Ideia Geral da Revolução no Século XXI
por David S. D'Amato
A humanidade teve que viver e a civilização se desenvolver, por seis mil anos, sob este sistema inexorável, cujo primeiro termo é o Desespero e o último a Morte. Que poder secreto o sustentou? Que força permitiu que ele sobrevivesse? Que princípios, que ideias, renovaram o sangue que fluía adiante sob o punhal da autoridade, eclesiástica e secular?
O mistério está agora explicado.
Debaixo da máquina governamental, à sombra das instituições políticas, fora da vista de estadistas e padres, a sociedade está produzindo seu próprio organismo, lenta e silenciosamente; e construindo uma nova ordem, a expressão de sua vitalidade e autonomia e a negação da velha política, assim como da velha religião.
- Pierre-Joseph Proudhon, Ideia Geral da Revolução no Século XIX (1851)
Começamos a ver a fraqueza de hierarquias, suas rigidezes quebradiças rachadas e esmigalhadas por redes de indivíduos voluntariamente envolvidos. A acuidade das palavras de Proudhon, os entendimentos aparentemente insondáveis contidos nelas, se tornaram mais salientes do que nunca, falando diretamente a movimentos como Occupy, Anonymous e a Primavera Árabe. A revolução, pelo menos em sua forma incipiente, já está bem encaminhada e se ela continua em ritmo acelerado ou definha girará, em grande parte, em torno do dinamismo da mensagem radical da liberdade.
De fato, se essa mensagem deve apelar aos 99%, a quase todo mundo na sociedade, devemos demonstrar a vitalidade do anarquismo enquanto um movimento animado, crescente e misto, composto de pessoas reais com gostos, interesses e inclinações muito diferentes. Como diz a frase comum, "Alguns de nós gostamos de azeitonas, e alguns de nós não".
Se tornará cada vez mais importante justapor as (atualmente hipotéticas) economias por nascer como uma liga dessas diferentes inclinações com a economia corporativa do presente. Esta última, artificial no sentido de ser tanto fabricada quanto imposta pela violência, é uma sanguessuga sobre o verdadeiro organismo social e profundamente hostil a seu desenvolvimento.
Para amadurecer apropriadamente, no entanto, escapando das atrofias da subnutrição, cada comunidade deve, nas palavras de Jeff Shantz, "forjar um conexão orgânica com outras comunidades". A força do estado - e, por conseguinte, aquela da classe dominante - depende criticamente de dividir uma da outra aquelas cujos interesses materiais estão de fato alinhados e, correlatamente, fomentar entra as classes produtivas um carinho ou afeto pelas elites.
Como dramaticamente apresentado por Orwell em 1984, este era o fenômeno das pessoas da Oceania, que genuinamente amavam o Grande Irmão, considerando-o em muito mais alta estima do que mesmo seus próprios parentes. Relacionamentos familiares e comunitários eram vistos - bem como o são em nossa própria sociedade, embora talvez menos obviamente - como que ameaçando minar o poder do Partido.
Durante o movimento da Era Progressista em direção a um sistema educacional governamental mais centralizado, as escolas paroquiais eram similarmente difamadas como focos de pensamento "alienígena", como subversivas ao "American way". Tentativas do começo do século XX de tornar obrigatória a matrícula em uma escola do governo (tornando, assim, outras escolas obsoletas) estão atualmente em sua maior parte esquecidas. Toda e qualquer alternativa à atual corrente central, quaisquer caminhos existentes fora do estame ou centro nervoso da hierarquia corporativa-estatal, foi atacada com unhas e dentes pela política pública.
Esses ataques, é claro, sempre surgiram sob a bandeira da segurança pública, denominados como proteção de um público modesto do charlatanismo de métodos ou práticas "marginais". Favorecidas, em vez disso, foram aquelas "melhores práticas" prescritas por nossos zelosos guardiões e formuladas em parcerias de nossos governantes empresariais e governamentais. Qualquer esforço dentro do político necessariamente fortalece tais couraçadas parcerias, cimentando ainda mais em seu lugar os "canais apropriados" ante os quais devemos nos genuflectir. O caminho adiante, então, ao invés de abraçar a pretensão estatal de democracia, é montar, expandir e reparar o que Shantz denomina de "infraestruturas revolucionárias pré-existentes".
A teoria e prática do anarquismo, que muito frequentemente pareceram estender as mãos uma para a outra inutilmente, estão se encontrando e se casando em meio à evolução social e a uma florescente consciência de classe. Os protestos do momento criticam, não qualquer peça de legislação, ou guerra, ou injustiça, mas todo um paradigma social e econômico - por mais vagamente definidas que as críticas das manifestantes a ele sejam.
Sem necessariamente aconselhar qualquer programa ou ideologia, solução ou caminho a seguir, o organismo social está começando a sentir seu poder, se preparando para vir à tona debaixo do fardo da autoridade. Mas, em meio às tentações de apressar o momento de vivificação, devemos lembrar, nas palavras de Wordsworth Donisthorpe, que "a liberdade é um lento desenvolvimento. Deve ser trabalhada nas presente linhas sem qualquer quebra de continuidade ou cataclisma artificial".
A revolução violenta, Donisthorpe entendia, não era nenhuma revolução que fosse e poderia apenas atrasar "o resultado final da evolução social". Não apenas a violência é pouco prática e contrária à meta da liberdade total, ela é também bastante desnecessária para a realização dessa meta.
O sociólogo Manuel Castells descreveu "uma crise da legitimidade política" germinando atualmente no mundo, enraizada em "redes horizontais de comunicação". Estas redes ameaçam aqueles relacionamentos comunicacionais "verticais" que até agora haviam dominado os sistemas social e econômico predominantes. Onde a própria língua já pode ser contida - e assim ditada - por um pequeno grupo de formadores de opinião cultural no governo e na academia, a Era da Informação proclamou um genuíno "mundo plano" (que, incidentalmente, não tem nada a ver com o neocolonialismo brutal do capitalismo global, entusiasticamente descrito por Tom Friedman).
Este "novo mundo" (se você perdoar a expressão) é um em que o poder de tomada de decisão centralizado simplesmente não funciona; nunca funcionou, claro, mas por causa das novas tecnologias e das agora indomáveis percolações de informação, a fina fachada de legitimidade do estado lascou e manchou.
Os métodos das ativistas têm refletido a tendência geral em direção ao que o antropólogo Jeffrey S. Juris chama de "a lógica cultural das redes", algo que ele considera inextricavelmente interligado ao anarquismo e à sua história. Juris identificou pelo menos quatro concretizações desta "lógica" ou tendência: "(1) a construção de laços horizontais entre elementos diversos e autônomos, (2) a livre e e aberta circulação de informação, (3) a colaboração através da coordenação descentralizada e da tomada de decisão por consenso e (4) as redes auto-dirigidas".
Os quatro fenômenos que Juris enumera correspondem de perto às observações de outras acadêmicas da cultura de redes tais como, por exemplo, Siva Vaidhyanathan e o próprio Kevin Carson do Centro por uma Sociedade Sem Estado. O modelo econômico consoante com a lógica cultural do jovem século, aquele que representa um afastamento radical do capitalismo, é a filosofia da igual liberdade advogada pelos individualistas do século XIX.
A força dos mercados libertos é que, ao contrário do capitalismo contemporâneo, eles são categoricamente hostis a hierarquias, ao salarialismo e a burocracias monolíticas estagnantes que são hoje falsamente associados com "o livre mercado". Trocas livres e mutuamente benéficas, realizadas em um ambiente sem diferenças de poder de barganha coercivas e mantidas institucionalmente, são uma força igualitária que gera um equivalente econômico do equilíbrio osmótico.
Para que a riqueza se acumule nas mãos de alguns poderosos, o comércio deve ser limitado e não emancipado, o livre movimento de pessoas e bens amarrado dentro de estruturas deliberadas. A consideração de livres mercados genuínos desta maneira - como um meio de desjungir a classe trabalhadora da classe dominante - não é nem mesmo única de manifestos socialistas livre mercadistas como Benjamin Tucker.
A historiadora da UC Berkeley Annelien De Dijn, uma especialista sobre os "cambiantes significados do conceito de liberdade", escreveu extensivamente sobre radicais franceses (por exemplo Charles Comte e Charles Dunoyer) que viam os livres mercados como parte de uma "sociedade nivelada". Seu livre mercado era inóspito para os ociosos ricos que lucravam da labuta do trabalho, um tumultuado e fluido turbilhão de atividade que constantemente erodiria tentativas de explorar ou monopolizar. O próprio Comte protestava com segurança contra a "classe ociosa e voraz", estabelecendo-a em nítido contraste com "a classe industriosa". Essa era uma época em que a defesa consistente e de princípios da troca voluntária e da propriedade legítima era considerada perfeitamente compatível com um populismo espirituoso e com o respeito pelo trabalho.
De fato, a medida em que visões da "sociedade industrial", embasada em recompensar apenas a atividade produtiva, influenciou e cultivou o que se tornaria o socialismo francês tem sido amplamente documentada. E, assim como os liberais franceses empregaram ideias libertárias para condenar o roubo da antiga nobreza, indivíduos americanos se engajaram com o livre mercado para atacar o assim chamado capitalismo laissez faire do século XIX nos Estados Unidos. Apenas mais tarde o capitalismo foi confusamente remodelado como sinônimo, em vez de antitético, dos verdadeiros livres mercados.
Como o Professor Christopher Newfield escreveu em The Emerson Effect: Individualism and Submission in America:
O livre mercado não é o capitalismo por si próprio; transações auto ou localmente reguladas são compatíveis com muitos diferentes padrões de propriedade e relações econômicas. O mercado sob o capitalismo tem que fazer mais do que a troca, no entanto, pois ele tem que formar capital através de um bem conhecido processo de acúmulo. O mercado capitalista deve extrair valor da circulação, deve impedi-lo de circular indefinidamente (ênfase adicionada).
Todas as pessoas que sinceramente desejam ver o escopo da liberdade humana se expandir - que tomam o compromisso libertário como algo real e capaz de uma transformação social profunda - são obrigadas, eventualmente, a abandonar seus próprios gostos estéticos em relação ao que uma sociedade livre será.
Isto não é argumentar que não temos controle sobre o que ela será, mas antes sugerir que, na medida em que nossos princípios representam um afastamento radical daqueles que agora governam o dia, o resultado da aplicação destes princípios podem não ser o que esperamos ou predizemos.
Além disso, todas as anarquistas deveriam tomar um grande cuidado em lembrar que todo e qualquer princípio que toque em, por exemplo, direitos individuais ou sistemas de propriedade são meramente tentativas de carregar preocupações subjacentes sobre autonomia e soberania humanas para a realidade prática. Certamente noções de acordo, harmonia e respeito mútuo devem preceder a construção de sistemas discretos de algo como a propriedade - em contraste com sujeitar esses princípios fundamentais a esquemas inflexíveis de algum modelo libertário fixo.
Redes facilitadas pela tecnologia deram um novo significado para a ação direta, expandindo as possibilidade de um futuro mais livre e abrindo mentes para o potencial do consenso como um organização de governo (e, assim, como uma alternativa ao estado). Ao discutir "o papel funcional que o consenso desempenha ao se produzir a ação coletiva", o anarquista Uri Gordon enfatizou o poder da Internet em "permitir uma participação mais quase igual" no crescimento dos movimentos sociais.
O resultado próximo tem sido remover complexas questões sociais do controle exclusivo de elites e da inércia de seu conjunto central de interesses. A sociedade está se afirmando, sem se deixar abater pelas convulsões violentas de um grupo indisposto de tiranos; este século é nosso, não deles. Seu governo e seus sistemas exploradores serão uma relíquia de um tempo em que eles podiam manter a informação engarrafada - quando eles podiam impedir a consciência de classe de florescer. O ímpeto está com a liberdade e a revolução é nossa, para valorizamos ou negligenciarmos.
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