terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Corporativismo 101

Corporativismo 101
por Uriel Alexis


[Em face à nova onda de manifestações contra o aumento das passagens resolvi reeditar uma nota que escrevi em Junho de 2013, referente ao processo político do corporativismo.]

O conluio entre estado e corporações para oprimir e explorar a população nunca foi tão evidente no cotidiano quanto nos últimos anos. Vou tentar esboçar um pouco como funciona a operação do corporativismo capitalista, tendo em vista o caso mais em evidência desde Junho de 2013, que seria o do transporte coletivo. O primeiro passo é entender que as pessoas que controlam o estado se comportam como prestadors de serviços: recebem dinheiro, ou alguma outra mercadoria - especialmente favores - em troca de alguma ação que possam realizar. As maneiras, obviamente extra-oficiais, em que isso acontece são diversas, as mais clássicas sendo financiamento de campanhas, vantagens comerciais (produtos e serviços grátis, descontos, etc.), e o bom e velho lobby. Quem tem maior poder de compra, consegue mais serviços - e ninguém tem maior poder de compra junto ao estado do que grandes corporações, especialmente transnacionais. Assim, por padrão, as ações políticas das pessoas que controlam o estado vão representar os interesses das pessoas que controlam grandes empresas, embora exista uma preocupação em manter um verniz de “preocupação social” no discurso. O fato de que todas essas pessoas muitas vezes provêm de uma mesma classe social e frequentam os mesmos espaços desde pequenas só torna tudo isso mais fácil.

O segundo passo é entender de onde as pessoas que controlam o estado derivam o poder de fornecer serviços políticos. Não vou aqui entrar no mérito das teorias do contrato social que justificam a existência e os poderes do estado. Basta dizer que, factualmente, a aceitação tácita da população garante que a instituição exista e detenha alguns poderes exclusivos. Nós que vamos lá votar nessas pessoas legitimamos diariamente seus poderes. Os que mais nos interessam aqui são: o poder de taxação e os monopólios da justiça e do uso legítimo da força. É através desse poderes que agentes estatais fornecem seus serviços. No popular, eles roubam seu dinheiro (e, por consequência seu tempo e seu trabalho) e lhe dizem como se comportar (ou então…).

Com o dinheiro “arrecadado” (i.e, roubado) pelos impostos, tais agentes podem emitir títulos da dívida “pública” e abrir linhas de crédito especiais para grandes empresas, efetivamente redistribuindo os recursos produzidos pela população entre as empresas que contratam os serviços estatais. Através de regulamentações e concessões, podem estabelecer cartéis legalizados (como os que controlam a maioria dos transportes públicos no Brasil), que recebem também uma parte desses recursos. Através da criação de estatais, podem estabelecer contratos superfaturados via licitações obscuras com essas empresas (os mais recentes casos de corrupção nos transportes em São Paulo são dessa natureza), que recebem mais outra parte daqueles recursos. Através de verbas para propaganda governamental e leis de incentivo à “cultura”, conglomerados corporativos de mídia recebem a sua devida fatia.

Obviamente, todo saco tem um fundo, e uma hora o dinheiro acaba. É aí que a tarifa aumenta. Para manter as aparências de “pessoas do povo” que legitimam seus poderes, quem opera o estado precisa no mínimo fingir razoavelmente bem que estão fornecendo algum serviço para a população. É por isso que ainda existem ônibus e trens. Mas operar eles tem custos e eles não vão ser cobertos com os recursos que já foram passados para bolsos alheios. Vão cobrar de novo da população, sob as mais diversas desculpas, a preferida sendo “corrigir os preços pela inflação” - mesmo que ela tenha sido criada justamente naquela emissão de títulos da dívida pública.

Isso caracteriza a nossa exploração cotidiana. A opressão se segue quando o povo, no limite da sua tolerância a essa escravidão massacrante, se organiza e se manifesta pacificamente (mesmo em face das diversas violências sofridas no processo). Contestads em praça pública, tanto fornecedors quanto contratantes dos serviços estatais não demoram a reagir

A condenação repetida dos movimentos sociais na mídia é apenas um dos pagamentos pelos serviços prestados pelo estado, já que sua estabilidade depende primariamente daquela já mencionada aceitação tácita da população. É importante que a mensagem seja clara: “está tudo bem, voltem pra casa, voltem ao trabalho, não se misturem com esses vagabundos que estão reclamando”. Quando nem isso é suficiente, saca-se o monopólio do uso legitimado da força: é quando as bombas de gás lacrimogênio começam a cair, e manifestantes são presos sem terem cometido qualquer crime (temos 23 pessoas presas políticas atualmente, incluindo um morador de rua que sequer participava da manifestação).


They like to push the weak around!


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