quarta-feira, 5 de agosto de 2015

Individualidades e Coletividades - Direitos e Forças


Individualidades e Coletividades - Direitos e Forças

Em War and Peace, Proudhon definiu "direitos" desta maneira:

DIREITO, em geral, é o reconhecimento da dignidade humana em todas as suas faculdades, atributos e prerrogativas. Há, desta forma, muitos direitos especiais, já que os humanos podem levantar diferentes reivindicações, devidas à diversidade de suas faculdades e de seu exercício. Como consequência, a genealogia dos direitos humanos seguirá aquela das faculdades humanas e de suas manifestações.

O direito da força é o mais simples de todos e o mais básico: é a deferência prestada ao homem por sua força. Como todo outro direito, ele existe apenas sob a condição de reciprocidade. Assim como o reconhecimento da força superior de maneira alguma implica na negação da inferior, o direito que pertence ao primeiro não destrói aquele do segundo. Se a terra é atraída pelo sol, o sol, por sua vez, é atraído pela terra e pelos outros planetas: em virtude desta dupla atração, o centro da rotação não está no centro do sol, mas a uma distância proporcional ao poder da atração recíproca do sol e dos planetas.

Isto obviamente não é nenhuma das teorias convencionais de direitos e, em última análise, a questão de "direitos humanos" é apenas um aspecto—embora, obviamente, um que é criticamente importante para nós—de uma questão mais ampla dos direitos das individualidades.

Se essa frase—"os direitos das individualidades"—soa sem sentido para você, então você enfrenta um dilema: Você pode ou dar sentido a ela, nos termos de Proudhon, ou ir encontrar outro material de leitura. Tentar encaixar um conjunto de definições em um sistema construído sobre um conjunto inteiramente diferente é uma prática comum o bastante, mas não é particularmente útil.

Para Proudhon, recorde, JUSTIÇA significava EQUILÍBRIO, e as várias formas de justiça formavam uma SÉRIE, começando com os equilíbrios de força física e de astúcia—força e fraude, em última análise. A emergência da astúcia enquanto um equilíbrio à força física iniciou não apenas uma mudança no critério de justiça, mas um aumento de complexidade, uma multiplicação de critérios. Nos maus velhos tempos, quando os "iguais" ou "heróis" dificilmente se estendiam entre homens fortes e vigaristas (de acordo com a descrição de Proudhon), já vemos a possibilidade de uma multiplicação de forças reconhecíveis. A divisão do trabalho—uma faca de dois gumes, como a maioria dos conceitos de Proudhon, mas não o puro negativo de alguma teoria anticapitalista—abria a possibilidade do reconhecimento de forças adicionais e, assim, do estabelecimento de equilíbrios mais complexos. De maneira mais importante, ela abria a possibilidade de uma participação mais completa por parte de mais indivíduos, ou individualidades, —todas elas (todas nós) "diferentemente capacitadas" (como se diz) —no balanceamento geral associado com a justiça.

A justiça era um equilíbrio—ou um nível—e o Direito (droit) não era muito mais do que uma régua, um meio de traçar a linha reta ou direita de desenvolvimento individual—seja de faculdades, de indivíduos humanos ou de individualidades coletivas. Para Proudhon, afinal, todo indivíduo era um grupo e todo grupo com unidade de ação suficiente para ser merecedor do nome poderia ser identificado por sua LEI ou princípio de organização. De modo que uma preocupação com o Direito era uma preocupação com "o reconhecimento da dignidade humana em todas as suas faculdades, atributos e prerrogativas"—mas de uma maneira completamente mutualista, de modo que o reconhecimento não pudesse ser limitado a uma única escala. Dizer que "o estado tem seus direitos" ou focar no nível de faculdades ou atributos é, obviamente, usar um tipo diferente de linguagem e de argumento do que geralmente é usado nos debates sobre "direitos humanos". Por mais perto que Proudhon chegue de identificar algo como "direitos naturais", ele permanece essencialmente descritivo em seu tratamento e, claro, multiplica esses potenciais direitos—"...dignidade... em todas as suas faculdades, atributos e prerrogativas"—de uma maneira que escapa julgamentos normativos fáceis.

De fato, o componente normativo do sistema de Proudhon não se estende muito além da Regra de Ouro—o princípio de RECIPROCIDADE—e do comprometimento com o progresso e com o processo de aperfeiçoamento através da experiência ou aproximação. "Faça aos outros o que gostaria que fizessem a você" (às vezes na forma negativa, "não faça aos outros o que você não quer que façam a você”) —e então faça melhor, e melhor, e.... Eu tenho argumentado que a forma positiva da injunção impõe o tipo de incerteza que força o mutualista consciencioso a "mirar alto", o que equivale a prestar bastante atenção àquelas "dignidades" que poderíamos deixar escapar se estivermos envoltos demais em nossas próprias percepções presentes sobre o que constitui a (nossa) dignidade.

Esta consideração cuidadosa não é—ou não é apenasdirigida ao outro. O sujeito individual proudhoniano é agente em uma variedade de escalas-de-ser. Ele marca uma particular intersecção do legítimo desdobramento de múltiplas individualidades nestas múltiplas escalas. (Poderíamos dizer que o indivíduo é um produto/produtor de um sistema policêntrico de leis naturais—se a aparente familiaridade da linguagem não apresentasse seus próprios problemas...) Se fôssemos abordar a questão da "propriedade" da mesma maneira majoritariamente descritiva que Proudhon aplicou à justiça, às leis e aos direitos, provavelmente vamos propor um sistema policêntrico similarmente complexo, em múltiplas escalas, em que a propriedade individual pode não ser "privada" ou exclusiva—ou onde a "propriedade privada" emerge como um resultado de uma economia da dádiva. Novamente, a noção de Leroux de "direitos de propriedade sobre o outro" ou o "cada átomo que pertence a mim pertence igualmente a você" de Whitman são sinalizações úteis nesse campo.

[Para os leitores atuais que não estavam nas discussões sobre Leroux em 2008, aqui está uma passagem chave: "A vida do homem, então, e de todo homem, pelo desejo de seu Criador, é dependente de uma comunicação incessante com seus companheiros seres e com o universo. Aquilo que nós chamamos de sua vida não pertence inteiramente a ele e não reside nele apenas; ela está, de uma só vez, dentro dele e fora dele; ela reside parcial e conjuntamente, por assim dizer, em seus companheiros e no mundo ao redor. De um certo ponto de vista, portanto, pode-se dizer que seus companheiros seres e o mundo pertencem também a ele. Pois, como sua vida reside neles, aquela porção dela que ele controla, e que ele chama de Eu, tem virtualmente um direito a essa outra porção, da qual ele não pode soberanamente dispor, e que ele chama de Não Eu."]

O problema óbvio de um sistema primariamente descritivo—particularmente um em que a "justiça" não descreve nada além de um equilíbrio, "direito" significa algo como "expressão ordenada", "propriedade" simplesmente descreve a presente extensão de uma dada individualidade, etc. é que ele não nos dá muita orientação. Mesmo a lei de reciprocidade parece uma possível resposta remendada em uma situação em que nenhuma resposta é imposta ou adequada às circunstâncias.

Não há como se esquivar das dificuldades. Parece claro que Proudhon vê a ética como algo que temos que construir por nós mesmos. E uma grande parte de seus escritos é uma tentativa de mostrar, através da ciência social, por que tomar a reciprocidade como um modelo é uma escolha inteligente. Ele retrata muito de seu argumento como um relato histórico. Pode ser ou não boa história, mas é uma ilustração muito boa de como uma ética mutualista poderia se desenvolver por experimentação.

Proudhon começa com um mundo de ABSOLUTOS. Individualidades, incluindo indivíduos humanos, se desenvolvem de acordo com suas leis, encontrando-se enquanto outros, antagonistas e incomensuráveis. Todo sujeito é um martelo, e todo objeto um prego, e tudo é tanto sujeito quanto objeto para todas as outras coisas, quer queiram, quer não—e, em última instância, o aparente conflito é a manifestação de uma lei absoluta em outro nível, então tudo é meramente o fluxo do ser—exceto pela LIBERDADE. Proudhon distingue entre "absolutos livres" e todos os outros, com a distinção sendo que os primeiros são autoconscientes, podem dizer "eu" e podem, portanto, também ser outro-conscientes. O absoluto livre é içado para fora do fluxo geral, para dentro da guerra geral, através da habilidade de distinguir entre eu e outro. No ponto em que absolutos livres reconhecem uns aos outros como outros eus, como outros absolutos livres ou companheiros, em algum sentido, então a ética se torna possível—e alguma forma de ética se torna necessária. O autoconhecimento vem, em grande parte, do encontro com o outro-como-eu, que é presumivelmente outra manifestação da mesma lei geral. O problema das diferenças entre coisas que são "a mesma" é a abertura ao autoconhecimento, e o autoconhecimento começa com o sentido de que talvez nem tudo seja preordenado para um indivíduo como nós. Conforme exploramos nossas diferenças individuais e nossas conexões e similaridades coletivas, dificilmente podemos deixar de alterar tanto nossos eus quanto nossos relacionamentos. As leis físicas ainda se aplicam em seu nível, naturalmente, mas seu controle absoluto sobre nós se afrouxa conforme nos tornamos mais adeptos a ver a diferença e a possibilidade e começamos a manipulá-las—ou nossa posição em relação a elas. Muito do Contradições Econômicas é uma tentativa de estabelecer uma série lógica através da qual as incógnitas e as aparentes contradições presentes a cada estágio do desenvolvimento social humano abrem a porta para transformações de relações humanas. O relato tem muito em comum com os tipos mais determinísticos de "história universal", mas a ênfase na "contradição"—nas antinomias—é o que o tornam um relato especificamente libertário. Para Proudhon, a liberdade era uma quantidade inerente em uma dada individualidade, baseada na complexidade de sua organização e no número de suas conexões a outras individualidades. A liberdade era uma manifestação de tudo em uma dada organização que atrasava, despistava ou resistia à simples determinação. Se, como ele alegava, "a genealogia dos direitos humanos seguirá aquela das faculdades humanas e de suas manifestações" e, como eu venho alegando há algum tempo, a tendência geral é em direção a "manifestações" cada vez mais complexas e a reconhecimentos cada vez mais complexos (conforme o conjunto de portadores reconhecidos de direitos ou de potenciais portadores de direitos cresce), veríamos, em várias escalas sociais, um aumento em liberdade e, na escala humana, tanto um aumento em liberdade quanto um aumento potencialmente alarmante na complexidade das questões éticas—sem qualquer maneira fácil de descasar os dois fenômenos. E isto seria tão verdadeiro para o egoísta consumado quanto para o altruísta (embora esta seja uma questão à qual eu não tentarei fazer justiça em um post já longo demais hoje...)

[obviamente continua, em algum momento no futuro próximo]


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