Escrevendo no The Guardian no último janeiro, sob a
manchete "Caribbean
Communism v. Capitalism"
("Capitalismo vs. Comunismo no Caribe"), o respeitado jornalista Stephen
Kinzer começou seu artigo assim:
Visitar a
infeliz Cuba é especialmente instigante para qualquer um que esteja
familiarizado com seus infelizes vizinhos. Os cubanos vivem vidas difíceis e
têm muito do que reclamar. E também o têm os jamaicanos, dominicanos,
haitianos, guatemaltecos, hondurenhos, salvadorenhos e outros na bacia do
Caribe que vivem sob governos capitalistas. Quem está pior? Uma pessoa comum
vive melhor em Cuba ou em um país capitalista próximo?[1]
Muitas pessoas leriam isso sem se
deter, mas presumivelmente não os libertários. A Jamaica, a República
Dominicana, o Haiti, a Guatemala, Honduras e El Salvador são países
capitalistas? A afirmação prosaica de Kinzer parece conflitar com outras
evidências. Por exemplo, o Índice de Liberdade Econômica da Heritage Foundation (que exagera o grau
de liberdade econômica dos países) classifica a República Dominicana, a
Jamaica, El Salvador e a Guatemala como "moderadamente livres" (e não
"livres" ou "muito livres") e Honduras e o Haiti como
"muito pouco livres". Então, como eles podem ser
"capitalistas" – a menos que o capitalismo e a liberdade sejam duas
coisas diferentes?
Pode-se
inferir do artigo de Kinzer que ele classifica qualquer país como
"capitalista" contanto que o socialismo marxista não seja sua
ideologia oficial. Então ele afirma, "Comparando os dois sistemas
políticos e sociais também nos lembra que, para muitas pessoas no mundo, uma
vida verdadeiramente gratificante é inatingível... A melhor esperança para a
Cuba há tanto tempo comunista e para seus vizinhos há tanto tempo capitalistas
seria aprender um com os outros".
Meu
propósito aqui não é focar nas afirmações curiosamente positivas de Kinzer
sobre Cuba e sua "rede de segurança social", mas sim em seu uso da
palavra "capitalista". Ele aparentemente considera essa designação
tão incontroversa que não sente qualquer necessidade de justificá-la ou sequer
definir o termo.
Kinzer,
contudo, não é uma anomalia. Considere o livro de Richard Posner sobre o
recente desastre financeiro, A Failure of Capitalism ("Uma Falha do Capitalismo").
Posner não é nenhum jornalista com tendências esquerdistas. Ele é um juiz
federal com uma longa associação com a Universidade de Chicago e o movimento
mercadista de lei-e-economia. E, ainda assim, aqui está ele, culpando o
"capitalismo" pelos atuais problemas econômicos e, como resultado,
adotando o keynesianismo. Ele escreve em seu prefácio, "Estamos aprendendo
com ela [a "depressão"] que precisamos de um governo mais ativo e
inteligente para impedir que nosso modelo de economia capitalista saia dos
trilhos. O movimento para se desregulamentar a indústria financeira foi longe
demais ao exagerar a resiliência – os poderes auto-curativos – do capitalismo laissez
faire".
Posner
dificilmente é um lobo solitário no seu lado do espectro político. Sintonize
nos programas financeiros no Fox News Channel e na Fox Business Network qualquer dia e você ouvirá
Lawrence Kudlow, Ben Stein ou uma série de outros conservadores econômicos
avisando que as políticas de Barack Obama ameaçam minar "nosso sistema
capitalista". Isso certamente implica que há hoje um sistema capitalista
para se minar.
O Que É o
Capitalismo?
O
que, então, é este sistema chamado de "capitalismo"? Ele não pode ser
o livre mercado, porque não temos um livre mercado. Hoje a mão do governo está
por toda a economia – do dinheiro e bancos aos transportes e à manufatura, à
agricultura, aos seguros, à pesquisa básica, ao comércio mundial. Se o
significado de um conceito consiste em como ele é usado (não há nenhuma forma
platônica a ser adivinhada), "capitalismo" não pode significar
"o livre mercado". Em vez disso, ele designa um sistema no qual os
meios de produção são, de jure,
propriedade privada. Deixada em aberto fica a questão da intervenção do
governo. Desta forma, as frases "capitalismo de livre mercado" e
"capitalismo laissez faire" tipicamente não são vistas como redundantes e as frase
"capitalismo de estado" ou "capitalismo de compadres" não
são vistas como contradições. Se, sem controvérsia, o "capitalismo"
pode receber os qualificadores "de livre mercado" e "de
estado", isso nos diz algo. (Isso é verdadeiro independentemente do que os
dicionários dizem. Pelo menos desde a época de Samuel Johnson, os lexicógrafos
entenderam que os dicionários devem ser descritivos e não prescritivos. Novas
edições rotineiramente modificam as definições à luz do uso atual.)
Este
não é apenas um argumento semântico – pergunta-se sobre o valor de se passar
tempo argumentando se o que temos "realmente" é capitalismo ou não –
e é mais do que uma questão de retórica ou da arte da persuasão – por mais
importante que ela seja. É uma questão de entendimento histórico, pois, embora
Ludwig von Mises e Ayn Rand tenham tentado, com grande energia, fazer o
"capitalismo" ser entendido como "o livre mercado", eles
estavam nadando contra a corrente. Como o historiador Clarence Carson escreveu
em The Freeman nos anos 1980,
"'Capitalismo'... não tem um significado comumente aceito, não obstante os
proponentes dele em contrário. Na situação atual, ele não pode ser usado com
precisão no discurso".
Carson
se perguntou por que alguém chamaria um sistema no qual a produção e a troca
são conduzidas de maneira privada de "capitalismo". "Até onde eu
posso compreender", ele escreveu, "não há nenhuma razão convincente
para o fazer. Não há nada indicado em tais arranjos que sugira por que o
capital, entre os elementos da produção, deveria ser destacado com ênfase. Por
que não a terra? Por que não o trabalho? Ou, de fato, por que qualquer um dos
elementos deveria ser destacado?".
Há
outras características curiosas da palavra. "Quando um 'ismo' é adicionado
a uma palavra, ele denota um sistema de crenças e, provavelmente, o que veio a
ser chamado de ideologia", Carson escreve. Mas um capitalista não é alguém
que defende o capitalismo, da maneira em que um socialista é alguém que defende
o socialismo. Em vez disso, ele é alguém que tem capital. Um capitalista pode
ser um socialista sem contradição.
Também
é útil ter em mente que a palavra não foi inicialmente adotada por defensores
do livre mercado; isso foi aparentemente um fenômeno do século XX. De acordo
com o Oxford English Dictionary, a palavra "capitalista" veio
primeiro e foi usada de maneira pejorativa no final do século XVIII. Claro,
Marx usou ela e palavras relacionadas como condenação. Mas não foram apenas
oponentes da propriedade privada que usaram a palavra dessa maneira. De maneira
mais notável, Thomas Hodgskin (1787-1868), um liberal de livre mercado e mentor
de Herbert Spencer, precedeu Marx nesse uso. Por "capitalista" ele
queria dizer alguém que controlava o capital e explorava o trabalho como resultado do privilégio do Estado
na violação do livre mercado.
Uma Breve História
do Capitalismo
Por
mais importante que a teoria econômica seja para entender a história, ela não é
nenhum substituto da história. Saber
como os livres mercados funcionam não pode, por si só, nos dizer se o livre
mercado existiu em qualquer dado período histórico. Mises e Rand não obstantes,
desde os primórdios o capitalismo histórico tem sido associado com a intervenção
governamental em favor de latifundiários e donos de fábricas. O capitalismo
está, é claro, ligado à Revolução Industrial, que começou na Inglaterra, mas o
surgimento do industrialismo na Inglaterra se seguiu a expropriações massivas
de pequenos fazendeiros das terras sobre as quais eles haviam lutado por
gerações para adquirir direitos. Como outro Carson, Kevin Carson, escreveu no The Freeman,
No Velho
Mundo, especialmente na Grã-Bretanha... a expropriação da maioria camponesa por
uma oligarquia agrária politicamente dominante ocorreu ao longo de diversos
séculos no final do período medieval e no início do moderno. Ela começou com o
cercamento dos campos abertos no final da Idade Média. Sob os Tudors, feudos da
Igreja (especialmente terras monásticas) foram expropriados pelo estado e
distribuídos entre a aristocracia agrária. Os novos "donos"
despejaram ou cobraram alugueis extorsivos dos camponeses.
O
processo continuou com as "reformas" agrárias e os Cercamentos
Parlamentares até o século XIX, transformando lavradores do solo (aqueles que
misturavam seu trabalho com a terra) em inquilinos.
As
terras comuns foram "privatizadas" pelo Estado (isto é, dadas aos
privilegiados) às custas das pessoas que anteriormente tinham direitos
consuetudinários de longa data a elas. Não restou outra escolha para
fazendeiros de subsistência independentes e artesãos além de cultivar para
outra pessoa ou trabalhar nas novas fábricas, com um pouco de sua renda
retirado por senhorios e empregadores. O proletariado nasceu, como F. A. Hayek
reconhece. Por padrões libertários, isso constitui exploração porque o poder do
Estado jaz por trás dos apuros dos trabalhadores. A oportunidade de trabalhar
nas fábricas é frequentemente apresentada como uma bênção, mas ela parece menos
benigna quando o roubo de terras é reconhecido. Além disso, há evidência que os
novos donos de fábricas obtiveram um pouco de seu capital dos interesses do
"antigo dinheiro", mas mesmo que esse não fosse o caso, os
industriais se beneficiaram da interferência do Estado com o direito à terra
dos pequenos fazendeiros. Membros da classe dominante e observadores
frequentemente expressavam preocupação que ninguém fosse escolher trabalhar
para uma outra pessoa em uma fábrica desagradável se ele pudesse trabalhar para
si mesmo na terra ou como um artesão. Eles compartilhavam a visão do escritor
britânico do século XIX, E. G. Wakefield: "Onde a terra é barata e todos
os homens são livres, onde todo mundo que assim deseja pode obter um pedaço de
terra para si, não apenas o trabalho é muito caro, no que diz respeito à parte
dos trabalhadores no produto, mas a dificuldade é obter trabalho combinado a
qualquer preço que seja".
O laissez
faire de forma alguma começou neste ponto. Kevin Carson escreve,
Além disso,
empregadores fabris dependiam de medidas autoritárias severas por parte do
governo para manter o trabalho sob controle e reduzir seu poder de barganha. Na
Inglaterra, as Leis de Assentamento [denunciadas por Adam Smith] agiam como um
tipo de sistema de passaportes internos, impedindo que os trabalhadores
viajassem para fora da paróquia de seu nascimento sem permissão do governo.
Assim, os trabalhadores eram impedidos de "votar com seus pés" em
busca de trabalhos que pagassem melhor...
As Leis de Combinação, que impediam
os trabalhadores de se associarem para barganhar com os empregadores, eram
aplicadas inteiramente pelo direito administrativo, sem quaisquer das proteções
do devido processo do direito consuetudinário...
Assim,
o Estado intervencionista manchou a emergência da era industrial. (Ela teria
emergido espontaneamente de outra forma.)
Como
Albert Jay Nock escreveu,
Os horrores da
vida industrial da Inglaterra no último século [XIX] fornecem um depoimento
permanente para os viciados em intervenção positiva. O trabalho infantil e
feminino nos moinhos e nas minas; Coketown e o Sr. Bounderby; salários de fome;
horas mortais; condições vis e perigosas de trabalho; navios-caixões comandados
por rufiões – todos estes são atribuídos, sem hesitação, por reformistas e
publicistas, a um regime de individualismo rude, concorrência desenfreada e laissez-faire. Isto é um absurdo
patente, pois nenhum regime assim jamais existiu na Inglaterra. Eles se deviam
à intervenção primária do Estado, por meio da qual a população da Inglaterra
foi expropriada da terra; deviam-se à remoção estatal da terra da concorrência
com a indústria pelo trabalho...
Assim, como
Kevin Carson escreve,
O capitalismo,
surgindo como uma nova sociedade de classe diretamente a partir da velha
sociedade de classe da Idade Média, foi fundado sobre um ato de roubo tão
massivo quanto a anterior conquista feudal da terra. ... Desde o início da
revolução industrial, o que é nostalgicamente chamado de
"laissez-faire" foi, na verdade, um sistema de contínua intervenção
estatal para subsidiar a acumulação, garantir o privilégio e manter a
disciplina do trabalho.
A mancha da
intervenção governamental na atividade econômica foi transferida para as
colônias britânicas na América do Norte. A natureza radical da Revolução
Americana mascarou a luta de classes dentro da sociedade colonial americana,
entre o que o historiador Merrill Jensen chamou de "radicais" e
"conservadores" em seu livro The
Articles of Confederation: An Interpretation of the Social-Constitutional
History of the American Revolution, 1774–1781
("Os Artigos da Confederação: Uma Interpretação da História
Social-Constitucional da Revolução Americana, 1774-1781"). (A análise de
classe não se originou com Marx, mas com radicais laissez faire anteriores, Charles Comte e
Charles Dunoyer.) Uma elite politicamente conectada veio a dominar cada
colônia, vivendo de grandes concessões de terra e de impostos. O poder e a
terra foram distribuídos como favores reais, e os ricos recipientes se enraizaram.
No Norte, a classe dominante consistia de mercadores, no Sul de grandes
cultivadores. Jensen nota que, na Pensilvânia, por exemplo, "os mercadores
haviam tentado por vários meios derrubar o sistema de mercados e leilões, a fim
de conseguirem um monopólio sobre o comércio varejista". Naquela época,
como agora, as empresas estabelecidas preferiam cartéis à concorrência livre e
imprevisível. As elites vieram a pensar sobre si mesmas como a aristocracia
sábia, destinada a governar, e não estavam ansiosas para entregar o poder
quando os radicais primeiro começaram a pressionar pela independência da
Grã-Bretanha. Ficar no império era visto como a chave para se manter o poder
político local.
Os
radicais e os conservadores, assim, tinham interesses econômicos e políticos
diferentes e visões diferentes sobre a independência da Grã-Bretanha. Quando as
usurpações britânicas tornaram intolerável uma associação continuada com o
império até mesmo para muitos conservadores, esses grupos então discordaram
sobre como a nova nação deveria ser governada. Os interesses mercantis tendiam
a favorecer a centralização nacionalista, que era vista como a melhor maneira
de manter seu poder e restringir os democratas radicais. Eles esperavam emular
o sistema mercantilista britânico. Em contraste, a massa do povo, que se sentia
aproveitada por esses interesses, tendia a favorecer a descentralização, uma
vez que acreditavam que tinham uma chance melhor de justiça e propriedade com o
autogoverno local. Desta forma, o que Jensen chama de "revolução
interna" – o esforço para se quebrar o domínio das elites nas colônias –
foi pelo menos tão importante quanto a externa, contra os britânicos.
A Constituição
Dada
essa imagem da pré-independência, não deveria ser nenhuma surpresa que a América
independente não era nenhum bastião de libertarianismo laissez faire. De fato, o esforço para se
derrubar os Artigos da Confederação – com seu semigoverno central fraco, que
carecia do poder de tributar a população diretamente ou de regulamentar o
comércio – e estabelecer um governo central bem mais forte sob a Constituição
dos E.U.A. foi uma continuação da luta interna que havia ocorrido antes da
Revolução. Para dar apenas uma indicação aqui, erroneamente se acredita que a
força condutora por trás da Constituição era a determinação de se criar uma
zona de livre comércio entre os estados. Assim, de acordo com o relato padrão,
a Cláusula do Comércio foi a resposta a barreiras comerciais generalizadas
entre os estados. Mas diversos problemas se apresentam. Primeiro, os Estados
Unidos já eram uma zona de livre comércio (com a exceção de raras restrições a
bens europeus passando de um estado para outro).
Segundo,
ao argumentar a favor da retificação da Constituição nos Artigos Federalistas, Alexander Hamilton reclamou que as tarifas
eram baixas demais, não altas demais:
É, portanto,
evidente que um governo nacional seria capaz, com muito menos custo, de
estender as taxas sobre importações, para além de comparações, mais do que
seria praticável aos Estados separadamente, ou a quaisquer confederações
parciais: Até agora, creio que possa ser seguramente afirmado que essas taxas
não excederam, na média, em qualquer Estado, três por cento... Parece não haver
nada para dificultar que elas sejam aumentadas neste país a pelo menos o triplo de sua quantia atual... [O
Federalista 12; ênfase adicionada].
Em
outras palavras, a concorrência entre os estados estava mantendo as tarifas
baixas, ao passo que unir os estados sob um governo central forte refrearia
essa concorrência, ao estilo de um cartel, e permitiria tarifas mais altas. (De
fato, o primeiro ato econômico do novo Congresso em 1789 – em 4 de julho! – foi
uma tarifa protetora abrangente, de 5 a 10 por cento. Ela foi chamada de
"segunda Declaração de Independência".)
Terceiro,
o historiador Calvin Johnson observa,
Nos debates
originais sobre a adoção da Constituição, a "regulamentação do
comércio" era usada, quase
exclusivamente, como uma cobertura de palavras para propostas mercantilistas específicas, relacionadas
ao transporte em águas profundas e ao comércio exterior. A Constituição foi
escrita antes que Adam Smith, o laissez
faire e o livre comércio viessem a dominar o pensamento econômico, e a
Cláusula do Comércio extrai seu significado original da anterior tradição mercantilista... Barreiras ao comércio
interestadual, contudo, não eram uma questão notável nos debates originais.
[Ênfase adicionada.]
A
filosofia de descentralização de Thomas Jefferson podia ser a filosofia do
povo, mas as elites poderosas em todos os novos estados estavam no campo de
Hamilton. Como resultado, a intervenção governamental em partes críticas da
economia (melhorias internas e, mais tarde, subsídios às ferrovias) foram
proeminentes. Quando Jefferson e, mais tarde, os jeffersonianos ganharam poder,
eles foram capazes de reverter um pouco do dano, mas o nacionalismo e o
estatismo de Alexander Hamilton e Henry Clay estavam sempre nos flancos,
aguardando Lincoln ser eleito.
Distribuindo Terra
Uma
estória reveladora pode ser encontrada na disposição das terras federais. Como
observado, o favoritismo político e a especulação fundiária, que gerava
fortunas, eram escandalosas no período colonial. As coisas mudaram pouca depois
da Revolução. Apesar da impressão dada pelo
Homestead Act de 1862, a maior parte da terra – e
certamente as melhores terras – foram dadas ou vendidas em termos amorosos para
interesses econômicos influentes, mais proeminentemente, mas não
exclusivamente, aos interesses ferroviários. Desnecessário dizer, os sem-terra
e sem poder não estavam entre os compradores.
Como
o historiador Paul Wallace Gates escreveu em 1935,
[A] Lei do Homestead não mudou completamente nosso sistema
fundiário... [Sua] adoção meramente superpôs ao antigo sistema fundiário um
princípio a partir da harmonia com ele... Virá a aparecer que a Lei do Homestead não acabou com o sistema de leilão ou
com as vendas em dinheiro, como geralmente se assume, que a especulação e a
monopolização da terra continuaram depois de sua adoção, talvez de maneira tão
generalizada quanto antes, e, dentro assim como fora da lei, que o verdadeiro homesteading ficou geralmente confinado às terras
menos desejáveis, distantes das linhas férreas, e que o arrendamento de
fazendas se desenvolveu nas comunidades de fronteira, em muitos casos, como
resultado da monopolização da terra.
As
grandes propriedades produzidas por essas políticas, partes das quais foram
mantidas ociosas, limitaram as oportunidades daqueles sem poder e influência,
aumentando sua dependência de empregadores e senhorios. A situação, assim, tem
alguma semelhança com aquela da Inglaterra.
À
parte da questão da terra, sabemos do trabalho de Jonathan R. T. Hughes e
outros que, desde o princípio, o entrelaçamento do governo nas economias das
colônias e dos estados era comum. Hughes escreveu em The Governmental Habit Redux ("O
Hábito Governamental Revisto"),
A maioria dos
estudos dos controles modernos não-mercadistas consideram que a história
relevante se estende de volta até o New Deal. Alguns retornam mais, até o final do século XIX. Mas, na
verdade, o hábito poderoso e contínuo de controle não-mercadista na nossa
economia remonta a séculos...
Assim,
durante o período colonial, virtualmente todo aspecto da vida econômica estava
sujeito a controles não mercadistas. Um pouco dessa tradição não sobreviveria,
um pouco se tornaria ainda mais poderoso, ao passo em que um pouco ascenderia
ao nível de controle federal. O pano de fundo colonial era como um pool
genético institucional. A maior parte das instituições e práticas coloniais
continua a viver hoje de alguma forma, e há muito pouco nas maneiras do
controle não-mercadista que não tenha um precursor colonial ou inglês. A
história americana não começou em 1776.
A Expansão do
Capitalismo
Revisando
algumas dúzias de estudos sobre intervenção econômicas estadual e local no
século XIX, o historiador Robert Lively concluiu em 1955,
O Rei Laissez Faire, então, de
acordo com esses relatos, não estava apenas morto; o relato consagrado de seu
reino havia todo sido um erro. O erro foi um de proporções monumentais, uma
mistura de dados negligenciados, distorção interessada e preconcepções
persistentes.... As energias substanciais do governo... foram empregadas mais
frequentemente para a ajuda do que para o entrave das empresas. O tema amplo e
bem documentado revisado aqui é aquele do apoio público ao desenvolvimento
empresarial.
Na
segunda metade do século XIX, a América se moveu para mais longe, não mais
perto, do laissez faire, graças à adoção, feita por Lincoln, do Sistema Americano
estatista de Henry Clay, que incluía um banco nacional, melhorias internas,
tarifas e, por um tempo, um imposto de renda. Como Joseph R. Stromberg escreve,
"Na verdade, a Era Dourada testemunhou um 'grande churrasco', para usar a
frase de Vernon Louis Parrington, enraizado no estatismo desenfreado dos anos
de guerra, cujos participantes se defendiam com retórica spenceriana, enquanto
seguravam com as duas mãos".
O
século XX apenas acelerou este processo ao deslocá-lo ainda mais para o nível
nacional. A cumplicidade das grandes empresas nas "reformas" da Era
Progressista está bem documentada, graças a Gabriel Kolko e outros. Se você
contar favores para as principais empresas como intervenção governamental,
então não houve nenhum laissez faire no século XX, mesmo durante os
anos de Harding-Coolidge.
A ficha intervencionista de Herbert Hoover é bem conhecida. E deve se entender
que as grandes empresas apoiaram a eleição de Franklin Roosevelt em 1932 e sua
administração durante seu período inicial. A corporativista Administração de
Recuperação Nacional era do seu agrado e, para algumas, não foi longe o
suficiente. Caso se acredite que, nas agonias da Depressão, a América poderia
ter adotado uma nacionalização explícita dos meios de produção, então pode-se
concluir que Rooselvelt de fato "salvou o capitalismo", mas não no
sentido do livre mercado, que já havia sido comprometido virtualmente para além
de qualquer reconhecimento.
A
conclusão é que o capitalismo histórico não era o livre mercado. Em vez disso,
ele foi um sistema anti-competitivo e pró-empresas de controles e subsídios, no
qual o governo e os interesses mercantis trabalharam juntos, em uma tentativa
equivocada de produzir crescimento econômico e de promover as fortunas de
interesses bem-conectados específicos. Como em qualquer período, há rentistas e
governantes que os favorecem, com uma porta giratória entre os dois grupos. Mas
é importante notar que não houve nenhuma tentativa de planejamento econômico
abrangente. Desta forma, havia escopo para empreendedorismo, que precisa de
pouco encorajamento para florescer. Por padrões históricos, o fardo do governo
era leve. A grama brota através das rachaduras na calçada. Um pouco de
liberdade econômica já faz muito.
Este
relato histórico é relevante para entender a base a partir da qual a economia
dos E.U.A. evoluiu e perceber que a trajetória de desenvolvimento foi diferente
do que teria sido se um verdadeiro livre mercado tivesse existido. O privilégio
teve efeitos de longa duração, os quais nós ainda sentimos hoje, devido ao que
Kevin Carson chamou de "subsídio da história".
Assim,
não se pode dizer que aqueles que chamam o sistema de hoje de
"capitalismo" estejam usando o termo erroneamente. Defensores do
verdadeiro livre mercado, portanto, seriam bem aconselhados a evitar usá-lo
para descrever seu sistema social preferido.
NOTAS:
[1] Stephen Kinzer, “Caribbean Communism v
Capitalism,” The Guardian (Guardian News and Media, Jan. 22, 2010) <http://www.guardian.co.uk/commentisfree/cifamerica/2010/jan/
22/cuba-communism-human-rights> (March 13, 2011).