sexta-feira, 21 de abril de 2017

Combatendo O Ódio: Um Guia Esquerdista Radical Para O Controle De Armas (Parte 1)

Combatendo O Ódio: Um Guia Esquerdista Radical Para O Controle De Armas (Parte 1)


O controle de armas é uma grande questão para muitos esquerdistas. O Partido Democrata tem feito campanha há anos com base em uma plataforma de controle de armas. Tais medidas, eles afirmam, são apenas caminhos para reduzir a violência gerada pelas armas e para salvar vidas. Eles alegam que estão fazendo isso para salvar as vidas de pessoas negras, pardas e de baixa renda. Eles alegam que estão tentando salvar as pessoas LGBTQ. Mas o controle de armas realmente está ajudando as pessoas marginalizadas?

Com a ascensão do movimento alt-right, o surto de crimes de ódio, práticas policiais racistas e uma islamofobia desenfreada, o mundo continua provando ser um lugar perigoso. A propaganda da Guerra ao Terror contribui para os ataques contra muçulmanos, árabes e mesmo aqueles que são meramente percebidos como tais por racistas ignorantes que são incapazes de dizer a diferença entre alguém de descendência árabe e alguém que seja latinx, indianx ou que de alguma maneira tenha pele parda. O medo de perder o emprego é desencaminhado para o ódio contra mexicanxs e outros povos latinxs. Terroristas domésticos alvejam pessoas queer de cor. Auto proclamados “ativistas dos direitos dos homens” fazem turnês dando palestras em faculdades e dão entrevistas para a mídia sobre os males do feminismo enquanto trivializam e até mesmo justificam abusos sexuais, estupros e violência contra mulheres, assim criando ambientes inseguros e pouco acolhedores. Práticas policiais intolerantes ainda visam desproporcionalmente as pessoas indígenas, negras, pardas e trans. E com muitos na alt-right e nos movimentos supremacistas brancos e seus apoiadores abertamente aplaudindo a vitória presidencial de Trump como uma vitória deles e de suas crenças, nós temos visto apenas uma ascensão nos crimes de ódio, e esta é uma tendência que se prevê que continue.

Então aqui se faz necessária a pergunta: como nós combatemos crimes de ódio e protegemos comunidades marginalizadas? Muitos acreditam que leis de crimes de ódio ajudam a frear os índices desse tipo de crime e a proteger pessoas marginalizadas, mas os grupos de direito civis tais como Queers for Economic Justice, The Audrey Lorde Project, The Sylvia Rivera Law Project, e Against Equality, discordam:

De forma simples e direta, a legislação contra crimes de ódio aumenta o poder e a força do sistema prisional, ao deter mais e mais pessoas por maiores períodos de tempo. Pessoas trans, pessoas de cor e outros grupos marginalizados são desproporcionalmente encarcerados num grau esmagador. Pessoas trans e pessoas que não se conformam às normas de gênero, particularmente mulheres trans de cor, são regularmente fichadas e falsamente presas por fazer nada além de andarem pelas ruas. Se estamos encarcerando aqueles que cometem violência contra comunidades ou indivíduos marginalizados, então os colocamos atrás de muros onde eles podem continuar a atingir essas mesmas pessoas. Não é no melhor interesse das comunidades marginalizadas depender de um sistema que já comete tal grande violência para então protegê-las.

Com movimentos como o Black Lives Matter, protestos contra a militarização da polícia, a onda atual de greves prisionais acontecendo por todo o país e mesmo o lançamento do documentário original da Netflix 13th, os sistemas policiais e prisionais estão sendo postos às vistas do público e muitos estão percebendo a intolerância inerente a esses sistemas e defendendo tudo, desde uma completa revisão e reconstrução até a total abolição do estado policial e do complexo prisional-industrial. Sendo cada vez mais claro que indivíduos marginalizados não podem contar com esses sistemas para se proteger do ódio, muitos estão procurando por outras soluções para se protegerem.

Para encontrar tais soluções, muitos estão se debruçando sobre exemplos históricos e contemporâneos estabelecidos por grupos de direitos civis através dos tempos. O Deacons for Defense and Justice, a Black Armed Guard, o Fruit of Islam e as Muslim Girls Training,  o Black Panther Party for Self-Defense, o Red Guard Party, os Brown Berets, os Young Lords, os Young Patriots, o American Indian Movement, Brothas Against Racist Cops, Black Guns Matter, o John Brown Gun Club/Redneck Revolt, a John Brown Militia, o Huey P. Newton Gun Club, o Sylvia Rivera Gun Club for Self-Defense, o Indigenous People’s Liberation Front e os Pink Pistols todos fornecem exemplos de comunidades marginalizadas e seus apoiadores utilizando armas de fogo para autodefesa e para a defesa de outros contra crimes de ódio, proteção contra a polícia e como um modo de desafiar a opressão através do espectro político. Nas palavras de Huey P. Newton, “nós nunca defendemos a violência; a violência é infligida sobre nós. Mas nós acreditamos em autodefesa para nós mesmos e para o povo negro [e todas as pessoas marginalizadas]”.

Mas o controle de armas “senso comum” não ajuda a proteger comunidades marginalizadas? Bem, de forma simples e direta, não, não ajuda. Na verdade, a maior parte do controle de armas tem o efeito oposto, deixando comunidades marginalizadas desarmadas e sem defesa em meio a violência. O controle de armas, na verdade, tem uma história bastante racista. Muitas das primeiras leis de armamento decretadas pelo governo americano eram para impedir escravos e pessoas negras libertas de possuírem ou carregarem armas de fogo, exceto sob supervisão de seus senhores, pelo medo de rebeliões de escravos. As revoltas comandadas por John Brown e outros e os exércitos de escravos formados durante a Guerra Civil tornaram seus medos realidade. Para aqueles que foram escravizados, armas significavam liberdade. Décadas depois, durante o auge dos movimentos de direitos civis negros e de libertação, Martin Luther King Jr. teve seu porte de armas negado depois que sua casa foi incendiada em 1956, Malcom X encorajou afro-americanos a se defenderem usando qualquer meio necessário, os Panteras Negras realizavam marchas portando armas e a National Rifle Association mergulhou em políticas de armas pela primeira vez.

Em sua fundação, a NRA era meramente o que o nome implica: uma associação de rifles ou um clube de armas. Os membros estavam mais preocupados em ensinar uns aos outros a como atirar do que com política, mas com medo dos Panteras Negras, a NRA ajudou Ronald Reagan a aprovar um projeto de controle de armas conhecido como a Lei Mulford. É isso mesmo, a NRA começou sua carreira política lutando pelo controle de armas motivado pelo seu medo racista. Desde então, o conhecido controle de armas “senso comum” tem estado sob o domínio da esquerda, mas com uma virada autoproclamada anti-intolerante. E, ainda assim, suas medidas sobre o controle de armas são baseadas principalmente em coisas como checar antecedentes criminais e análise de saúde mental. Mas, numa sociedade onde pessoas marginalizadas são comumente alvejadas pela polícia e se tornam vítimas do sistema prisional sendo assim rotuladas, de forma injusta e desproporcional, como criminosas mesmo por crimes não violentos ou por tentar se defender, a checagem de antecedentes criminais leva ao desarmamento das comunidades marginalizadas. Numa sociedade em que pessoas marginalizadas estão mais propensas a sofrerem traumas horríveis e violência, elas são desproporcionalmente deixadas a lidar com problemas de saúde mental e continuarão sendo impedidas de serem capazes de se defenderem de mais violência, quando ter problemas de saúde mental é um pré-requisito para se ter negado o direito de possuir uma arma de fogo. Deixá-las sem defesas apenas as deixam abertas a sofrerem mais violência, mais trauma e, por consequência, mais problemas de saúde mental. Medidas de controle de armas que impedem a compra de armas por atacado ou de certas categorias de arma de fogo apenas significam que o governo e suas forças (a polícia, os militares, etc.) têm um monopólio sobre essas armas, nos deixando sem defesa em face à violência estatal. As táticas de controle, como taxar a venda de munição, recaem apenas sobre os pobres, os deixando sem defesa em face ao crime, ao invés de prevenir o próprio crime.

Ok, então armas são mais efetivas na defesa contra crimes de ódio do que leis de crimes de ódio, mas o que fazemos para nos proteger contra tiroteios em massa e outras formas de violência causada por armas? E esta é uma preocupação real. Mas, como o velho ditado diz, “armas não matam pessoas, pessoas matam pessoas”, então talvez seja hora de nós focarmos nas pessoas que cometem esses crimes violentos e abordar as causas de suas ações. Nos ensaios que se seguirão, eu irei expor ideias sobre ações reais que estão sendo tomadas ou que poderiam ser tomadas para coibir a violência por armas e nos proteger contra crimes de ódio, enquanto nos esforçamos para tornar nossas comunidades mais livres e mais seguras contra a violência.

sexta-feira, 7 de abril de 2017

O Anarquismo de Mercado como Constitucionalismo


O Anarquismo de Mercado como Constitucionalismo

Um sistema legal é qualquer instituição ou conjunto de instituições, em uma dada sociedade, que fornece resolução de disputas de uma maneira sistemática e razoavelmente previsível. Ele o faz através do exercício de três funções: a judicial, a legislativa e a executiva. A função judicial, a adjudicação de disputas, é o cerne de qualquer sistema legal; as outras duas são ancilares a esta. A função legislativa é determinar as regras que governarão o processo de adjudicação (esta função pode ser mesclada à função judicial, como quando a jurisprudência surge através de precedentes, ou ela pode ser exercida separadamente), ao passo que a função executiva é assegurar a submissão (através de uma variedade de meios, que podem ou não incluir violência) ao processo adjudicativo e o cumprimento de seus vereditos. Um governo ou estado (para os presentes propósitos, eu usarei esses termos de maneira intercambiável) é qualquer organização que reivindica, e em grande parte efetua, um monopólio forçosamente mantido, dentro de um dado território geográfico, dessas funções legais e, em particular, do uso da força na função executiva.
Ora, a objeção anarquista de mercado ao governo é simplesmente uma extensão lógica da objeção libertária padrão a monopólios coercitivos em geral. Primeiro, de um ponto de vista moral, entre pessoas consideradas como iguais, não pode ser legítimo que alguns reivindiquem uma certa linha de trabalho como sua reserva privilegiada própria, da qual os outros devem ser forçosamente excluídos; não acreditamos mais no direito divino dos reis, e sobre nenhuma outra base tal desigualdade de direitos poderia ser justificada. Segundo, de um ponto de vista econômico, uma vez que monopólios ficam isolados da competição do mercado e mantém seus clientes à força, eles carecem tanto da informação quanto do incentivo para fornecer aos consumidores um serviço justo, eficiente e barato. O anarquista aceita estes argumentos e meramente pergunta por que eles deveriam se aplicar com menos força à provisão de serviços legais.