De Famílias Livres a Sociedades Estatistas e De Volta Outra Vez
Introdução
Como seriam as famílias em uma nação livre? Esta questão levaria pelo menos diversos volumes para se explorar por completo. E não há realmente nenhum conjunto definitivo de respostas. A maior diferença não seria que algo novo estaria presente, mas antes que algo estaria ausente - a influência do estado. A interferência do estado na sociedade encoraja alguns tipos de comportamentos familiares e desencoraja outros. Na ausência do estado é provável que algumas tradições familiares inteiramente novas emergissem, mas também que as anteriormente estabelecidas continuassem a existir, incluindo algumas que são raras atualmente. No geral, as escolhas feitas por indivíduos nesta matéria provavelmente seriam mais diversas e abertas do que é o caso em sociedades estatistas.
Em vez de tentar fornecer uma lista completa das alternativas, eu discutirei como a história das famílias humanas indica uma ampla variedade de possibilidades para a estrutura familiar e então examinar a relação histórica do estado com as famílias. Ao fazê-lo, eu estarei trabalhando sob a tese de que, em sociedades estatistas, a família está em concorrência direta com o estado pela lealdade e pelo controle dos recursos dos indivíduos. Finalmente, explorarei temas para apenas algumas das muitas oportunidades modernas que uma nação livre poderia oferecer às famílias.
A discussão contemporânea sobre a política da família frequentemente envolve a noção de "valores familiares", ou o que é bom para "a família". Em tais discussões, frequentemente se mantém que "a família" é a unidade social básica da sociedade civilizada. É, contudo, um tipo muito específico de família a que se faz referência, uma família com um macho adulto e uma fêmea adulta, que têm um casamento licenciado pelo estado e que estão criando dois ou três filhos. O homem e a mulher tipicamente têm ou tiveram um relacionamento sexual e são tipicamente os pais biológicos das crianças. Os membros da família vivem em uma única residência. Eles podem ou não ter parentes de sangue por perto. Mas a maior parte de suas interações sociais são com pessoas com quem eles não são relacionados.
Frequentemente se assume em discussões de problemas sociais que uma sociedade que fomenta esse tipo de família é desejável e que esse tipo de família é o mais natural para a humanidade. Mas estas noções estão claramente erradas. Na história natural da humanidade, a família mencionada acima é um fenômeno muito recente. Pensa-se que variações do tipo biológico humano (caracterizado, entre muitas outras coisas, pelo uso da pedra ou de ferramentas mais avançadas) existem há pelo menos 2 milhões de anos. Estes, nossos ancestrais, viveram, na maior parte do tempo, em bandos caçadores-coletores, em uma estrutura social com características muito diferentes do ideal da "família moderna".
A Estrutura Familiar Mais Antiga da Humanidade
O bando caçador-coletor era certamente uma comunidade, embora normalmente uma pequena. Seria tipicamente composto de menos do que 100 indivíduos de ambos os sexos e uma ampla gama de idades. Percorreria a paisagem em busca de animais pequenos e médios, tipicamente caçadas pelos machos adultos, e animais muito pequenos, insetos e plantas comestíveis, tipicamente coletados pelas fêmeas e crianças. Esta era a divisão mais significativa do trabalho, produzindo, de algumas formas, ambientes e subculturas separadas para homens e mulheres. Os homens poderiam caçar individualmente ou em grupos. Mas quando cooperavam, a liderança não era embasada em postos oficiais, mas sim em um caçador propondo uma caçada em grupo e recrutando outros para segui-lo. Ninguém era compelido a seguir, no entanto, e caçadas diferentes poderiam ter tido líderes diferentes baseado no carisma relativo de diferentes indivíduos em diferentes momentos. As mulheres precisavam de ainda menos coordenação. Com elas a liderança seria mais uma questão da mais sábia ou mais habilidosa em dar conselhos conforma a necessidade surgia.
As evidências sugerem que haviam poucas, se quaisquer, pessoas que hoje chamaríamos de "velhas" (acima de 50 anos). O cuidado das crianças era primariamente o trabalho da mãe biológica de cada criança, mas todas as crianças eram nutridas em alguma medida por todos os adultos, especialmente as mulheres. Na maior parte da existência da humanidade, a noção de paternidade não existiu, já que a relação entre sexo e gravidez não era conhecida. É impossível dizer quando esta descoberta foi feita, mas mesmo após a noção de paternidade ter sido estabelecida, havia uma tendência do parentesco de uma criança ser traçado primariamente ou apenas através de sua mãe, já que a identidade do pai biológico ainda era duvidosa. No entanto, a qualquer momento, a mãe de uma criança poderia ter tido um amigo homem adulto especial dentro do bando que fazia sexo regularmente com ela e que compartilhava comida com ela e com quaisquer crianças pequenas que ela pudesse ter. Esta associação do homem com a mãe beneficiaria sua jovem criança, embora ele pudesse não ter sido seu pai biológico. Estes grupos menores de indivíduos estariam grosseiramente próximos da noção moderna de "agregado familiar". Cada criança quase certamente saberia quem era sua mãe, e assim também quem eram as outras crianças de sua mãe, e assim também quem (pelo lado de sua mãe) eram suas tias, tios, etc. Se estas pessoas estivessem por perto, uma certa afinidade entre tais parentes de sangue existiria. A maior parte dos adultos teria sido criada junta e, em grande medida, estaria criando suas próprias crianças junta.
Contudo, a família de sangue (pelo lado da mãe), embora conhecida, poderia não ficar com o bando. Durante a maior parte do período em que humanos se organizaram apenas como bandos caçadores-coletores, a humanidade ainda não havia preenchido o espaço habitável disponível. O número total de humanos na terra crescia de forma extremamente lenta. Grandes riscos de doenças ou ataques de animais impediam a maior parte das crianças de atingir a idade adulta. Muitas mulheres morriam no parto. Os homens podiam ser feridos em confrontos com animais. Conseguir comida o suficiente não era o maior problema. Mas haveriam épocas em que a comida em alguma área específica poderia ter sido um pouco escassa, motivando o bando a se dividir em dois ou mais grupos e irem por caminhos separados. Ninguém provavelmente morreria de fome, mas indivíduos poderiam perder contato com parentes. A perda de um membro do grupo poderia também ocorrer quando bandos diferentes se encontrassem. Normalmente, eles poderiam se permitir um grau razoável de cordialidade. E, quando tomavam caminhos separados, cada bando poderia perder alguns membros para o outro. Às vezes, mas não sempre, isso envolveria novos relacionamentos sexuais, diversificando assim o pool genético de cada grupo, como é o caso com os grandes primatas até hoje.
Pensa-se que humanos "anatomicamente modernos" emergiram entre 150.000 e 200.000 anos atrás. Ainda assim, a maioria, se não todos os humanos continuaram a viver como caçadores-coletores até pelo menos 10.000 anos atrás. Refere-se ao período mais antigo e longo como o "Paleolítico" (ou Antiga Idade da Pedra). O período mais novo é chamado de "Neolítico" (ou Nova Idade da pedra, cobrindo o período até o primeiro uso de metal). Apenas no Neolítico é que algumas comunidades começaram a desenvolver outros meios de se prover de comida. Lentamente o número de não-caçadores-coletores aumentou até que a vasta maioria das culturas não fossem desse tipo (embora algumas comunidades caçadoras-coletoras ainda existam hoje). Então, no mínimo 90% da história humana é caracterizada por uma organização social que era muito funcional, mas que não incluía quaisquer instituições que fossem muito parecidas com o ideal da "família moderna". O grupo caçador-coletor era uma "família", mas, pelos padrões modernos, uma razoavelmente grande, com lealdades que eram tanto social quanto biologicamente embasadas e que careciam completamente de muitos dos "valores familiares" de hoje. Se há qualquer coisa como uma família "natural", esta era ela. Mas deveríamos esperar uma re-emergência deste tipo de família em uma sociedade livre? Provavelmente não.
Novas Fontes de Comidas Influenciam a Estrutura Familiar
Quando as pessoas primeiro começaram a se associar em padrões diferentes do bando caçador-coletor, elas ainda não se organizaram em famílias modernas. Durante a última parte da era Paleolítica, os humanos haviam se tornado caçadores-coletores especialmente bons. Eles se tornaram os predadores dominantes na maior parte dos lugares, com muito menos probabilidades de serem atacados por grandes felinos. Eles até formaram uma parceria com alguns dos caninos. A população humana havia começado a aumentar em uma medida que, em alguns lugares, era difícil alimentar todo mundo das formas tradicionais.
Três novos tipos de economia emergiram - pastoreio, pesca e cultivo de plantas. Estas tendiam a produzir novos padrões familiares, cada um distinto dos outros, mas nenhum deles iguais à família moderna. Na verdade, mesmo dentro de cada uma das novas tradições econômicas, uma grande variedade de estruturas familiares existia. Em muitas instâncias, as comunidades humanas formadas eram muito maiores do que os bandos caçadores-coletores, mas isto não era sempre verdade. Havia também uma grande tendência dos membros da família manterem contato, especialmente quando as comunidades se estabeleceram em áreas geográficas definidas, mas isto não também não era sempre verdadeiro.
Quando grupos maiores e mais densos começaram a entrar em contato muito regular com outros, eles se tornaram menos fluidos. Conforme os bandos acharam conveniente reivindicar terrenos agrícolas específicos, rebanhos específicos de animais ou locais especificamente bons para a coleta de frutos do mar, a noção de território de grupo se tornou mais importante. A participação no grupo tornou-se mais valiosa para os indivíduos. Os pequenos agrupamentos compostos de uma mulher, suas crianças pequenas e seu companheiro se tornaram agregados familiares de verdade. As crianças tendiam a manter contato próximo umas com as outras quando adultas, para ajudar a manter e explorar reivindicações comuns de recursos alimentares. Bandos caçadores-coletores se solidificaram em "clãs" com tradições mais claras de participação, embasadas mais estritamente em laços de familiaridade por sangue. A noção de um casamento, ou compromisso vitalício sexual e de criação de filhos entre adultos de sexos opostos, embora não fosse completamente desconhecida para caçadores-coletores ao final do período Paleolítico, se tornou muito importante para os povos Neolíticos. O casamento confirmava a associação de um adulto nascido em um clã, mas que vivia em outro, e confirmava a participação no clã das crianças nascidas da união.
Nas comunidades maiores e especialmente nas sedentárias, havia uma tendência para alguma divisão do trabalho para além de caça vs. coleta. Os povos estabelecidos em uma localização poderiam possuir mais bens materiais, o que criava uma demanda por especialistas habilidosos que forneceriam vários bens em troca de comida ou de outros bens. Estes especialistas poderiam passar suas habilidades para seus filhos e assim estabelecer ocupações de família. Um valor adicional para a participação na família foi criado quando relações tradicionais de troca se formaram entre clãs ou entre famílias dentro de clãs.
Ainda assim, os costumes do Neolítico, incluindo as tradições de estrutura familiar, variaram amplamente em termos de especificidades. A generalização mais significativa que pode ser feita sobre qualquer uma delas é que eram significativamente diferentes das famílias de caçadores-coletores. Então, entre as poucas coisas que podemos dizer sobre o que é "natural" quanto a abordagem humana à estrutura familiar (em contraste com, digamos, aqueles de espécies específicas de pássaros ou de outros mamíferos), é que as comunidades humanas podem prosperar usando uma ampla variedade de estruturas familiares. Uma outra coisa que pode ser dita é que a economia pode influenciar muito na determinação de quais formas de família uma dada cultura humana adotará.
A Emergência do Estado
O conceito da família moderna não é apenas um produto das instituições econômicas modernas. É também um produto de milhares de anos interação com outras instituições sociais, notavelmente aquela conhecida como estado. Um estado é, em seu âmago, uma instituição militar que reivindica recursos dos indivíduos em uma sociedade em troca do fornecimento de defesa contra o comportamento predatório de instituições militares concorrentes. Cidadãos individuais de uma sociedade estatista permanecerão nesta relação ou porque 1) eles têm medo de desafiar o poder militar de "seu" estado, 2) eles temem mais um poder militar rival ou 3) alguma combinação de ambos. O estado não é, contudo, "natural" às comunidades humanas.
Não está claro exatamente quando o estado emergiu na história natural da humanidade, nem exatamente quando as primeiras instituições militares que foram claramente ancestrais do estado moderno deveriam ser chamadas de "estados". O bando caçador-coletor não era um estado. Haviam poucas pessoas em cada bando e nenhum subgrupo militar especial existia. Quando um bando era atacado por animais ou outros humanos, qualquer membro do grupo capaz de fornecer qualquer tipo de defesa para o grupo o fazia. Frequentemente, no entanto, a linha primária de defesa seria composta dos machos adolescentes e adultos do bando. Tal coordenação de força armada era uma extensão dos padrões de caça usados pelos machos, mas seria suplementada pelas mulheres e crianças quando elas pudessem fornecer ajuda. Este padrão também pode ser encontrado em outros primatas sociais. Mas, ao passo que os caçadores podem ser vistos como uma subseção do bando como um todo, eles não eram uma comunidade separada no sentido em que os soldados modernos e a polícia são um grupo separado dentro da sociedade mais ampla. Não havia qualquer choque de lealdade para os indivíduos entre "família" e "unidade militar". O combatente individual não tinha que deixar a família para participar da defesa da comunidade como os soldados modernos frequentemente fazem durante o dever militar ativo.
As comunidades Neolíticas, com populações mais densas e competição séria e frequente por comida, modificaram as estruturas familiares Paleolíticas para acomodar seus ambientes. Nenhuma instituição militar de estilo moderno se desenvolveu no período Neolítico, mas muitas culturas Neolíticas desenvolveram novas maneiras de coordenar a violência organizada. Grandes formações militares se formaram conforme guerreiros de diversos agregados familiares se combinaram sob um líder. Este chefe de guerra podia manter a posição formalmente e por longos períodos de tempo. Unidade militares do tamanho de clãs, baseadas em um reconhecimento de laços de sangue (às vezes via adoção, às vezes via casamento), se tornaram comuns entre povos Neolíticos. Chefes de guerra especialmente carismáticos poderiam ter sido capazes de reunir diversos clãs em uma aliança militar para derrotar um clã rival em comum. Estas alianças teriam sido mais fáceis onde os clãs aliados se pensassem parentes de sangue.
Vantagens militares e outras eventualmente encorajaram a associação de clãs para formarem "tribos", grupos maiores que falavam uma língua em comum e pensavam ser descendentes de um ancestral comum. Tribos não são completamente "naturais" a humanos, mas tampouco estão elas completamente fora do contexto Paleolítico "natural". Membros de bandos caçadores-coletores teriam sabido da existência de outros bandos que tinham relações de sangue com eles, que falavam uma língua em comum e que compartilhavam muitos costumes. E tais bandos relacionados teriam sido distinguíveis de ainda outros bandos com língua e costumes diferentes, na medida em que tais fossem conhecidos. Culturas Paleolíticas, contudo, provavelmente tendiam a pensar sobre "bandos relacionados" e "bandos estranhos" em vez de em termos de tribos. E elas não teriam tido qualquer necessidade de pensar em unidade militares formadas a partir de alianças de bandos, pelo menos não enquanto todos os humanos eram caçadores-coletores.
No Neolítico, bolsões de filosofia política de soma zero e soma negativa emergiam com regularidade, especialmente nas áreas mais densamente populadas. As novas fontes de comida podiam suportar muito mais pessoas em algumas terras do que o podiam a caça e a coleta. Mas nem sempre. O tempo ruim poderia prejudicar a agricultura, em especial. Às vezes as pessoas vivendo em assentamentos densos descobriam que a única alternativa à fome para seu grupo era forçar a fome sobre seus vizinhos. Este era um clima ideal para a formação de atitudes e instituições estatistas.
A emergência da cidade fortificada como a base de uma política "civilizada" (não mais Neolítica) pode ter sinalizado a primeira instância de uma instituição estatista. Mas certamente haviam enclaves estatistas em cidades estabelecidas. Os estatistas dominaram cada vez mais as cidades e áreas urbanas (de cidades muradas). As maiores formações militares eram ou recrutamentos da população masculina das cidades muradas ou facções assaltantes do tamanho de clãs de populações de pastores que atacavam as cidades. No caso dos pastores, os clãs às vezes se organizavam em facções assaltantes do tamanho de tribos, mas isso foi raro até que clãs militares e patrilineares (descendentes dos filhos determinados pela paternidade estabelecida) emergiram para liderá-las. Um homem com filhos e netos para segui-lo em batalha poderia coordená-los melhor se se pensasse que ele devia sua lealdade a ele. Como um líder militar hereditário de tal clã, um chefe de guerra carismático poderia recrutar a maior parte dos guerreiros de uma tribo em um único exército.
O Surgimento de Família "Nobres"
A estrutura social das cidades foi influenciada pela superpopulação entre os grupos de pastores vizinhos. Em tempos de dificuldade entre os pastores, onda após onda destas tribos recaíram sobre as cidades muradas. Poucos generais criados nas cidades podiam derrotar as formações militares de pastores em campo aberto quando os pastores eram guiados por um general habilidoso dos seus, embora as cidades estivessem usualmente bem protegidas por suas muralhas. Mas ao longo do tempo os comandantes pastores vieram a substituir os líderes militares nativos das cidades muradas. Às vezes como mercenários, às vezes por meio de relações hereditárias, os descendentes dos clãs de pastores forjaram reivindicações de propriedade com base no clã à maioria das instituições militares civilizadas. Em épocas mais recentes, esta reivindicação veio a ser denominada de "nobreza". Clãs nobres - famílias frequentemente do tamanho dos maiores ajuntamentos Paleolíticos (mas não maiores) - se aliaram uns aos outros para se tornarem uma instituição militar com base em tribos, que ficou arraigada como força politicamente dominante em muitas cidades. Seus generais administravam, além de seus parentes, um exército composto de recrutas da maioria das famílias não-nobres da cidade. Eles começaram a aprender como usar instituições não-militares para controlar este tipo de exército. Aprenderam a assegurar que todas as forças militares de sua cidade (mais tarde de seu império) permanecessem sob controle nobre. Entre estas instituições não-militares estavam aquelas da religião e da lei.
As primeiras áreas urbanas frequentemente evoluíram onde as famílias de clãs separados se encontraram, tentaram se reunir como uma única tribo em separado e, em vez disso, desenvolveram aversões étnicas uma à outra. Ainda assim, elas podem ter tido que se contentar (se não houvesse qualquer lugar melhor para se estabelecer). Então elas desenvolveriam instituições legais baseadas no costume - mas um costume nascido das relações entre os clãs separados. Este sistema funcionou tão bem que veio a ser usado para formar, em cada cidade, unidades políticas a partir do número equivalente a muitas tribos de clãs não-nobres "domesticados" (clãs que haviam desistido da esperança de revolta militar contra os nobres). Contudo, ele dependia da ausência de tribos fortes além dos próprios nobres. Então outras afiliações tribais dentro da cidade foram reduzidas a um mínimo. Os nobres encorajavam tanto quanto podiam costumes e leis para a cidade que fossem enviesados contra quaisquer grupos rivais do tamanho de tribos. E a adjudicação destas leis seria mantida fora das mãos de membros de clãs não-nobres e colocada nas mãos dos nobres.
Durante a maior parte do período desde o surgimento das cidades muradas (às vezes chamado de período "Civilizado"), os clãs continuaram a prosperar, apesar do enfraquecimento da maioria das associações tribais nas terras controladas pelas cidades (que sempre incluíram muitos terrenos agrícolas, não apenas as próprias cidades). Filiações tribais começaram a ser associadas, nas mentes de muitas pessoas, com filiações religiosas. Os nobres vieram a ver que não poderiam controlar os não-nobres exceto se os permitissem uma certa forma aleijada de identidade tribal - tribos domesticadas. Pretensos generais rebeldes em clãs suprimidos aprenderam que poderiam operar de maneira política como membros de uma ordem religiosa. A paz foi firmada com muitos sacerdócios de muitas etnias pelos nobres em cada cidade. Contanto que os sacerdotes pregassem contra a rebelião política, eles poderiam atingir uma considerável proeminência social.
Os Políticos: Líderes Sem Conexões com Famílias Nobres
Mas a atividade a nível de clã continuou a prosperar. Em parte, isto pode ter sido porque os nobres viam a família ao nível de clã como mais natural, ao ver que eles próprios ficavam juntos enquanto uma tribo primariamente a fim de dominar a cidade. Os nobres poderiam também fortalecer suas próprias fileiras recrutando, como novas famílias nobres, clãs sem posições nobres, de tempos em tempos. Eventualmente isto aconteceu em tal medida que a liderança em muitas cidades passou para uma nova classe - os políticos. Um político podia ou não ser um nobre, apesar do fato de que a riqueza e a influência hereditárias ainda eram um fator preponderante na política da comunidade, mas, em todo caso, sua influência enquanto político - isto é, a influência da classe de políticos - começou a exceder aquela dos nobres não-políticos. Assim o indivíduo político não-nobre podia governar sobre indivíduos nobres não-políticos - eventualmente sobre indivíduos nobres políticos também - talvez sobre todos os nobres.
De algumas maneiras, a mobilidade social enquanto políticos deu aos plebeus oportunidades tremendas para a aquisição de poder. Mas tal poder tinha que ser ganho e mantido dentro da ordem tradicional da sociedade. O poder e a riqueza hereditários continuarem a exercer uma influência considerável. Vários ataques institucionais foram feitos contra clãs rivais por parte de tribos políticas/nobres em associação com tribos sacerdotais. Vários programas de opressão religiosa foram tentados às vezes também. Ainda assim a rebelião foi fomentada, de tempos em tempos, contra a ordem política por parte de clãs não-nobres que formariam sindicatos criminosos (e assim tribos rivais).
Ao longo do tempo os políticos aprenderam a lidar com isto de várias maneiras. Conforme poderosos rivais em potencial foram reconhecidos, eles foram sendo encorajados a formar associações tribais domesticadas adicionais além da religião - mas não além da lei. Guildas de mercadores, artesãos ou associações profissionais foram reconhecidas, licenciadas e às vezes subsidiadas pelo estado. Uma tribo domesticada especial de burocratas se formou em muitos estados para administrar os detalhes do estado abaixo das mais altas políticas controladas pelos políticos. A noção de uma corporação foi concebida - uma organização econômica que rivalizava o clã ou a tribo em tamanho, licenciada e respondendo ao estado em vez de a laços de parentesco e capaz de operar em qualquer campo de atividade. Indivíduos que se juntavam a estas tribos domesticadas eram encorajados a se envolverem profundamente nelas e a desenvolverem lealdades fortes a elas, que rivalizariam (e sempre que possível colocariam de lado) as lealdades de parentes de sangue. Os políticos começaram a fomentar a noção de que não apenas a tribo, mas agora também o clã, eram indesejáveis. Os políticos não podiam exatamente proibir os clãs. Não era prático. Mas eles poderiam fazer coisas para desencorajar comportamentos que facilitassem a formação de clãs.
O Ataque Final à Família
Conforme cada vez mais políticos "por esforço próprio" ganharam proeminência sem a ajuda de conexões familiares, surgiu entre eles um desejo de eliminar a concorrência de todo poder embasado na família. Os políticos começarem a extrair apoio dos burocratas do estado e de membros dos clãs "domesticados", especialmente os grupos ocupacionais e corporações (incluindo entidades corporativas "sem fins lucrativos" como universidades). Eventualmente, as famílias nobres foram expulsas do poder em revoluções ou através de uma lenta erosão de seus privilégios. Famílias cujo poder derivava da riqueza herdada foram sujeitas à tributação crescente. Leis foram instituídas para desencorajar o nepotismo na burocracia do estado.
A noção do "ideal de família" mencionada acima tem sido usada primariamente como uma maneira de impedir que clãs fortes se formem. Clãs (às vezes chamados de "famílias estendidas") são retratados como "antiquados" quando comparados com padrões da "família moderna" (às vezes chamada de "família nuclear"). Nos tempos modernos, foram encorajadas várias forças sociais que enfraqueceriam todas as conexões familiares, mesmo entre pais e crianças pequenas. A mais significativa destas foi implementada através do sistema de escolas públicas. Todos os cidadãos foram tributados para sustentar as escolas estatais, que recrutavam qualquer criança cujos pais não escolhessem, ou simplesmente não pudessem, pagar tanto essas taxas quanto taxas separadas para a educação privada. Dentro das escolas estatais as crianças foram encorajadas a se prepararem para trabalhar em um cenário burocrático, em que sua própria família tinha pouca ou nenhuma influência. Vantagens fiscais e regulatórias dadas à corporações e dinheiro de impostos dado a empresas estatais aumentaram os números de tais empregos grandemente e aumentaram o pagamento daqueles que trabalhavam neles. Enquanto isso, o aumento da carga tributária necessária para financiar essas políticas encorajou ambos os pais na maioria das "famílias nucleares" a trabalhar fora de casa, dando aos pais menos tempo e energia para supervisionar seus filhos. As crianças mais novas são enviadas para creches. Crianças mais velhas são recrutadas para times esportivos ou para as audiências de times esportivos, onde sua tendência a formar fortes lealdades de grupo é canalizada em direção a organizações atribuídas pelo estado. Quando adultas, este treinamento encoraja os indivíduos a verem os esportes como a única maneira apropriada de desafogar um desejo por competitividade em grupo, até que o estado esteja pronto para canalizar esta energia em uma guerra.
Nas sociedades industriais modernas, a lista de tribos domesticadas patrocinadas pelo estado se tornou gigantesca. Os políticos começaram a ver menos necessidades para o tribalismo embasado na religião e começaram a espremer os líderes religiosos para fora da aliança no topo da hierarquia política. Em um contra-ataque contra os políticos, muitos líderes religiosos começaram a se retratar como defensores conservadores da "família". Mas isto pode ser tão enganoso quanto o esforço do político de desviar os indivíduos para relações pseudo-familiares sustentadas pelo estado. A ênfase no casal casado com filhos que os dão líderes religiosos tende a escamotear filiações de sangue do tamanho de clãs. Em vez disso, os líderes religiosos querem uma estrutura em que cada família nuclear está associada com uma "congregação" religiosa do tamanho de um clã que, por sua vez, está associada com uma "denominação" maior do tamanho tribal. Nenhum líder religioso diz que clãs são ruins, mas são rápidos em afirmar que a lealdade às tradições da denominação religiosa deveria ter precedência sobre a lealdade aos parentes de sangue se um conflito entre estas duas ocorrer. "Famílias nucleares" não são realmente a fundação da sociedade neste modelo; elas são apenas outro exemplo de uma unidade familiar domesticada. Basicamente, estes "conservadores religiosos" estão menos preocupados em construir famílias fortes do que estão em construir uma ordem política para rivalizar com aquela dos políticos, baseada em estruturas sociais religiosas em vez de estruturas sociais estatais. E eles não são realmente opostos aos ditames estatistas para indivíduos ou para famílias. Estes líderes religiosos simplesmente desejam reorganizar o estado de modo que ele seja dominado por suas próprias instituições e de modo que o estado seja controlado por políticos com afiliações religiosas em vez dos políticos de propósito mais geral que atualmente dominam a maioria das sociedades industriais.
Assim se conclui minha discussão da história da família e das influências sobre a estrutura familiar que uma nação livre não conteria - as influências de um estado. Como a remoção da influência estatal faria diferença?
Famílias em uma Nação Livre
A emergência de uma nação livre não será simplesmente uma questão daqueles que acreditam nela escolherem criar uma. Mudanças tecnológicas e econômicas têm que continuar, continuam e continuarão a fornecer um ambiente cada vez mais adequado para comunidades sem estado. Podemos ver isto chegando uma vez que, em todo o mundo, há cada vez menos a percepção de se precisa de um protetor militar para não morrer de fome. E sem o apoio de cidadãos que sintam que eles têm que ter proteção militar, se torna mais difícil para um estado incutir o medo necessário para coagir o apoio de todas as outras pessoas. Então associações voluntárias, incluindo associações familiares, se tornarão mais comuns.
É provável que, em uma nação livre, alguns indivíduos escolham formas famílias moldadas sobre o modelo idealizado de família nuclear atualmente promovido por políticos em muitos estados. Outros poderiam adotar padrões muito similares àquelas de caçadores-coletores. Outros ainda provavelmente formarão afiliações familiares do tamanho de clãs ou de tribos. Não podemos prever exatamente como isso acontecerá. Mas podemos observar como, na ausência da coerção estatal, muitos padrões familiares parecerão mais atraentes do que o são agora.
A educação era originalmente um processo muito informal, fornecido exclusivamente pela família. Na maior parte das sociedades modernas, o estado recruta uma maioria das crianças para um sistema educacional administrado pelo estado. Em uma nação livre, mais pessoas escolheriam fornecer às suas próprias crianças uma educação com base familiar. A família pode ser organizada como uma família nuclear, mas poderia também ser uma família estendida ou clã. E, se for assim, o clã poderia não estar limitado a parentes de sangue, mas poderia ser embasado em laços de religião, residência ou afiliação ocupacional. Comunidades do tamanho de clãs intimamente associadas podem até ser organizadas simplesmente para oferecer oportunidades educacionais de qualidade para as crianças.
A produtividade econômica foi, em muitas épocas e lugares, coordenada pelas famílias. Fazendas familiares, empresas familiares e outras ocupações familiares tradicionais ainda desempenham uma parte reduzida nas economias modernas. Seria razoável esperar mais dessas em uma nação livre. Empresas familiares do tamanho de clãs poderiam se tornar muito comuns. Adicionalmente, os padrões de assistência financeira entre membros da família poderiam se tornar mais comuns do que são nas sociedades estatistas modernas. Muitos imigrantes, especialmente os asiáticos, com fortes tradições de clãs acham possível se alçarem à prosperidade nas economias industriais do Ocidente, congregando suas poupanças e investindo estas em empresas familiares.
Novas tecnologias aumentaram as oportunidades para indivíduos prosperarem conduzindo atividades profissionais com parceiros de negócios muito distantes. Até muito recentemente, os indivíduos frequentemente precisavam realocar suas residências para longe das raízes familiares tradicionais a fim de perseguir carreiras atraentes. Agora carreiras em espaço virtual permitem negócios em casa. Pessoas que desejam manter contato com parentes de sangue ou que desejam formas novas famílias com laços não-sanguíneos podem mais facilmente residir com sua escolha de membros da família, independentemente de com quem fazem negócios. Para estas pessoas, empresas familiares podem não ser atraentes, mas muitos membros da família poderiam morar a distâncias caminháveis uns dos outros. Clãs embasados em um estilo de vida comum reforçado pela residência comum poderiam se tornar populares desta forma. O zoneamento imobiliário do estado torna isto impraticável na maioria das áreas residenciais das sociedades industriais modernas, mas uma nação livre poderia ser bastante diferente.
Além de educação e habitação, os clãs podem se beneficiar de compra comum de outros bens e serviços. Considere, por exemplo, um plano de saúde em grupo para uma família muito grande. Números absolutos podem conseguir uma taxa de seguro melhor para o grupo. Adicionalmente, vários serviços de atendimento domiciliar poderiam ser arranjados mais eficientemente. O cuidado de todas as faixas etárias seria reforçado pelo fato de que a anamnese seria de conhecimento comum e pelo fato de que a atenção domiciliar para os familiares incapacitados poderia ser fornecida ao fazer com que vários dos outros membros tirassem um pouco de tempo livre cada um para ajudar. Nos estados-nações modernos as leis frequentemente dão a grupos com licenças de incorporação emitidas pelo estado um tratamento favorável do qual as famílias poderiam gozar se permitidas negociar arranjos completamente voluntários com profissionais e seguradoras de saúde.
Questões de estilo de vida estão, claro, muito mais abertas à escolha individual em uma nação em que o estado não usa impostos e regulamentação para favorecer um conjunto de práticas sobre outra. Nós na América temos todos familiaridade com controvérsias modernas sobre práticas de casamento "modernas". Mas devemos também considerar como possibilidade os muitos costumes seguidos pelas famílias humanas desde os dias dos caçadores-coletores. E, conforme fizermos isso, veremos que provavelmente haverá muito mais inovações enquanto novas famílias emergem para enfrentar os desafios dos tempos futuros. Se você estiver interessada em estimular sua imaginação sobre este ponto, apenas encontre um livro sobre "tradições de parentesco" na seção de antropologia de uma boa biblioteca. Você verá que, como eu mencionei no começo deste ensaio, a lista de possibilidades é gigante.
O ponto de uma nação livre, no entanto, é exatamente esse - tornar toda uma lista do que foi voluntariamente escolhido no passado, assim como qualquer arranjo voluntário concebido no futuro, disponível para cada indivíduo. Δ