terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Ética e Opções: Em Direção a Uma Ética de Não-interferência

Ética e Opções: Em Direção a Uma Ética de Não-interferência
por Uriel Alexis

Um pensamento surgiu em minha mente noite passada: e se expandíssemos o PNA?

O PNA (princípio de não agressão) é um princípio moral que afirma que a agressão é sempre injusta, que a força física só pode ser justamente aplicada a fim de parar uma agressão e para efetuar um reparo proporcional à vítima. Para os propósitos do PNA, a agressão é definida como iniciar ou ameaçar agir violentamente contra uma pessoa ou sua propriedade legítima.

Uma visão de justiça embasada no PNA depende de algumas pedras angulares. Primeiro, ela depende de uma definição de propriedade, isto é, daquelas coisas sobre as quais uma pessoa tem direito legítimo. É com base nesses direitos que se estabelecerá quando uma ação se configura como agressão. Segundo, ele depende de uma definição consentimento, já que todas as ações que não sejam consensuais são consideradas atos de agressão. Ambas essas colocadas juntas fazem uma afirmação bastante de senso comum: suas coisas, suas regras. Você tem direito a escolher o que acontece ao que está sob seu controle legítimo, e quaisquer atos que impeçam isso são atos injustos.

Ora, o PNA é um princípio de justiça apenas, ou seja, se refere apenas ao uso legítimo da força física. Assim, ele não fornece um teoria moral completa. Minha proposta aqui é expandir os entendimentos fundamentais que o PNA nos dá sobre a legitimidade das ações, e aplicá-los completamente a todas as ações, não apenas àquelas relacionadas ao uso da força física.

Se analisarmos os atos considerados injustos sob o PNA, podemos chegar à conclusão de que todos eles têm um traço em comum: eles limitam as opções das pessoas, sem que tenham assim escolhido. Assim, o PNA nos compromete a um etos de não interferência no que concerne o uso da força física: a injustiça das ações vem da diminuição que o agressor cria nas opções da vítima ao coagi-la fisicamente. Por certo, você sempre tem a liberdade radical Sartreana: mesmo sob a mira de uma arma, você tem a opção de não aceitar a exigências de quem está com a arma e, possivelmente, tomar o tiro. O que achamos injusto sobre isso, sob o PNA, é que todas as outras opções que você tinha anteriormente lhe foram tiradas pelo ato da pessoa com a arma.

Ao levarmos este entendimento de não-interferência para ações que não lidam com a força física, podemos chegar uma teoria moral mais completa. Um princípio geral para discernir o que é correto/moral e o que errado/imoral seria: se as consequências das ações diminuem as opções de uma terceira parte, elas são tanto mais imorais quanto o fizerem, e uma defesa do mesmo tipo e um reparo proporcional se justificam.

Em termos práticos, isto significa que as pessoas deveriam absterem-se de agir de maneira a diminuir as opções das outras pessoas (a menos que estas últimas tenham escolhido deixar de lado tais opções de antemão - caso em que nenhuma opção realmente é removida). A "defesa do mesmo tipo" deveria usar os mesmos meios que a ação imoral original usou (assim como a força física é usada contra a agressão por meio da força física). O reparo proporcional também deveria usar os mesmos meios e deveria visar restaurar as opções da vitima a seu estado original.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2015

O Mundo Não É Um Lugar Frio e Sombrio

O Mundo Não É Um Lugar Frio e Sombrio
por Uriel Alexis


Vejo pessoas que estão constantemente reclamando sobre sua solidão, sobre quão deserto e cruel o mundo às vezes é. Mas quão rápido elas se esquecem de que esse deserto e essa crueldade vêm de seus próprios corações. Em tempos em que é comum desprezar as pessoas por sua aparência ("você é só uma vaca gorda!"), por seu comportamento sexual ("ela é uma vadia!") e, na verdade, por basicamente qualquer coisa, não é surpresa alguma que amor e amizade verdadeiros sejam difíceis de se encontrar.
O problema não é que a promiscuidade ou a ambição tenham aumentado, o problema é que a frieza e a maldade aumentaram. Satisfazemo-nos com violência e tortura. Ignoramos estupros, ou os culpamos sobre a vítima. Lidamos com as pessoas mais pobres ou mais fracas como com gado (e lidamos com gado da forma que lidamos). Reunimo-nos em nossos grupos, decidimos as verdades, exaltamos nossas qualidade e tiranizamos o mundo. Em qualquer grupo que seja, buscamos a diferença e a suprimimos. Silenciamos. Chacinamos. E, desta forma, nos tornamos pessoas frias e duras como pedra, esquecemos o que é a simpatia e a compaixão, e sentimos um gosto constante de medo.
Ainda assim, pedimos misericórdia para nós, pedimos amor e ternura, e permanecemos lamentando nossa própria solidão. Aqui nossa contradição se manifesta.
A verdade é que somos muito exigentes. Muito restritivs. Tods temos "discernimento". Escolhemos todos os aspectos de quem vive conosco, e quase nunca tentamos entender, aprender ou sequer testemunhar qualquer coisa nova. Vemos pessoas diferentes como uma infecção que queremos evitar.
Vamos acabar simplesmente não sendo escolhids.
Então, seria interessante que, da próxima vez que encontrarmos uma pessoa diferente, alguém que não concorda com nossas verdades ou não se enquadra em nossos ideais, tentemos não dizer o que nela que nos incomoda. Em vez disso, vamos tentar encontrar o prazer de conhecer sua alma como ela é, especialmente porque ela é. Vamos tentar estabelecer alguma simpatia, algum reconhecimento mútuo, que, afinal, são a base de nossas ações éticas. Apenas então saberemos que o mundo não é um lugar frio e sombrio.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Corporativismo 101

Corporativismo 101
por Uriel Alexis


[Em face à nova onda de manifestações contra o aumento das passagens resolvi reeditar uma nota que escrevi em Junho de 2013, referente ao processo político do corporativismo.]

O conluio entre estado e corporações para oprimir e explorar a população nunca foi tão evidente no cotidiano quanto nos últimos anos. Vou tentar esboçar um pouco como funciona a operação do corporativismo capitalista, tendo em vista o caso mais em evidência desde Junho de 2013, que seria o do transporte coletivo. O primeiro passo é entender que as pessoas que controlam o estado se comportam como prestadors de serviços: recebem dinheiro, ou alguma outra mercadoria - especialmente favores - em troca de alguma ação que possam realizar. As maneiras, obviamente extra-oficiais, em que isso acontece são diversas, as mais clássicas sendo financiamento de campanhas, vantagens comerciais (produtos e serviços grátis, descontos, etc.), e o bom e velho lobby. Quem tem maior poder de compra, consegue mais serviços - e ninguém tem maior poder de compra junto ao estado do que grandes corporações, especialmente transnacionais. Assim, por padrão, as ações políticas das pessoas que controlam o estado vão representar os interesses das pessoas que controlam grandes empresas, embora exista uma preocupação em manter um verniz de “preocupação social” no discurso. O fato de que todas essas pessoas muitas vezes provêm de uma mesma classe social e frequentam os mesmos espaços desde pequenas só torna tudo isso mais fácil.

O segundo passo é entender de onde as pessoas que controlam o estado derivam o poder de fornecer serviços políticos. Não vou aqui entrar no mérito das teorias do contrato social que justificam a existência e os poderes do estado. Basta dizer que, factualmente, a aceitação tácita da população garante que a instituição exista e detenha alguns poderes exclusivos. Nós que vamos lá votar nessas pessoas legitimamos diariamente seus poderes. Os que mais nos interessam aqui são: o poder de taxação e os monopólios da justiça e do uso legítimo da força. É através desse poderes que agentes estatais fornecem seus serviços. No popular, eles roubam seu dinheiro (e, por consequência seu tempo e seu trabalho) e lhe dizem como se comportar (ou então…).

Com o dinheiro “arrecadado” (i.e, roubado) pelos impostos, tais agentes podem emitir títulos da dívida “pública” e abrir linhas de crédito especiais para grandes empresas, efetivamente redistribuindo os recursos produzidos pela população entre as empresas que contratam os serviços estatais. Através de regulamentações e concessões, podem estabelecer cartéis legalizados (como os que controlam a maioria dos transportes públicos no Brasil), que recebem também uma parte desses recursos. Através da criação de estatais, podem estabelecer contratos superfaturados via licitações obscuras com essas empresas (os mais recentes casos de corrupção nos transportes em São Paulo são dessa natureza), que recebem mais outra parte daqueles recursos. Através de verbas para propaganda governamental e leis de incentivo à “cultura”, conglomerados corporativos de mídia recebem a sua devida fatia.

Obviamente, todo saco tem um fundo, e uma hora o dinheiro acaba. É aí que a tarifa aumenta. Para manter as aparências de “pessoas do povo” que legitimam seus poderes, quem opera o estado precisa no mínimo fingir razoavelmente bem que estão fornecendo algum serviço para a população. É por isso que ainda existem ônibus e trens. Mas operar eles tem custos e eles não vão ser cobertos com os recursos que já foram passados para bolsos alheios. Vão cobrar de novo da população, sob as mais diversas desculpas, a preferida sendo “corrigir os preços pela inflação” - mesmo que ela tenha sido criada justamente naquela emissão de títulos da dívida pública.

Isso caracteriza a nossa exploração cotidiana. A opressão se segue quando o povo, no limite da sua tolerância a essa escravidão massacrante, se organiza e se manifesta pacificamente (mesmo em face das diversas violências sofridas no processo). Contestads em praça pública, tanto fornecedors quanto contratantes dos serviços estatais não demoram a reagir

A condenação repetida dos movimentos sociais na mídia é apenas um dos pagamentos pelos serviços prestados pelo estado, já que sua estabilidade depende primariamente daquela já mencionada aceitação tácita da população. É importante que a mensagem seja clara: “está tudo bem, voltem pra casa, voltem ao trabalho, não se misturem com esses vagabundos que estão reclamando”. Quando nem isso é suficiente, saca-se o monopólio do uso legitimado da força: é quando as bombas de gás lacrimogênio começam a cair, e manifestantes são presos sem terem cometido qualquer crime (temos 23 pessoas presas políticas atualmente, incluindo um morador de rua que sequer participava da manifestação).


They like to push the weak around!