quinta-feira, 4 de junho de 2015

Opressão

Opressão


É uma alegação fundamental do feminismo que as mulheres são oprimidas. A palavra "opressão" é uma palavra forte. Ela repele e atrai. É perigosa e perigosamente elegante e ameaçada. É muito mal usada, e às vezes não de forma inocente.
A afirmação de que as mulheres são oprimidas frequentemente se depara com a alegação de que homens são oprimidos também. Ouvimos que oprimir é opressivo para aqueles que oprimem tanto quanto para aqueles que eles oprimem. Alguns homens citam como evidência de sua opressão sua muito anunciada incapacidade de chorar. É duro, nos dizem, ser masculino. Quando as pressões e as frustrações de ser um homem são citadas como evidência de que opressors são oprimids por sua opressão, a palavra "opressão" está sendo estendida à insignificância; é tratada como se seu escopo incluísse qualquer e toda experiência humana de limitação ou sofrimento, não importa a causa, grau, ou consequência. Uma vez que tenhamos sido convencids de tal uso, então se nós jamais negarmos que qualquer pessoa ou grupo é oprimido, parecemos implicar que pensamos que els nunca sofrem e não têm quaisquer sentimentos. Somos acusads de insensibilidade; mesmo de intolerância. Para mulheres, tal acusação é particularmente intimidadora, uma vez que a sensibilidade é uma das poucas virtudes que nos foram atribuídas. Se nos acham insensíveis, podemos temer que não temos quaisquer traços redentores que sejam, e talvez não sejamos mulheres de verdade. Assim, somos silenciadas antes de começarmos: o nome de nossa situação esvaziado de significado e nossos mecanismos de culpa acionados.
Mas isto é um absurdo. Seres humanos podem estar infelizes sem serem oprimidos, e é perfeitamente consistente negar que uma pessoa ou grupo é oprimido sem negar que tenham sentimentos ou que sofram.
Precisamos pensar claramente sobre opressão, e há muito que atenua isto. Eu não quero me comprometer a provar que as mulheres são oprimidas (ou que os homens não são), mas eu quero deixar claro o que está sendo dito quando o dizemos. Precisamos dessa palavra, deste conceito, e precisamos que seja nítido e certo.

I



A raiz da palavra "opressão" é o elemento "pressão". A pressão da multidão; pressionade ao serviço militar; passarNT01 calças; a máquina de imprensaNT02; pressionar o botão. Prensas são usadas para moldar coisas ou aplainá-las ou reduzi-las em grandes quantidades, às vezes reduzi-las espremendo-lhe os gases ou líquidos nelas. Algo pressionado é algo preso entre ou em meio a forças e barreiras que estão de tal forma relacionadas umas às outras que conjuntamente elas refreiam, restringem, ou impedem as moção ou a mobilidade da coisa. Moldar. Imobilizar. Reduzir.
A experiência mundana de quem é oprimide fornece uma outra pista. Um dos aspectos mais característicos e ubíquos do mundo como experimentado por pessoas oprimidas é o duplo vínculo - situações em que as opções são reduzidas a muito poucas, e todas elas expõem a pessoa a penalidade, censura ou privação. Por exemplo, é frequentemente uma exigência às pessoas oprimidas que nós sorríamos e estejamos alegres. Se concordarmos, sinalizamos nossa docilidade e aquiescência à nossa situação. Não precisamos, então, sermos notadas. Nós aquiescemos a sermos tornadas invisíveis, a não ocuparmos qualquer espaço. Participamos de nosso próprio apagamento. Por outro lado, qualquer coisa além do semblante mais ensolarado nos expõe a sermos percebidas como más, amargas, irritadas, ou perigosas. Isto significa, pelo menos, que podem nos achar "difíceis" ou desagradáveis de se trabalhar junto, o que é o suficiente para custar a uma pessoa seu sustento; na pior das hipóteses, ser vista como má, amarga, irritada ou perigosa é sabido resultar em estupro, prisão, espancamento e assassinato. Pode-se escolher apenas arriscar sua forma e taxa preferida de aniquilação.
Um outro exemplo: É comum nos Estados Unidos que mulheres, especialmente mulheres mais novas, estejam em um vínculo em que nem a atividade sexual, nem a inatividade sexual estão OK. Se ela for heterossexualmente ativa, uma mulher está aberta à censura e à punição por ser devassa, sem princípios, ou uma vagabunda. A "punição" vem na forma de críticas, observações maliciosas e constrangedoras, ser tratada como uma transa fácil por homens, escárnio por parte de suas amigas mulheres mais contidas. Ela pode ter que mentir e esconder seu comportamento de seus pais. Ela deve fazer malabarismos com os riscos de gravidez indesejada e de anticoncepcionais perigosos. Por outro lado, se ela se abstém da atividade heterossexual, ela é, com razoável frequência, assediada por homens que tentam persuadi-la e a pressionam a "relaxar" e "ficar de boa"; ela é ameaçada com rótulos como "frígida", "nervosa", "odiadora de homens", "vaca", e "provocadora". Os mesmos pais que desaprovariam sua atividade sexual podem ficar preocupados com sua inatividade porque sugere que ela não é ou não será popular, ou não é sexualmente normal. Ela pode ser acusada de lesbianismo. Se uma mulher é estuprada, então se ela tiver sido heterossexualmente ativa ela está sujeita à presunção de que ela gostou (uma vez que presume-se que sua atividade demonstra que ela gosta de sexo), e se ela não tiver sido heterossexualmente ativa, ela está sujeita à presunção de que ela gostou (uma vez que ela supostamente é "reprimida e frustrada"). Tanto a atividade heterossexual quanto a não atividade heterossexual estão suscetíveis a serem tomadas como prova de que você queria ser estuprada e, consequentemente, claro, não foi realmente estuprada em absoluto. Você não pode vencer. Você está presa em um vínculo, presa entre pressões sistematicamente relacionadas.
Mulheres estão presas assim, também, por redes de forças e barreiras que as expõem a penas, perdas ou desprezo quer se trabalhe fora ou não, receba bolsas do governo ou não, tenha filhos ou não, crie filhos ou não, se case ou não, continue casada ou não, seja heterossexual, lésbica, ambos ou nenhum dos dois. A necessidade econômica; o confinamento a guetos empregatícios raciais e/ou sexuais; o assédio sexual; a discriminação por sexo; pressões de expectativas concorrentes sobre mulheres, esposas, e mães (na sociedade em geral, em subculturas raciais ou étnicas e em sua própria mente); a dependência (completa ou parcial) de maridos, pais, ou do estado; o comprometimento com ideais políticos; lealdades a grupos raciais ou étnicos ou de outras "minorias"; as demandas de auto-respeito e responsabilidades com os outros. Cada um desses fatores existe em uma tensão complexa com cada um dos outros, penalizando ou proibindo todas as opções aparentemente disponíveis. E mordendo seus calcanhares, sempre, está o interminável pacote de coisinhas. Se veste-se de uma maneira, a pessoa está sujeita à suposição de que está anunciando sua disponibilidade sexual; se veste-se de outra maneira, a pessoa parece "não se importar consigo mesma" ou ser "pouco feminina". Se usa uma "linguagem forte", atrai categorizações como puta ou vagabunda; se não usa, atrai a categorização como "dama" - uma muito delicadamente constituída para lidar com um discurso robusto ou as realidades às quais ele presumivelmente se refere.
A experiência de pessoas oprimidas é que a vivência de sua vida está confinada e é moldada por forças e barreiras que não são acidentais ou ocasionais e, consequentemente, evitáveis, mas estão sistematicamente relacionadas umas às outras de tal maneira quanto a prendê-la entre e em meio a elas e restringir ou penalizar o movimento em qualquer direção. É a experiência de estar enjaulado: Todas as avenidas, em todas as direções, estão bloqueadas ou têm armadilhas.
Jaulas. Considere uma gaiola. Se você olhar muito de perto para apenas um dos arames na gaiola, você não consegue ver os outros arames. Se sua concepção do que está em sua frente é determinada por este foco míope, você poderia olhar para aquele único arame, para cima e para baixo ao longo de seu comprimento, e ser incapaz de ver por que um pássaro não sairia simplesmente voando em torno do arame a qualquer momento que quisesse ir a algum lugar. Além disso, mesmo se, um dia por vez, você inspecionasse miopemente cada arame, você ainda não poderia ver por que um pássaro teria problemas para passar os arames para chegar a qualquer lugar. Não há qualquer propriedade física de qualquer único arame, nada que o escrutínio mais próximo pudesse descobrir, que revelaria como um pássaro poderia ser inibido ou prejudicado por ele, exceto da maneira mais acidental. É apenas quando você dá um passa para trás, para de olhar para os arames um por um, microscopicamente, e assume uma visão macroscópica da gaiola inteira, que você consegue vê-la num instante. Não será necessária qualquer sutileza de poderes mentais. É perfeitamente óbvio que o pássaro está cercado por uma rede de barreiras sistematicamente relacionadas, nenhuma das quais seria o menor empecilho a seu voo, mas que, através de suas relações de uma às outras, são tão confinantes quanto as sólidas paredes de um calabouço.
Agora é possível entender uma das razões pela qual a opressão pode ser difícil de ver e reconhecer: pode-se estudar os elementos de uma estrutura opressiva com grande cuidado e um tanto de boa vontade sem ver a estrutura como um todo e, consequentemente, sem ver ou ser capaz de entender que se está olhando para uma jaula e que existem pessoas ali que estão enjauladas, cujo movimento e mobilidade são restringidos, cujas vidas são moldadas e reduzidas.
Prender a visão a um nível microscópico produz confusões comuns tais como aquela sobre o ritual do homem abrir a porta. Este ritual, que é notavelmente muito difundido por todas as classes e raças, confunde muitas pessoas, algumas das quais o acham e outras que não o acham ofensivo. Olhe para a cena de duas pessoas se aproximando de uma porta. O homem avança ligeiramente à frente e abre a porta. O homem mantém a porta aberta enquanto a mulher desliza através dela. Então o homem atravessa. A porta se fecha atrás deles. "Agora, como", pergunta alguém inocentemente, "aquelas loucas da liberação feminina podem dizer que isso é opressivo? O cara removeu uma barreira para a serena e suave passagem da dama". Mas cada repetição deste ritual tem um lugar em um padrão, na verdade em diversos padrões. É necessário mudar o nível de sua percepção a fim de ver o quadro completo.
A abertura da porta pretende ser um serviço prestativo, mas a prestatividade é falsa. Isto pode ser visto ao notar que isso será realizado quer faça qualquer sentido prático ou não. Homens enfermos e homens carregando pacotes abrirão portas para mulheres robustas e livres de fardos físicos. Homens impor-se-ão desastradamente e empurrarão tods a fim de chegar à porta primeiro. O ato não é determinado pela conveniência ou pela graça. Além disso, estes atos muito numerosos de "ajuda" desnecessária ou mesmo daninha ocorrem em contraponto a um padrão de homens não sendo prestativos de muitas formas práticas em que as mulheres poderiam bem receber ajuda. O que as mulheres experimentam é um mundo em que galantes príncipes encantados comumente fazem uma confusão para serem prestativos e fornecerem pequenos serviços quando ajuda e serviços são de pouca ou nenhuma utilidade, mas em que raramente existem príncipes engenhosos e hábeis à mão quando uma assistência substancial realmente é desejada, seja em assuntos mundanos ou em situações de ameaça, ataque, ou terror. Não há qualquer ajuda com a roupas sujas (dele); nenhuma ajuda para digitar um relatório às 4 da manhã; nenhuma ajuda em mediar disputas entre parentes ou crianças. Não há nada além de conselhos de que as mulheres deveriam ficar em casa após anoitecer, estar acompanhada por um homem ou, quando chegar a esse ponto, "relaxar e gozar".
Os gestos galantes não têm qualquer significado prático. Seu significado é simbólico. A abertura de portas e serviços similares fornecidos são serviços que realmente são necessários para pessoas que, por uma razão ou outra, estão incapacitadas - indispostas, carregando pacotes, etc. Então a mensagem é que as mulheres são incapazes. O distanciamento entre os atos e as realidades concretas do que as mulheres precisam e do que não precisam é um veículo para a mensagem de que as reais necessidades e interesses das mulheres são pouco importantes ou irrelevantes. Finalmente, estes gestos imitam o comportamento de servos em relação a mestres e assim zombam das mulheres, que são, na maioria dos aspectos, as servas e cuidadoras de homens. A mensagem de falsa prestatividade da galanteria masculina é a dependência feminina, a invisibilidade ou insignificância das mulheres, e o desdém pelas mulheres.
Não se pode ver os significados destes rituais se seu foco está rebitado no evento individual em toda sua particularidade, incluindo a particularidade das intenções e motivos conscientes presentes do homem individual e da percepção consciente da mulher individual do evento no momento. Às vezes parece que as pessoas assumem uma visão deliberadamente míope e enchem seus olhos com coisas vistas microscopicamente a fim de não ver macroscopicamente. Em todo caso, quer seja deliberado ou não, as pessoas podem falhar e realmente falham em ver a opressão das mulheres porque falham em ver macroscopicamente e, consequentemente, falham em ver os vários elementos da situação como sistematicamente relacionados em esquemas maiores.
Assim como a propriedade de jaula da gaiola de pássaros é um fenômeno macroscópico, a opressividade das situações em que as mulheres vivem em nossas várias e diferentes vidas é um fenômeno macroscópico. Nenhuma dessas podem ser vistas de uma perspectiva microscópica. Mas quando se olha macroscopicamente você pode ver - uma rede de forças e barreiras que estão sistematicamente relacionadas e que conspiram para a imobilização, a redução, e a modelagem de mulheres e das vidas que vivemos...

III



Parece ser a condição humana que, em um grau ou outro, tods nós sofremos frustração e limitação, tods encontramos barreiras indesejáveis, e tods somos prejudicads e machucads de várias maneiras. Uma vez que somos uma espécie social, quase todos de nossos comportamentos e atividades são estruturados por mais do que a inclinação individual e as condições do planeta e sua atmosfera. Nenhum humano está livre de estruturas sociais, nem (talvez) a felicidade consistiria de tal liberdade. A estrutura consiste de fronteiras, limites e barreiras; em um todo estruturado, alguns movimentos e mudanças são possíveis, e outros não são. Se está-se procurando por uma desculpa para diluir a palavra "opressão", pode-se usar o fato da estrutura social como uma desculpa e dizer que tods são oprimids. Mas se preferir-se-ia ter clareza sobre o que a opressão é e o que não é, precisa-se separar os sofrimentos, danos e limitações e descobrir quais são elementos da opressão e quais não são.
A partir do que eu já disse aqui, está claro que, se se quer determinar se um sofrimento, dano ou limitação em particular é parte de alguém ser oprimide, é necessário olhar para isso no contexto a fim de dizer se é um elemento de uma estrutura opressiva: é necessário ver se é parte de uma estrutura fechada de forças e barreiras que tende à imobilização e redução de um grupo ou categoria de pessoas. Tem-se que olhar para como a barreira ou força se encaixa com as outras e para o benefício ou detrimento de quem ela trabalha. Tão logo se olha para exemplos, se torna óbvio que nem tudo que frustra ou limita uma pessoa é opressivo, e nem todo dano ou prejuízo é devido ou contribui para a opressão.
Se um playboy branco e rico que vive da renda de seus investimentos em minas de diamantes na África do Sul quebrasse uma perna em um acidente de esqui em Aspen e esperasse com dor em uma nevasca por horas antes de ser resgatado, podemos assumir que nesse período ele sofreu. Mas o sofrimento chega a um fim; sua perna é restaurada pelo melhor cirurgião que o dinheiro pode comprar e logo está se recuperando em uma suíte luxuosa, bebericando Chivas Regal. Nada neste quadro sugere uma estrutura de barreiras e forças. Ele é um membro de diversos grupos opressores e não se torna repentinamente oprimido por que está machucado e com dor. Mesmo se o acidente fosse causado pela negligência maliciosa, e consequentemente alguém pudesse ser culpade por ele e moralmente criticade, essa pessoa ainda não teria sido uma agente da opressão.
Considere também a restrição de ter de dirigir seu veículo de um certo lado da rua. Não há qualquer dúvida de que esta restrição é quase insuportavelmente frustrante às vezes, quando sua faixa não está andando e a outra está livre. Certamente há vezes, mesmo, quando conformar-se a esta regulação teria consequências danosas. Mas a restrição é obviamente saudável para a maioria de nós, na maior parte do tempo. A restrição é imposta para nosso benefício, e realmente nos beneficia; sua operação tende a encorajar nossa movimentação contínua, não a nos imobilizar. Os limites impostos pelas regulamentações de trânsito são limites que a maioria de nós alegremente imporia a nós mesmes se soubéssemos que as outras pessoas as seguiriam também. Elas são parte de uma estrutura que molda nosso comportamento, não para nossa redução e imobilização, mas antes para a proteção de nossa habilidade continuada de nos movermos e agirmos conforme desejamos.
Um outro exemplo: as fronteiras de um gueto racial numa cidade americana servem, em alguma medida, para impedir que as pessoas brancas entrem, assim como para impedir que quem mora no gueto saia. Uma cidadã branca em particular pode ficar frustrada ou se sentir privada por ela não pode passear por lá e desfrutar da aura "exótica" de uma cultura "estrangeira", ou ir às compras atrás de barganhas nas feiras de troca do gueto. De fato, a existência do gueto, da segregação racial, priva a pessoa branca do conhecimento e prejudica seu caráter ao nutrir sentimentos injustificáveis de superioridade. Mas isto não torna a pessoa branca, nesta situação, um membro de uma raça oprimida ou uma pessoa oprimida por causa de sua raça. Deve-se olhar para a barreira. Ela limita as atividades e o acesso daquels em ambos os lados dela (embora em diferentes graus). Mas ela é um produto da intenção, do planejamento, e da ação de brancos para o benefício de brancos, para assegurar e manter privilégios que estão disponíveis para brancos de maneira geral, enquanto membros do grupo dominante e privilegiado. Embora a existência da barreira tenha algumas consequências ruins para brancos, a barreira não existe em relação sistemática com outras barreiras e forças formando uma estrutura opressiva a pessoas brancas; muito pelo contrário. Ela é parte de uma estrutura que oprime quem mora no gueto e, assim (e pela intenção branca) protege e promove os interesses brancos como a cultura branca dominante os entende. Esta barreira não é opressiva para pessoas brancas, muito embora seja uma barreira a pessoas brancas.
Barreiras têm diferentes significados para aquels em lados opostos delas, muito embora elas sejam barreiras para ambs. As paredes físicas de uma prisão não se dissolvem mais para deixar alguém de fora entrar do que para deixar alguém de dentro sair, mas para quem está dentro, elas são confinadoras e limitantes ao passo que para quem está fora, elas podem significar proteção do que pensa ser ameaças apresentadas por quem está dentro - liberdade do dano ou da ansiedade. Um conjunto de barreiras e forças econômicas e sociais separando dois grupos podem ser sentidas, até mesmo de forma dolorosa, por membros de ambos os grupos e ainda assim podem significar confinamento para um e liberdade e crescimento para o outro.
O setor de serviços de esposas/mamães/assistentes/garotas é quase exclusivamente um setor exclusivamente de mulheres; seus limites não apenas aprisionam mulheres, mas em grande medida mantém os homens fora. Alguns homens às vezes encontram esta barreira e a experienciam como uma restrição a seus movimentos, suas atividades, seu controle ou suas escolhas de "estilo de vida". Pensando que poderiam gostar da vida simples de uma nutriz (que eles podem imaginar ser bastante livre de pressão, alienação, e trabalho duro), e sentindo-se privados, uma vez que ela parece fechada a eles, eles, a partir disso, anunciam a descoberta de que eles são oprimidos também pelos "papéis de sexo". Mas aquela barreira é erigida e mantida por homens, para seu benefício. Ela consiste de forças culturais e econômicas controladas por homens que, em todo nível econômica e em todas as subculturas, economias, ou tradições raciais ou étnicas - e mesmo ideologias de liberação - trabalham para manter pelo menos a cultura e a economia local sob controle masculino1.
O limite que separa a esfera das mulheres é mantido e promovido por homens em geral para o benefício de homens em geral, e homens em geral realmente se beneficiam desta existência, mesmo o homem que tromba com ela e reclama da inconveniência. Essa barreira está protegendo sua classificação e seu status enquanto um macho, enquanto superior, enquanto tendo direito a acesso sexual à fêmea ou fêmeas. Ela protege um tipo de cidadania que é superior àquela de mulheres de sua classe e raça, seu acesso a uma gama mais ampla de trabalhos que pagam melhor e têm maior status, e seu direito a preferir o desemprego à degradação de realizar trabalho de menor status ou "de mulheres".
Se a vida ou a atividade de uma pessoa é afetada por alguma força ou barreira que essa pessoa encontra, não se pode concluir que a pessoa é oprimida simplesmente porque a pessoa encontra essa barreira ou força; nem simplesmente porque o encontro é desagradável, frustrante, ou doloroso para essa pessoa naquele momento; nem simplesmente porque a existência da barreira ou força, ou dos processos que a mantém ou a aplicam, servem para privar essa pessoa de algo de valor. Deve-se olhar para a barreira ou força e se responder certas questões sobre ela. Quem a constrói e a mantém? Os interesses de quem são servidos por sua existência? Ela é parte de uma estrutura que tende a confinar, reduzir e imobilizar algum grupo? O indivíduo é membro do grupo confinado? Várias forças, barreiras e limitações que uma pessoa pode encontrar ou com que pode conviver podem ser parte de uma estrutura opressiva ou não, e se forem, essa pessoa pode estar tanto do lado oprimido quando do lado opressor dela. Não se pode dizer qual por quão alto ou quão pouco a pessoa reclama.

IV



Muitas das restrições e limitação com que vivemos são mais ou menos internalizadas e auto-monitoradas e são parte de nossas adaptações às exigências e expectativas impostas pelas necessidades, gostos e tiranias de outrem. Eu tenho em mente coisas tais como as posturas constrangidas e os andares atenuados das mulheres e a restrição da auto-expressão emocional (exceto a raiva) dos homens. Quem consegue o que da prática dessas disciplinas, e quem impõem quais penalidades pelos relaxamentos impróprios delas? Quais são as recompensas desta auto-disciplina?
Os homens podem chorar? Sim, na companhia de mulheres. Se um homem não pode chorar, é na companhia de homens que ele não pode chorar. São homens, não mulheres, que exigem esta restrição e homens não apenas exigem-na, eles a recompensam. O homem que mantém um comportamento acerado, durão ou descontraído (todos são formas que sugerem invulnerabilidade) marca a si mesmo como um membro da comunidade masculina e é estimado por outros homens. Consequentemente, a manutenção desse comportamento contribui para a auto-estima do homem. Esse comportamento é sentido como bom, e ele pode se sentir bem consigo mesmo. A maneira como esta restrição se ajusta nas estruturas das vidas dos homens é como um dos comportamentos socialmente exigidos que, se levado a cabo, contribui para sua aceitação e para o respeito por parte de pessoas significativas e para sua própria auto-estima. É benefício seu praticar esta disciplina.
Considere, em comparação, a disciplina das posturas físicas constrangidas e os andares atenuados das mulheres. Esta disciplina pode ser relaxada na companhia de mulheres; ela geralmente está em sua forma mais vigorosa na companhia de homens2. Assim como a restrição emocional dos homens, a restrição física das mulheres é exigida por homens. Mas, ao contrário do caso da restrição emocional dos homens, a restrição física das mulheres não é recompensada. O que ganhamos com isso? Respeito, estima e aceitação? Não. Eles nos zombam e parodiam nossos passos amaneirados. Parecemos tolas, incompetentes, fracas, e geralmente desprezíveis. Nosso exercício desta disciplina tende à baixa estima e à baixa auto-estima. Ela não nos beneficia. Ela se encaixa em uma rede de comportamentos através dos quais nós constantemente anunciamos para outrem nossa filiação a uma casta mais baixa e nossa relutância e/ou incapacidade em defender nossa integridade corporal ou moral. Ela é degradante e parte de um padrão de degradação.
O comportamento aceitável para ambos os grupos, homens e mulheres, envolve uma restrição exigida que parece, em si mesma, tola e talvez prejudicial. Mas o efeito social é drasticamente diferente. A restrição da mulher é parte de uma estrutura opressiva às mulheres; a restrição do homem é parte de uma estrutura opressiva às mulheres.

V



Uma pessoa está marcada para a aplicação de pressões opressivas pela sua filiação a algum grupo ou categoria. Muito de seu sofrimento e frustração acontece com ela parcial ou amplamente porque ela é um membro dessa categoria. No caso em questão, é a categoria mulher. Ser uma mulher é um fator preponderante em eu não ter um trabalho melhor do que eu tenho; ser uma mulher me seleciona como uma vítima provável de assédio ou agressão sexual; é eu ser uma mulher que reduz o poder da minha raiva a uma prova da minha insanidade. Se uma mulher tem pouco ou nenhum poder político ou econômico, ou atinge pouco do que ela quer atingir, um fator causal principal nisto é que ela é uma mulher. Para qualquer mulher de qualquer raça ou classe econômica, ser uma mulher está significantemente associado a quaisquer desvantagens e privações que ela sofra, sejam grandes ou pequenas.
Nada disso é o caso com respeito a uma pessoa ser um homem. Simplesmente ser um homem não é o que fica entre ele e um trabalho melhor; quaisquer agressões ou assédios a que ele estiver sujeito, ser um homem não é o que o seleciona para vitimização; ser homem não é um fator que tornaria sua raiva impotente - muito pelo contrário. Se um homem tem pouco ou nenhum poder político ou material, ou consegue pouco do que quer conseguir, ele ser um homem não é qualquer parte da explicação. Ser homem é algo que ele tem a seu favor, mesmo se raça, classe, idade ou deficiência estejam contra ele.
Mulheres são oprimidas, enquanto mulheres. Membros de certos grupos e classes raciais e/ou econômicos, tanto os homens quanto as mulheres, são oprimidos enquanto membros destas raças e/ou classes. Mas homens não são oprimidos enquanto homens.
...e não é estranho que qualquer um de nós estivesse confuso e perplexo sobre uma coisa tão simples?


NOTAS


[1] Claro, isso é complicado pela raça e pela classe. As políticas do Machismo e da "masculinidade Negra" parecem ajudar a manter homens Latinos ou Negros em controle de mais dinheiro do que mulheres Latinas ou Negras controlam; mas essas políticas parecem-me também, em última instância, ajudar a manter a economia em geral sob o controle de homens brancos.


[2] Cf. Let's Take Back Our Space: "Female" and "Male" Body Language as a Result of Patriarchal Structures, de Marianne Wex (Frauenliteratureverlag Hermine Fees, West Germany, 1979), especialmente p. 173. Este memorável livro apresenta literalmente milhares de fotografias francas de mulheres e homens, em público, sentads, de pé, e deitads. Ele demonstra vividamente as diferenças muito sistemáticas nas posturas e nos gestos de homens e mulheres.


NOTAS DO TRADUTOR


[NT01] Em inglês "to press a pair of pants".
[NT02] Em inglês "printing press".

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