Proudhon sobre liberdade e livre arbítrio
por Shawn Wilbur
Estou trabalhando na tradução do capítulo de Proudhon (em Justiça na Revolução e na Igreja) sobre "A Natureza e Função da Liberdade". É uma peça chave em sua obra em geral e inclui uma explicação da natureza e função do "livre arbítrio", junto com algumas sugestões sobre como essa explicação se ampliaria para a esfera da liberdade social ou política. Lembre-se que Proudhon estava, desde as primeiras obras, preocupado com a "força coletiva" que surge da produção associada e excede o poder produtivo dos indivíduos envolvidos fora da associação. Seus primeiros ataques à propriedade repousavam em grande parte no fato de que muito dos "frutos do trabalho", acima e além da subsistência, eram, na verdade, o produto desta força coletiva de um ser coletivo, em vez do produto de indivíduos, de modo que a propriedade privada deveria ser entendida como um domínio privado sobre produções essencialmente "públicas". Como era frequentemente o caso, a intuição inicial de Proudhon permaneceu parte de seu sistema maduro, mas ele veio a entender suas consequência de maneira diferente. Começando com uma versão substancialmente readaptada da monadologia de Leibniz, Proudhon veio a pensar todos os seres (definidos de maneira bem ampla) como sendo individuais apenas em virtude de serem, primeiro, um grupo, organizado ou associado de acordo com uma lei do ser (ou talvez do devir). Dentro do grupo, cada elemento tenderia a agir de acordo com uma necessidade particular, mas estas necessidades não necessariamente agiriam em conjunto. Na verdade, o contrário parecia a Proudhon ser algo como uma lei da natureza: suas antinomias eram a manifestação constante de contra-princípios e contra-necessidades, manifestações mesmo de uma espécia daquela "justiça imanente" que se tornou um dos princípios orientadores de Proudhon (junto com a soberania individual e o federalismo). O conflito de forças e necessidades era a fonte da força coletiva do grupo-enquanto-indivíduo, e a quantidade desta força se traduzia em uma quantidade de liberdade. Liberdade e necessidade coexistem e se alimentam uma à outra de várias maneiras. O jogo das necessidades, quando forte e complexo, abre espaços de liberdade em um nível, que se manifestam como grandes forças, guiadas por uma necessidade ou absolutismo de uma ordem mais alta, que podem, por sua vez, contribuir para uma liberdade de ordem mais alta, e assim por diante...
A conexão da força coletiva e de seus produtos com a liberdade obviamente muda e mesmo aumentam as apostas em relação a questões como a propriedade. Proudhon veio a defender a propriedade para seres humanos - livres absolutos, capazes de auto-reflexão e, assim, de auto-melhoria e progresso, através da aproximação, em direção a uma justiça cada vez maior - porque parecia prover o espaço necessário para que eles exercitassem seus poderes enquanto seres éticos. Há muitas peças neste quebra-cabeça, espalhadas pelos escritos de Proudhon, mas aqui estão alguns parágrafos de resumo que nos ajudam a molhar os pés nesta coisa. Perdão pela imperfeição da tradução, que está decididamente em progresso.
Vamos resumir esta teoria:
1. O princípio da necessidade não é suficiente para explicar o universo: ele implica contradição.
2. O conceito do Absoluto absoluto, que serve como fundamento para a teoria espinozista, é inadmissível: ele chega a conclusões além daquelas que os fenômenos admitem e pode ser considerado tanto o mais como um dado metafísico aguardando a confirmação da experiência, mas que deve ser abandonado por medo de que a experiência seja contrária a ele, o que é precisamente o caso.
3. A concepção panteísta do universo, ou de um melhor mundo possível servindo como expressão (natura naturata) do Absoluto absoluto (natura naturans), é igualmente ilegítima: ela chega a conclusões contrárias às relações observadas, que, como um todo e especialmente em seus detalhes, nos mostra os sistemas de coisas sob um aspecto completamente diferente.
Estas três negações fundamentais clamam por uma princípio complementar e abrem o campo para uma nova teoria, da qual agora é apenas uma questão de descobrir os termos.
4. A liberdade, ou livre arbítrio, é uma concepção da mente, formada em oposição à necessidade, ao Absoluto absoluto, e à noção de uma harmonia pré-estabelecida ou melhor mundo, com o objetivo de fazer sentido de fatos não explicados pelo princípio da necessidade, auxiliado pelos dois outros, e para tornar possível a ciência da natureza e da humanidade.
5. Ora, como todas as concepções da mente, como a própria necessidade, este novo princípio é combatido [frappé: atingido, afligido] pela antinomia, o que significa que, sozinho, ele não é mais suficiente para a explicação do homem e da natureza: é necessário, de acordo com a lei da mente, que é a primeira lei da criação, que este princípio seja equilibrado contra seu oposto, a necessidade, com o qual ele forma a primeira antinomia, a polaridade do universo.
Desta forma, necessidade e liberdade, antiteticamente unidas, são dadas a priori, pela metafísica e pela experiência, como a condição essencial de toda existência, todo movimento, de cada fim, começando com cada corpo de conhecimento e cada moralidade.
6. O que, então, é liberdade ou livre arbítrio? O poder de coletividade do indivíduo. Através dele, o homem, que é de uma só vez matéria, vida e mente, se liberta de toda fatalidade, quer física, emocional ou intelectual, subordina as coisas a si mesmo, se eleva, através do sublime e do belo, para fora dos limites da realidade e do pensamento, faz um instrumento das leis da razão, assim como daquelas da natureza, estabelece como meta de sua atividade a transformação do mundo de acordo com seu ideal e se devota a sua própria glória como um fim.
7. De acordo com essa definição de liberdade, pode-se dizer, raciocinando-se por analogia, que em todo ser organizado ou simplesmente coletivo, a força resultante é a liberdade do ser; de uma maneira tal que quanto mais o ser - cristal, planta ou animal - se aproxima do tipo humano, maior a liberdade nele será, maior o escopo de seu livre arbítrio. Entre os próprios homens, o livre arbítrio se mostra mais energético conforme os elementos que dão origem a ele são, eles mesmos, mais desenvolvidos em poder: filosofia, ciência, indústria, economia, lei. É por isto que a história, redutível a um sistema por seu lado fatal, se mostra progressiva, idealista e superior à teoria do lado do livre arbítrio, a filosofia da arte e da história tendo em comum que a razão das coisas, que serve como seu critério, é, não obstante, impotente para explicar todo seu conteúdo.
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