho, através da qual a classificação do Povo pelas INDÚSTRIAS substitui a classificação pela casta;
- Poder coletivo, o princípio das ASSOCIAÇÕES TRABALHISTAS, no lugar de exércitos;
- Comércio, a forma concreta do CONTRATO, que assume o lugar da Lei;
- Igualdade na troca;
- Concorrência;
- Crédito, que gira em torno dos INTERESSES, como a hierarquia governamental gira em torno da Obediência;
- O equilíbrio dos valores e das propriedades.
O antigo sistema, estando de pé sobre Autoridade e Fé, era essencialmente baseado no Direito Divino. O princípio da soberania do Povo, introduzido mais tarde, não mudou sua natureza... A soberania do Povo não têm sido, se posso dizer assim, no último século, nada além de uma linha de combate para a Liberdade... O novo sistema, baseado na prática espontânea da indústria, de acordo com a razão individual e social, é o sistema do Direito Humano. Oposto ao comando arbitrário, essencialmente objetivo, ele não permite nem partidos nem facções; ele é completo em si mesmo, e não permite nem restrição nem separação.
Não há qualquer fusão possível entre os sistemas político e econômico, entre o sistema de leis e o sistema de contratos; um ou o outro deve ser escolhido.
...Mas viver sem governo, abolir toda autoridade, absoluta e incondicionalmente, estabelecer a pura anarquia, parece a eles ridículo e inconcebível, uma trama contra a República e contra a nação. O que estas pessoas que falam de abolir o governo colocarão no lugar dele? eles perguntam.
Não temos problema em responder.
É a organização industrial que colocaremos no lugar do governo, como acabamos de mostrar.
No lugar de leis, colocaremos contratos. - Não mais leis votadas por uma maioria, nem mesmo unanimemente; cada cidadão, cada cidade, cada união industrial faz suas próprias leis.
No lugar de poderes políticos, colocaremos forças econômicas.
No lugar das antigas classes de nobres, burgueses e camponeses, ou de empresários e trabalhadores, colocaremos os títulos gerais e os departamentos especiais da indústria: Agricultura, Manufatura, Comércio, etc.
No lugar da força pública, colocaremos a força coletiva.
No lugar de exércitos permanentes, colocaremos associações industriais.
No lugar da polícia, colocaremos a identidade de interesses.
No lugar da centralização política, colocaremos a centralização econômica.
Você vê agora como pode haver ordem sem funcionários, uma unidade profunda e inteiramente intelectual?
Você, que não consegue conceber a unidade sem todo um aparato de legisladores, promotores, procuradores-gerais, oficiais da alfândega, policiais, você nunca soube o que a real unidade é! O que você chama de unidade e centralização não é nada além de caos perpétuo, servindo como base para tirania infinita; é a promoção da condição caótica das forças sociais como um argumento para o despotismo - um despotismo que é, na verdade, a causa do caos...
Mostramos que o sistema industrial é a harmonia de interesses resultante da liquidação social, da moeda e do crédito livres, da organização das forças econômicas, e da constituição do valor e da propriedade.
Quando isso for atingido, que utilidade mais haverá para o governo; que utilidade para a punição; que utilidade para o poder judicial? O CONTRATO resolve todos os problemas. O produtor negocia com o consumidor, o membro com sua sociedade, o fazendeiro com seu distrito, o distrito com a província, a província com o Estado...
O segredo desta equalização do cidadão ao Estado, assim como do crente ao padre, do queixoso ao juiz, repousa sobre a equação econômica que criamos anteriormente aqui, através da abolição dos juros capitalistas entre o trabalhador e o empregador, o fazendeiro e o proprietário. Acabe com este último remanescente da antiga escravidão através da reciprocidade das obrigações e tanto cidadãos quanto comunidades não terão qualquer necessidade da intervenção do Estado para realizar seus negócios, tomar conta de sua propriedade, construir seus portos, pontes, cais, canais, estradas, estabelecer mercados, transacionar seu litígio, instruir, dirigir, controlar e censurar seus agentes, desempenhar quaisquer atos de supervisão ou polícia, mais do que precisarão de seu auxílio para oferecer sua adoração ao Altíssimo, ou para julgar seus criminosos e tirar de seu poder causar danos, supondo que a retirada do motivo não traga a cessação do crime.
...A Revolução seria vã se não fosse contagiosa: ela pereceria, mesmo na França, se falhasse em se tornar universal. Todos estão convencidos disso. O menos entusiasta dos espíritos não crê ser necessário que a França interfira entre outras nações por força de armas: será suficiente que ela apoie, com seu exemplo e seu encorajamento, qualquer esforço das pessoas de nações estrangeiras para seguir seu exemplo.
O que, então, é a Revolução, concluída no exterior assim como em casa?
A exploração capitalista e proprietária impedida em todo lugar, o sistema salarial abolido, troca igual e justa garantida, o valor constituído, o preço baixo garantido, o princípio da proteção alterado e os mercados do mundo abertos aos produtores de todas as nações; consequentemente a barreira derrubada, a antiga lei das nações substituída por acordos comerciais; polícia, administração judiciária, em todo lugar entregue aos trabalhadores; a organização econômica substituindo o sistema governamental e militar nas colônias assim como nas grandes cidades; finalmente, a mescla livre e universal de raças sob a lei do contrato apenas: isso é a Revolução.
Entenda de uma vez por todas: o resultado mais característico, o mais decisivo da Revolução é, após ter organizado o trabalho e a propriedade, acabar com a centralização política, em uma palavra, com o Estado... Os reis podem afiar suas espadas para sua última campanha. A Revolução no Século XIX tem como sua tarefa suprema, não tanto a derrubada de suas dinastias, quanto a destruição, até a última raiz, de sua instituição. Nascidas como foram para a guerra, educadas para a guerra, suportadas pela guerra, doméstica e estrangeira, de que uso pode ser numa sociedade de trabalho e paz? Doravante não pode haver nenhum propósito a mais na guerra do que na recusa de desarmar. A irmandade universal sendo estabelecida sobre uma fundação certa, não há nada para os representantes do despotismo fazerem além de se despedirem...
Quanto àqueles que, após a partida dos reis, ainda sonhem com consulados, com presidências, com ditaduras, com marechalatos, com almirantados e com embaixadas, eles também farão bem em se aposentar. A Revolução, não tendo qualquer necessidade de seus serviços, pode dispensar seus talentos. As pessoas não querem mais esta moeda de monarquia: elas entendem que, qualquer fraseologia que seja usada, sistema feudal, sistema governamental, sistema militar, sistema parlamentar, sistema de polícia, leis e tribunais, e sistema de exploração, corrupção, mentira e pobreza, são todos sinônimos. Finalmente, elas sabem que ao acabarem com a renda e os juros, os últimos remanescentes da antiga escravidão, a Revolução, de um só golpe, acaba com a espada do executor, a lâmina da justiça, a clave do policial, a escala do oficial da alfândega, a faca eliminadora do burocrata, todas essas insígnias do governo que a jovem Liberdade tritura sob seu calcanhar...
Epílogo
A ideia fundamental, decisiva desta Revolução não é esta: AUTORIDADE NUNCA MAIS, nem na Igreja, nem no Estado, nem na terra, nem no dinheiro?
Autoridade nunca mais! Isso significa algo que nunca vimos, algo que nunca entendemos; a harmonia do interesse de um com o interesse de todos; a identidade da soberania coletiva com a soberania individual.
Autoridade nunca mais! Isso significa dívidas pagas, servidão abolida, hipotecas suspensas, aluguéis reembolsados, o custo do culto, da justiça e do Estado suprimidos; crédito livre, troca igual, livre associação, valor regulado, educação, trabalho, propriedade, domicílio, preço baixo garantidos: antagonismos nunca mais, guerra nunca mais, centralização nunca mais, governos nunca mais, padres nunca mais. Não é essa Sociedade emergida de sua concha e andando ereta?
Autoridade nunca mais! Isso quer dizer ainda: livre contrato no lugar da lei arbitrária; transações voluntárias no lugar do controle do Estado; justiça equitativa e recíproca no lugar da justiça soberana e distributiva; moral racional em vez de revelada; equilíbrio de forças em vez de equilíbrio de poderes; unidade econômica no lugar de centralização política. Uma vez mais, eu pergunto, não é isto que eu posso me aventurar chamar de uma reversão completa, uma reviravolta, uma Revolução?