sexta-feira, 15 de maio de 2015

Qual o Sentido Se Não Podemos Nos Divertir?

Qual o Sentido Se Não Podemos Nos Divertir?

Minha amiga June Thunderstorm e eu uma vez passamos meia hora sentads em uma campina próxima a um lago de montanha, assistindo a uma lagarta se balançar do alto de um talo de grama, se torcer em todas a direções possíveis, e então saltar para o próximo talo e fazer a mesma coisa. E assim ela procedeu, em um vasto círculo, com o que deve ter sido um vasto gasto de energia, pelo que não parecia qualquer razão que fosse.

"Todos os animais brincam", June uma vez me disse. "Mesmo as formigas". Ela tinha passado muitos anos trabalhando como uma jardineira profissional e tinha uma abundância de incidentes como este para observar e ponderar. "Olha", ele disse, com um ar de triunfo modesto. "Vê o que eu quero dizer?".

A maioria de nós, ao ouvir esta história, insistiria em provas. Como sabemos que a lagarta estava brincando? Talvez os círculos invisíveis que ela traçava no ar eram, na verdade, apenas uma busca por algum tipo desconhecido de presa. Ou um ritual de acasalamento. Podemos provar que não eram? Mesmo se a lagarta estivesse brincando, como sabemos que esta forma de brincadeira não servia a algum propósito, em última análise, prático: execício, ou auto-treinamento para alguma emergência de lagarta futura?

Esta seria a reação da maioria ds etólogs profissionais também. De maneira geral, uma análise do comportamento animal não é considerada científica a menos que se assuma que o animal, pelo menos tacitamente, esteja operando de acordo com os mesmos cálculos de meios/fim que se aplicaria a transações econômicas. Sob esta suposição, um gasto de energia deve estar direcionado a alguma meta, seja ela obter comida, assegurar território, alcançar uma posição dominante, ou maximizar o sucesso reprodutivo - a menos que se possa provar de maneira absoluta que não é, e provas absolutas em tais assuntos são, como se poderia imaginar, muito difíceis de se obter.

Devo enfatizar aqui que não importa realmente que tipo de teoria de motivação animal uma cientista possa cogitar: o que ela acredita que um animal esteja pensando, quer ela pense que um animal possa ser dito estar "pensando" qualquer coisa que seja. Não estou dizendo que etólogs realmente acreditam que animais são simplesmente máquinas de cálculo racional. Estou simplesmente dizendo que etólogs se fecharam em um mundo em que ser científico significa oferecer uma explicação do comportamento em termos racionais - o que por sua vez significa descrever um animal como se ele fosse um agente econômico tentando maximizar algum tipo de auto-interesse - qualquer que possa ser sua teoria da psicologia ou motivação animal.

É por isso que a existência da brincadeira animal é considerada algo como um escândalo intelectual. Ela é pouca estudada, e aquels que de fato a estudam são vists como levemente excêntrics. Assim como com muitas noções ameaçadoras e especulativas, critérios difíceis de satisfazer são introduzidos para que se prove que a brincadeira animal existe e, mesmo quando ela é reconhecida, a pesquisa, mais frequentemente do que não, canibaliza seus próprios entendimentos ao tentar demonstrar que a brincadeira deve ter alguma função de sobrevivência ou reprodutiva de longo prazo.

Apesar de tudo isto, aquels que realmente olham para o assunto são invariavelmente forçads à conclusão de que a brincadeira existe por todo o universo animal. E existe não apenas entre criaturas notoriamente frívolas como macacos, golfinhos, ou cachorrinhos, mas entre espécies improváveis como sapos, peixinhos, salamandras, caranguejos-violinistas e, sim, até formigas - que não apenas se engajam em atividades frívolas enquanto indivíduos, mas também já foram observadas, desde o século XIX, organizando guerras de mentira, aparentemente apenas pela diversão.

Por que os animais brincam? Bem, por que não deveriam? A verdadeira questão é: Por que a existência de ações executadas pelo puro prazer de agir, a exerção de poderes pelo puro prazer de exercê-los, nos parecem misteriosas? O que nos diz sobre nós mesmos que nos instintivamente assumimos que seja?

Sobrevivência dos Desajustados


A tendência no pensamento popular a ver o mundo biológico em termos econômicos estava presente nos primórdios da ciência Darwiniana no século XIX. Charles Darwin, afinal, tomou emprestado o termo "sobrevivência do mais apto" do sociólogo Herbert Spencer, aquele querido dos barões gatunos. Spencer, por sua vez, ficou impressionado pelo quanto as forças que guiavam a seleção natural na Origem das Espécies combinavam com suas próprias teorias econômicas laissez-faire. A competição por recursos, o cálculo racional da vantagem, e a extinção gradual dos fracos foram tomadas como sendo as diretivas primárias do universo.

As apostas desta nova visão da natureza como o teatro de uma luta brutal pela existência eram altas, e objeções foram registradas bem cedo. Um escola alternativa de Darwinismo emergiu na Rússia enfatizando a cooperação, não a competição, como a condutora da mudança evolutiva. Em 1902 está abordagem encontrou uma voz em um livro popular, Ajuda Mútua: Um fator de Evolução, do naturalista e panfletista anarquista revolucionário Peter Kropotkin. Em uma réplica explícita aos Darwinistas sociais, Kropotkin argumentava que toda a base teórica para o Darwinismo Social estava errada: aquelas espécies que cooperam mais eficientemente tendem a ser as mais competitivas no longo prazo. Kropotkin, nascido príncipe (ele renunciou a seu título enquanto rapaz), passou muitos anos na Sibéria como naturalista e explorador antes de ser preso por agitação revolucionária, escapar, e fugir para Londres. Ajuda Mútua cresceu a partir de uma série de ensaios escritos em resposta a Thomas Henry Huxley, um renomado Darwinista Social, e resumia o entendimento Russo da época, que era de que, ao passo que a competição era, sem dúvida, um fator que guiava a evolução tanto natural quanto social, o papel da cooperação era, em última análise, decisivo.

O desafio russo foi levado bastante a sério na biologia do século XX - particularmente entre a emergente subdisciplina da psicologia evolucionária - mesmo que fosse raramente mencionado por nome. Em vez disso, veio a ser subsumido sob o mais amplo "problema do altruísmo" - outra frase emprestada ds economistas, e uma que transborda em argumentos entre teórics da "escolha racional" nas ciências sociais. Esta era a questão que já perturbava Darwin: Por que os animais jamais deveriam sacrificar sua vantagem individual pelos outros? Porque ninguém pode negar que às vezes eles o fazem. Por que um animal gregário atrairia atenção potencialmente letal para si mesmo ao alertar seus companheiros que um predador está vindo? Por que abelhas operárias se matariam para proteger sua colmeia? Se promover uma explicação científica de qualquer comportamento significa atribuir motivos racionais e maximizadores, então o que, precisamente, uma abelha camicaze estava tentando maximizar?

Tods nós sabemos a resposta eventual, que a descoberta dos genes tornou possível. Os animais estavam simplesmente tentando maximizar a propagação de seus próprios códigos genéticos. Curiosamente, esta visão - que eventualmente veio a ser referida como neo-Darwinismo - foi desenvolvida largamente por figuras que se consideravam radicais de um tipo ou de outro. Jack Haldane, um biólogo marxista, já estava tentando incomodar moralistas nos anos 1930, gracejando que, como qualquer entidade biológica, ele estaria feliz em sacrificar sua vida por "dois irmãos ou oito primos". A epítome desta linha de pensamento veio com o livro O Gene Egoísta do ateu militante Richard Dawkins - uma obra que insistia que todas as entidades biológicas eram melhor concebidas como "robôs desajeitados", programados por códigos genéticos que, por alguma razão que ninguém podia explicar bem, agiam como "gangsters bem sucedidos de Chicago", expandindo impiedosamente seu território em um desejo interminável de propagar a si mesmos. Tais descrições foram tipicamente qualificadas por observações como "Claro, isto é apenas uma metáfora, genes não querem ou fazem nada de fato". Mas na verdade, neo-Darwinistas foram praticamente guiads até suas conclusões por sua suposição inicial: de que a ciência demanda um explicação racional, que isto significa atribuir motivos racionais a todo comportamento, e que uma motivação verdadeiramente racional pode ser apenas uma que, se observada em humanos, seria normalmente descrita como egoísmo ou ganância. Como resultado, neo-Darwinistas foram ainda mais longe do que a variedade Vitoriana. Se Darwinistas Sociais da velha guarda como Herbert Spencer viam a natureza como um mercado, embora um extraordinariamente cruel, a nova versão era completamente capitalista. Neo-Darwinistas assumiam não apenas uma luta pela sobrevivência, mas um universo de cálculo racional guiado por um imperativo aparentemente irracional ao crescimento ilimitado.

Isto, no entanto, é como o desafio russo foi entendido. O real argumento de Kropotkin é bem mais interessante. Muito dele, por exemplo, está preocupado com como a cooperação animal frequentemente não tem nada a ver com sobrevivência ou reprodução, mas é uma forma de prazer em si mesma. "Alçar voo em bandos meramente pelo prazer é bastante comum entre todos os tipos de pássaros", ele escreve. Kropotkin multiplica exemplos de brincadeiras sociais: pares de urubus girando em círculos para seu próprio entretenimento, lebres tão ansiosas por boxear com outras espécies que ocasionalmente (e imprudentemente) se aproximam de raposas, bandos de pássaros realizando manobras em estilo militar, bandos de esquilos se reunindo para brigar e jogos similares:

Sabemos atualmente que todos os animais, começando com as formigas, passando pelos pássaros, e terminando com os mais elevados mamíferos, gostam de brincadeiras, brigas, correr atrás uns dos outros, tentar capturar uns aos outros, provocar uns aos outros, e assim por diante. E, ao passo que muitas brincadeiras são, por assim dizer, uma escola para o comportamento apropriado dos jovens na vida madura, há outras que, a parte de seus propósitos utilitários, são, junto com dançar e cantar, meras manifestações de um excesso de forças - "a alegria da vida", e um desejo de se comunicar de uma forma ou de outra com outros indivíduos da mesma ou de outras espécies - em suma, uma manifestação da sociabilidade propriamente dita, que é uma característica distintiva de todo o mundo animal.

Exercitar suas capacidades em toda sua extensão é ter prazer em sua própria existência, e com criaturas sociáveis, tais prazeres são proporcionalmente magnificados quando desempenhados em companhia. Da perspectiva russa, isto não precisa ser explicado. É simplesmente o que a vida é. Não temos que explicar por que criaturas desejam estar vivas. A vida é um fim em si mesma. E se no que estar vivo realmente consiste é em ter poderes - correr, pular, lutar, voar pelo ar - então certamente o exercício de tais poderes enquanto um fim em si mesmo não tem que ser explicado tampouco. É apenas um extensão do mesmo princípio.

Friedrich Schiller já tinha argumentado em 1795 que era precisamente na brincadeira que encontramos as origens da auto-consciência e, consequentemente, da liberdade e, consequentemente, da moralidade. "O homem brinca apenas quando ele é, no sentido completo da palavra, um homem", Schiller escreveu em seu Cartas Sobre a Educação Estética do Homem, "e ele é completamente um Homem apenas quando ele está brincando". Se é assim, e se Kropotkin estava certo, então vislumbres de liberdade, ou mesmo de vida moral, começam a aparecer em todos os lugares ao nosso redor.

É dificilmente surpreendente, então, que este aspecto do argumento de Kropotkin tenha sido ignorado pels neo-Darwinistas. Ao contrário do "problema do altruísmo", a cooperação por prazer, enquanto um fim em si mesma, simplesmente não poderia ser recuperada para propósitos ideológicos. Na verdade, a versão da luta pela existência que emergiu ao longo do século XX tinha ainda menos espaço para a brincadeira que a antiga versão Vitoriana. O próprio Herbert Spencer não tinha qualquer problema com a ideia da brincadeira animal enquanto sem propósito, um mero gozo de energia excedente. Assim como um industrialista ou vendedor de sucesso poderia ir pra casa e jogar um bom jogo de cribbage ou de polo, por que aqueles animais que foram bem sucedidos na luta pela existência não poderiam também se divertir um pouco? Mas na nova versão de evolução, completamente capitalista, em que o impulso para a acumulação não tinha quaisquer limites, a vida não era mais um fim em si mesma, mas um mero instrumento para a propagação de sequências de DNA - e assim a própria existência da brincadeira seria algo como um escândalo.

Por Que Eu?


Não é apenas que cientistas estão relutantes em seguir um caminho que poderia levá-los a ver a brincadeira - e, portanto, as sementes da auto-consciência, da liberdade, e da vida moral - entre animais. Muits estão achando cada vez mais difícil apresentar justificativas para atribuir quaisquer destas coisas mesmo a seres humanos. Uma vez que você reduz todos os seres vivos ao equivalente de agentes de mercado, máquinas de cálculo racional tentando propagar seu código genético, você aceita que não apenas as células que constituem nossos corpos, mas quaisquer seres que tenham sido nossos ancestrais imediatos, careciam de qualquer coisa sequer remotamente parecida com auto-consciência, liberdade, ou vida moral - o que torna difícil entender como ou por que a consciência (uma mente, uma alma) poderia jamais ter evoluído em primeiro lugar.

O filósofo americano Daniel Dennett coloca o problema de forma bastante lúcida. Tome as lagostas, ele argumenta - elas são apenas robôs. Lagostas conseguem se virar sem qualquer senso que seja de eu. Você não pode perguntar como é ser uma lagosta. Não é como qualquer coisa. Elas não tem nada que sequer lembre consciência; elas são máquinas. Mas se isto é assim, Dannett argumenta, então o mesmo deve ser assumido para toda a escala evolutiva de complexidade, desde as células vivas que constituem nossos corpos a tais criaturas elaboradas como macacos e elefantes, que, apesar de suas qualidades aparentemente semelhantes às humanas, não se pode provar que pensem sobre o que fazem. Isto é, até que, de repente, Dennett chega aos humanos, que - embora eles estejam certamente planando por aí no piloto automático pelo menos 95 por cento do tempo - não obstante, realmente parecem ter este "eu", este ego consciente enxertado no topo de si, que ocasionalmente aparece para tomar conhecimento de supervisão, intervindo para dizer ao sistema para que procure um novo emprego, pare de fumar, ou escreva um artigo acadêmico sobre as origens da consciência. Na formulação de Dannett,

Sim, nós temos uma alma. Mas ela é feita de muitos robôs minúsculos. De alguma forma, os trilhões de células robóticas (e sem consciência) que compõem nossos corpos organizam a si mesmas em sistemas interativos que sustentam as atividades tradicionalmente alocadas à alma, ao ego ou eu. Mas uma vez que já concedemos que simples robôs são inconscientes (se torradeiras e termostatos e telefones são inconscientes), por que times de tais robôs não poderiam fazer seus projetos mais requintados sem ter de me compôr? Se o sistema imunológico tem uma mente própria, e o circuito de coordenação olho-mão que colhe frutos tem uma mente própria, por que se preocupar em criar uma super-mente para supervisionar tudo isto?

A resposta do próprio Dannett não é particularmente convincente: ele sugere que desenvolvemos consciência para que possamos mentir, o que nos dá uma vantagem evolutiva. (Se é assim, as raposas não seriam conscientes também?) Mas a questão fica mais difícil em uma ordem de magnitude quando você pergunta como acontece - o "problema difícil da consciência", como David Chalmers a chama. Como células e sistemas aparentemente robóticos se combinam de tal forma quanto a ter experiências qualitativas: sentir umidade, saborear vinho, adorar cumbia, mas ser indiferente à salsa? Algumas cientistas são honestas o suficiente para admitir que não têm a menor ideia de como explicar experiências como estas, e suspeitam que jamais terão.

O(s) Elétron(s) Dança(m)?


Há uma saída para o dilema, e o primeiro passo é considerar que nosso ponto de partida poderia estar errado. Reconsidere a lagosta. Lagostas tem uma reputação muito ruim entre filósofs, que frequentemente as apresentam como exemplos de criaturas puramente irracionais e insensíveis. Presumivelmente isto é porque lagostas são o único animal que a maioria ds filósfs já matou com suas próprias mãos antes de comer. É desagradável jogar uma criatura se debatendo em uma panela de água fervente; precisa-se ser capaz de dizer a si mesme que a lagosta não está realmente sentido. (A única exceção a este padrão parece ser, por alguma razão, a França, onde Gérard de Nerval costumava levar uma lagosta de estimação para passear com uma coleira e onde Jean-Paul Sartre a certa altura se tornou eroticamente obcecado com lagostas depois de tomar mescalina demais.) Mas na verdade, a observação científica revelou que mesmo lagostas se envolvem em algumas formas de brincadeira - manipular objetos, por exemplo, possivelmente apenas pelo prazer de fazê-lo. Se este é o caso, chamar tais criaturas de "robôs" seria podar o significado da palavra "robô". Máquinas não brincam. Mas se criaturas vivas não são robôs afinal, muitas destas questões aparentemente espinhosas instantaneamente se dissolvem.

O que aconteceria se procedêssemos a partir da perspectiva reversa e concordássemos em tratar a brincadeira não como uma anomalia peculiar, mas como nosso ponto de partida, um princípio já presente não apenas em lagostas e, de fato, em todas as criaturas vivas, mas também em todo nível em que encontramos o que físics, químics e biólogs chamam de "sistemas auto-organizados"?

Isso não é de longe tão louco quanto poderia soar.

Filósofos da ciência, ante o enigma de como a vida poderia emergir da matéria morta ou como seres conscientes poderiam evoluir de micróbios, desenvolveram dois tipos de explicações.

A primeira consiste do que é chamado de emergentismo. O argumento aqui é que, uma vez que um certo nível de complexidade é alcançado, há um tipo de salto qualitativo em que tipos completamente novos de leis físicas podem "emergir" - que têm como premissa o que veio antes, mas não podem ser reduzidas a isso. Desta maneira, as leis da química podem ser ditas emergir da física: as leis da química pressupõem as leis da física, mas não podem ser simplesmente reduzidas a elas. Da mesma maneira, as leis da biologia emergem da química: obviamente precisa-se entender os componentes químicos de um peixe para entender como ele nada, mas os componentes químicos nunca fornecerão uma explicação completa. Da mesma maneira, a mente humana pode ser dita ser emergente das células que a constituem.

Aquels que mantém a segunda posição, usualmente chamada de panpsiquismo ou panexperimentalismo, concordam que tudo isto pode ser verdadeiro, mas argumentam que a emergência não é suficiente. Como o filósofo britânico Galen Strawson recentemente colocou, imaginar que pode-se viajar da matéria insensível para um ser capaz de discutir a existência de matéria insensível em meros dois pulos é simplesmente fazer a emergência realizar trabalho demais. Algo tem que estar já lá, em cada nível de existência material, mesmo aquele de partículas subatômicas - algo, não importa o quão mínimo e embriônico, que faça um pouco das coisas que estamos acostumados a pensar que a vida (e mesmo a mente) fazem - a fim de que algo seja organizado em níveis cada vez mais complexos para eventualmente produzir seres auto-conscientes. Este "algo" poderia ser muito mínimo, de fato: algum senso muito rudimentar de responsividade a seu ambiente, algo como antecipação, algo como memória. Não importa o quão rudimentar, teria que existir para que sistemas auto-organizados como átomos ou moléculas se auto-organizassem em primeiro lugar.

Todos os tipos de questões estão em jogo no debate, incluindo o venerável problema do livre arbítrio. Como inúmers adolescentes já ponderaram - frequentemente quando chapads e contemplando os mistérios do universo - se os movimentos das partículas que constituem nossos cérebro já estão determinados pelas leis naturais, então como podemos dizer que temos livre arbítrio? A resposta padrão é que sabemos desde Heisenberg que os movimentos de partículas atômicas não são pré-determinados; a física quântica pode prever para quais posições os elétron, por exemplo, tenderão a pular, no agregado, em uma dada situação, mas é impossível prever em que direção qualquer elétron em particular pulará em qualquer instância particular. Problema resolvido.

Exceto que não realmente - algo ainda está faltando. Se tudo que isso significa é que as partículas que constituem nossos cérebros pulam aleatoriamente, ainda se teria que imaginar alguma entidade imaterial, metafísica ("mente") que intervém para guiar os neurônios em direções não aleatórias. Mas isso seria circular: você precisaria já ter uma mente para fazer seu cérebro agir como uma mente.

Se estes movimentos não são aleatórios, em contraste, você pode pelo menos começar a pensar sobre uma explicação material. E a presença de infinitas formas de auto-organização na natureza - estruturas que mantém a si mesmas em equilíbrio dentro de seus ambientes, desde campos eletromagnéticos a processos de cristalização - realmente dão a panpsiquistas uma boa quantidade material com o que trabalhar. Verdade, els argumentam, você pode insistir que todas estas entidades devem ou simplesmente estar "obedecendo" leis naturais (leis cuja existência não precisa ela mesma ser explicada) ou apenas se movendo de forma completamente aleatória... mas se você o fizer, realmente é apenas porque você decidiu que esta é a única maneira que você está disposte a olha para isso. E deixa o fato de que você tem uma mente capaz de fazer tais decisões um completo mistério.

É verdade, esta abordagem sempre foi a posição minoritária. Durante muito do século XX, ela foi colocada de lado completamente. É fácil o bastante de zombar dela. ("Espere, você não está seriamente sugerindo que mesas podem pensar?" Não realmente, ninguém está sugerindo isso; o argumento é que aqueles elementos auto-organizantes que constituem mesas, tais como átomos, evidenciam formas extremamente simples das qualidades que, em um nível exponencialmente mais complexo, nós consideramos pensamento.) Mas em anos recentes, especialmente com recém descoberta popularidade, em alguns círculos científicos, das ideias de filósofos como Charles Sanders Peirce (1839-1914) e Alfred North Whitehead (1861-1947), começamos a ver algo como um renascimento.

Curiosamente, são em grande parte físics que se provaram receptivs a tais ideias. (Matemátics também - talvez pouco surpreendentemente, uma vez que os próprios Perice e Whitehead ambos começaram suas carreiras como matemáticos.) Físics são criaturas mais brincalhonas e menos tacanhas que, digamos, biólogs - parcialmente, sem dúvida, porque els raramente têm que lutar com fundamentalistas religioses contestando as leis da física. Els são poetas do mundo científico. Se uma pessoa já está disposta a adotar objetos de treze dimensões ou um número infinito de universos alternativos, ou casualmente sugerir que 95 por cento do universo é feito de energia e matéria escuras sobre cujas propriedades não sabemos nada, talvez não seja muito um salto também contemplar a possibilidade de que partículas subatômicas tenham "livre arbítrio" ou mesmo experiências. E, de fato, a existência de liberdade no nível subatômico é atualmente uma questão acalorada de debate.

É significativo dizer que um elétron "escolhe" saltar da maneira que faz? Obviamente, não há qualquer maneira de provar isso. A única evidência que poderíamos ter (que não podemos prever o que ele vai fazer), nós já temos. Mas dificilmente é decisiva. Ainda assim, se se quer uma explicação consistentemente materialista do mundo - isto é, se não se deseja tratar a mente como alguma entidade sobrenatural imposta ao mundo material, mas antes como simplesmente uma organização mais complexa dos processos que já estão acontecendo, em cada nível da realidade material - então faz sentido que algo pelo menos um pouco parecido com intencionalidade, algo pelo menos parecido com experiência, algo pelo menos um pouco parecido com liberdade, teria que existir em cada nível da realidade física também.

Por que a maioria de nós, então, imediatamente recua diante de tais conclusões? Por que elas parecem loucas e não científicas? Ou, mais direito ao ponto, por que estamos perfeitamente disposts a atribuir agência a uma fita de DNA (por mais "metaforicamente" que seja), mas consideramos absurdo fazer o mesmo com um elétron, um floco de neve, ou um campo eletromagnético coerente? A resposta, parece, é porque é praticamente impossível atribuir auto-interesse a um floco de neve. Se convencemos a nós mesmo que a explicação racional da ação pode consistir apenas de se tratar a ação como se houvesse algum tipo de cálculo egoísta por trás dela, então, por essa definição, em todos esses níveis, explicações racionais não podem ser encontradas. Ao contrário de uma molécula de DNA, que podemos pelo menos fingir que está perseguindo algum tipo de projeto estilo gangster de auto-engrandecimento impiedoso, um elétron simplesmente não tem um interesse material a perseguir, nem mesmo sobrevivência. Ele não está em qualquer sentido competindo com outros elétrons. Se um elétron está agindo livremente - se ele, como Richard Feynman supostamente disse, "faz qualquer coisa que gostar" - ele pode apenas estar agindo livremente como um fim em si mesmo. O que significaria que nas próprias fundações da realidade física, encontramos a liberdade por causa de si mesma - o que também significa que encontramos a forma mais rudimentar de brincadeira.

Nade com os Peixes


Imaginemos um princípio. Chame-o de princípio da liberdade - ou, uma vez que construções Latinas tendem a carregar mais peso em tais assuntos, chame-o de princípio da liberdade lúdica. Vamos imaginar que ele mantenha que o livre exercício dos poderes e capacidades mais complexos de uma entidade vai, sob certas circunstâncias pelo menos, tender a se tornar um fim em si mesmo. Obviamente não seria o único princípio ativo na natureza. Outros puxam em outras direções. Mas, se nada mais, ajudaria a explicar o que nos realmente observamos, tal como por que, apesar da segunda lei da termodinâmica, o universo parece estar ficando mais, em vez de menos, complexo. Psicólogs evolucionáries alegam que podem explicar - como o título de um livro recente diz - "por que o sexo é divertido". O que els não podem explicar é por que a diversão é divertida. Isto poderia.

Eu não nego que o que eu apresentei até aqui é uma simplificação selvagem de questões muito complicadas. Eu não estou sequer dizendo que a posição que estou sugerindo aqui - que há um princípio da brincadeira na base de toda a realidade física - é necessariamente verdadeiro. Eu apenas insistira que tal perspectiva é pelo menos tão plausível quanto as especulações estranhamente inconsistentes que atualmente se passam por ortodoxia, em que um universo sem mente e robótico repentinamente produz poetas e filósofs do nada. Nem, creio eu, ver a brincadeira como um princípio da natureza necessariamente significa adotar qualquer tipo de visão utópica condescendente. O princípio da brincadeira pode ajudar a explicar por que o sexo é divertido, mas pode também explicar por que a crueldade é divertida. (Como qualquer pessoa que tenha assistido a um gato brincando com um rato pode atestar, muito da brincadeira animal não é particularmente legal.) Mas nos dá base para pensar de outro modo o mundo a nosso redor.

Anos atrás, quando eu lecionava em Yale, às vezes eu distribuiria uma leitura contendo uma famosa história Taoista. Eu oferecia um "A" automático para qualquer estudante que pudesse me dizer por que a última linha fazia sentido. (Ninguém jamais conseguiu.)

Zhuangzi e Huizi estavam passeando por uma ponte sobre o rio Hao, quando o primeiro observou, "Veja como os peixinhos se atiram por entre as pedras! Assim é a felicidade dos peixes."

"Você não sendo um peixe", disse Huizi, "como você pode saber o que faz um peixe feliz?"

"E você não sendo eu", disse Zhuangzi, "como você pode saber que eu não sei o que faz peixes felizes?"

"Se eu, não sendo você, não posso saber o que você sabe", respondeu Huizi, "não se segue deste próprio fato que você, não sendo um peixe, não pode saber o que faz peixes felizes?"

"Vamos voltar", disse Zhuangzi, "a sua pergunta original. Você me perguntou como eu sabia o que faz peixes felizes. O próprio fato de que você me perguntou mostra que você sabia que eu sabia - como de fato eu sabia, a partir de meus próprios sentimentos sobre esta ponte."

A anedota é usualmente tomada como uma confrontação entre duas abordagens irreconciliáveis do mundo: o lógico versus o místico. Mas se isso é verdade, então por que Zhuangzi, que a escreveu, mostra a si mesmo sendo derrotado por seu amigo lógico?

Após pensar sobre a história por anos, me caiu a ficha de que esse era todo o ponto. Por todos os relatos, Zhuangzi e Huizi eram os melhores dos amigos. Eles gostavam de passar horas discutindo assim. Certamente, era a isso que Zhuangzi estava realmente tentando chegar. Podemos, cada um, entender o que o outro está sentindo porque, discutindo sobre os peixes, estamos fazendo exatamente o que os peixes estão fazendo: nos divertindo, fazendo algo que fazemos bem pelo puro prazer de fazê-lo. Nos envolvendo em uma forma de brincadeira. O próprio fato de que você se sentiu compelido a me bater em um argumento, e estava tão feliz em ser capaz de fazê-lo, mostra que a premissa que você estava argumentando deve ser falsa. Uma vez que mesmo filósofs são motivads primariamente por tais prazeres, pelo exercício de seus mais elevados poderes simplesmente pela graça de fazê-lo, então certamente este é um princípio que existe em todo nível da natureza - que é por que eu poderia espontaneamente identificá-lo, também, em peixes.

Zhuangzi estava certo. Assim como June Thunderstorm. Nossas mentes são apenas uma parte da natureza. Podemos entender a felicidade dos peixes - ou formigas, ou lagartas - porque o que nos leva a pensar e argumentar sobre tais questões é, em última análise, exatamente a mesma coisa.

Agora, isso não foi divertido?

Um comentário:

  1. O último argumento do zuangzi na anedota é uma falácia. Quando o huizi faz a primeira pergunta ele não concordava com a afirmação do seu amigo e só queria saber como o amigo sabia... Ele estava pondo em dúvida a própria afirmação. Imagine por exemplo um teísta e um ateísta. O teísta diz "deus existe" e o ateísta diz "como você sabe que deus existe?". Ora, seria errado se o teísta dissesse "amigo, pela sua própria pergunta você concorda comigo que deus existe, e você só está me perguntando como eu sei disso". Isso é de uma desonestidade intelectual gigante. A pergunta do ateísta se deve ao fato de que o ônus da explicação da afirmação recai sobre o teísta (pois foi ele que afirmou algo primeiro). Quem afirma algo primeiro é que tem a responsabilidade de provar que o que diz é um fato, por meio de argumentos. Do contrário, teríamos a falácia da inversão do ônus da prova. Se você acreditou nesse último argumento do zuangzi, é como se você acreditasse que todo ateu que fizesse tal pergunta a um teísta seria um teísta. É tipo a bola quadrada do quico. Argumento improcedente e falacioso. E a explicação dele de "sei por sim, por que sinto" não prova nada, já que sentimento é subjetivo. Sentimento depende da percepção de cada um, e podemos ter percepções equivocadas. O fato de "percebermos" algo não significa que esse algo seja verdadeiro. Seria como dizer "deus existe porque eu sinto que ele existe".

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