Individualidades e Coletividades - Direitos e Forças
por Shawn Wilbur
DIREITO, em geral, é o
reconhecimento da dignidade humana em todas as suas faculdades, atributos e
prerrogativas. Há, desta forma, muitos direitos especiais, já que os humanos
podem levantar diferentes reivindicações, devidas à diversidade de suas
faculdades e de seu exercício. Como consequência, a genealogia dos direitos
humanos seguirá aquela das faculdades humanas e de suas manifestações.
O direito da força é o mais simples
de todos e o mais básico: é a deferência prestada ao homem por sua força. Como
todo outro direito, ele existe apenas sob a condição de reciprocidade. Assim
como o reconhecimento da força superior de maneira alguma implica na negação da
inferior, o direito que pertence ao primeiro não destrói aquele do segundo. Se
a terra é atraída pelo sol, o sol, por sua vez, é atraído pela terra e pelos
outros planetas: em virtude desta dupla atração, o centro da rotação não está
no centro do sol, mas a uma distância proporcional ao poder da atração
recíproca do sol e dos planetas.
Isto obviamente não é nenhuma das teorias
convencionais de direitos e, em última análise, a questão de "direitos
humanos" é apenas um aspecto—embora, obviamente, um que é criticamente
importante para nós—de uma questão mais ampla dos direitos das individualidades.
Se essa frase—"os direitos das individualidades"—soa sem sentido para você,
então você enfrenta um dilema: Você pode ou dar sentido a ela, nos termos de
Proudhon, ou ir encontrar outro material de leitura. Tentar encaixar um
conjunto de definições em um sistema construído sobre um conjunto inteiramente
diferente é uma prática comum o bastante, mas não é particularmente útil.
Para Proudhon, recorde, JUSTIÇA significava
EQUILÍBRIO, e as várias formas de justiça formavam uma SÉRIE, começando com os
equilíbrios de força física e de astúcia—força e fraude, em última análise. A
emergência da astúcia enquanto um equilíbrio à força física iniciou não apenas
uma mudança no critério de justiça, mas um aumento de complexidade, uma
multiplicação de critérios. Nos maus velhos tempos, quando os
"iguais" ou "heróis" dificilmente se estendiam entre homens
fortes e vigaristas (de acordo com a descrição de Proudhon), já vemos a
possibilidade de uma multiplicação de forças
reconhecíveis. A divisão do trabalho—uma faca de dois gumes, como a maioria dos
conceitos de Proudhon, mas não o puro negativo de alguma teoria anticapitalista—abria
a possibilidade do reconhecimento de forças adicionais e, assim, do estabelecimento
de equilíbrios mais complexos. De maneira mais importante, ela abria a
possibilidade de uma participação mais completa por parte de mais indivíduos,
ou individualidades, —todas elas
(todas nós) "diferentemente capacitadas" (como se diz) —no
balanceamento geral associado com a justiça.
A justiça era um equilíbrio—ou um nível—e o
Direito (droit) não era muito mais do
que uma régua, um meio de traçar a linha reta
ou direita de desenvolvimento
individual—seja de faculdades, de indivíduos humanos ou de individualidades coletivas. Para Proudhon, afinal, todo indivíduo
era um grupo e todo grupo com unidade de ação suficiente para ser merecedor do
nome poderia ser identificado por sua LEI ou princípio de organização. De modo
que uma preocupação com o Direito era uma preocupação com "o
reconhecimento da dignidade humana em todas as suas faculdades, atributos e
prerrogativas"—mas de uma maneira completamente mutualista, de modo que o
reconhecimento não pudesse ser limitado a uma única escala. Dizer que "o
estado tem seus direitos" ou focar no nível de faculdades ou atributos é,
obviamente, usar um tipo diferente de linguagem e de argumento do que
geralmente é usado nos debates sobre "direitos humanos". Por mais
perto que Proudhon chegue de identificar algo como "direitos
naturais", ele permanece essencialmente descritivo em seu tratamento e,
claro, multiplica esses potenciais direitos—"...dignidade... em todas as
suas faculdades, atributos e prerrogativas"—de uma maneira que escapa
julgamentos normativos fáceis.
De fato, o componente normativo do sistema de
Proudhon não se estende muito além da Regra de Ouro—o princípio de
RECIPROCIDADE—e do comprometimento com o progresso e com o processo de
aperfeiçoamento através da experiência ou aproximação. "Faça aos outros o que
gostaria que fizessem a você" (às vezes na forma negativa, "não faça
aos outros o que você não quer que façam a você”) —e então faça melhor, e
melhor, e.... Eu tenho argumentado que a forma positiva da injunção impõe o
tipo de incerteza que força o mutualista consciencioso a "mirar
alto", o que equivale a prestar bastante atenção àquelas
"dignidades" que poderíamos deixar escapar se estivermos envoltos
demais em nossas próprias percepções presentes sobre o que constitui a (nossa)
dignidade.
Esta consideração cuidadosa não é—ou não é apenas—dirigida ao outro. O sujeito individual proudhoniano é agente em
uma variedade de escalas-de-ser. Ele marca uma particular intersecção do
legítimo desdobramento de múltiplas individualidades nestas múltiplas escalas.
(Poderíamos dizer que o indivíduo é um produto/produtor de um sistema
policêntrico de leis naturais—se a aparente
familiaridade da linguagem não apresentasse seus próprios problemas...) Se
fôssemos abordar a questão da "propriedade" da mesma maneira majoritariamente
descritiva que Proudhon aplicou à justiça, às leis e aos direitos,
provavelmente vamos propor um sistema policêntrico similarmente complexo, em
múltiplas escalas, em que a propriedade individual pode não ser
"privada" ou exclusiva—ou onde a "propriedade privada"
emerge como um resultado de uma economia da dádiva. Novamente, a noção de Leroux de
"direitos de propriedade sobre o outro" ou o "cada átomo que
pertence a mim pertence igualmente a você" de Whitman são sinalizações
úteis nesse campo.
[Para os leitores atuais que não estavam nas
discussões sobre Leroux em 2008, aqui está uma passagem chave: "A vida do
homem, então, e de todo homem, pelo desejo de seu Criador, é dependente de uma
comunicação incessante com seus companheiros seres e com o universo. Aquilo que
nós chamamos de sua vida não pertence inteiramente a ele e não reside nele
apenas; ela está, de uma só vez, dentro dele e fora dele; ela reside parcial e
conjuntamente, por assim dizer, em seus companheiros e no mundo ao redor. De um
certo ponto de vista, portanto, pode-se dizer que seus companheiros seres e o
mundo pertencem também a ele. Pois, como sua vida reside neles, aquela porção
dela que ele controla, e que ele chama de Eu, tem virtualmente um direito a
essa outra porção, da qual ele não pode soberanamente dispor, e que ele chama
de Não Eu."]
O problema óbvio de um sistema primariamente
descritivo—particularmente um em que a "justiça" não descreve nada
além de um equilíbrio, "direito" significa algo como "expressão
ordenada", "propriedade" simplesmente descreve a presente
extensão de uma dada individualidade, etc. é que ele não nos dá muita
orientação. Mesmo a lei de reciprocidade parece uma possível resposta remendada
em uma situação em que nenhuma resposta é imposta ou adequada às
circunstâncias.
Não há como se esquivar das dificuldades.
Parece claro que Proudhon vê a ética como algo que temos que construir por nós
mesmos. E uma grande parte de seus escritos é uma tentativa de mostrar, através
da ciência social, por que tomar a reciprocidade como um modelo é uma escolha
inteligente. Ele retrata muito de seu argumento como um relato histórico. Pode
ser ou não boa história, mas é uma ilustração muito boa de como uma ética
mutualista poderia se desenvolver por experimentação.
Proudhon começa com um mundo de ABSOLUTOS. Individualidades,
incluindo indivíduos humanos, se desenvolvem de acordo com suas leis,
encontrando-se enquanto outros, antagonistas e incomensuráveis. Todo sujeito é
um martelo, e todo objeto um prego, e tudo é tanto sujeito quanto objeto para
todas as outras coisas, quer queiram, quer não—e, em última instância, o
aparente conflito é a manifestação de uma lei absoluta em outro nível, então
tudo é meramente o fluxo do ser—exceto pela LIBERDADE. Proudhon distingue entre
"absolutos livres" e todos os outros, com a distinção sendo que os
primeiros são autoconscientes, podem dizer "eu" e podem, portanto,
também ser outro-conscientes. O absoluto livre é içado para fora do fluxo
geral, para dentro da guerra geral, através da habilidade de distinguir entre
eu e outro. No ponto em que absolutos livres reconhecem uns aos outros como outros eus, como outros absolutos livres ou companheiros,
em algum sentido, então a ética se torna possível—e alguma forma de ética se
torna necessária. O autoconhecimento vem, em grande parte, do encontro com o
outro-como-eu, que é presumivelmente outra manifestação da mesma lei geral. O
problema das diferenças entre coisas que são "a mesma" é a abertura
ao autoconhecimento, e o autoconhecimento começa com o sentido de que talvez
nem tudo seja preordenado para um indivíduo como nós. Conforme exploramos
nossas diferenças individuais e nossas conexões e similaridades coletivas,
dificilmente podemos deixar de alterar tanto nossos eus quanto nossos
relacionamentos. As leis físicas ainda se aplicam em seu nível, naturalmente,
mas seu controle absoluto sobre nós se afrouxa conforme nos tornamos mais
adeptos a ver a diferença e a possibilidade e começamos a manipulá-las—ou nossa
posição em relação a elas. Muito do Contradições
Econômicas é uma tentativa de estabelecer uma série lógica através da qual
as incógnitas e as aparentes contradições presentes a cada estágio do
desenvolvimento social humano abrem a porta para transformações de relações
humanas. O relato tem muito em comum com os tipos mais determinísticos de
"história universal", mas a ênfase na "contradição"—nas antinomias—é o que o tornam um relato
especificamente libertário. Para
Proudhon, a liberdade era uma quantidade inerente em uma dada individualidade,
baseada na complexidade de sua organização e no número de suas conexões a
outras individualidades. A liberdade era uma manifestação de tudo em uma dada
organização que atrasava, despistava ou resistia à simples determinação. Se,
como ele alegava, "a genealogia dos direitos humanos seguirá aquela das
faculdades humanas e de suas manifestações" e, como eu venho alegando há
algum tempo, a tendência geral é em direção a "manifestações" cada
vez mais complexas e a reconhecimentos cada vez mais complexos (conforme o
conjunto de portadores reconhecidos de direitos ou de potenciais portadores de
direitos cresce), veríamos, em várias escalas sociais, um aumento em liberdade
e, na escala humana, tanto um aumento em liberdade quanto um aumento
potencialmente alarmante na complexidade das questões éticas—sem qualquer
maneira fácil de descasar os dois fenômenos. E isto seria tão verdadeiro para o
egoísta consumado quanto para o altruísta (embora esta seja uma questão à qual
eu não tentarei fazer justiça em um post já longo demais hoje...)
[obviamente continua, em algum momento no
futuro próximo]
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