segunda-feira, 11 de junho de 2018

Um Olhar sobre o Comunismo

Um Olhar sobre o Comunismo
Voltairine de Cleyre (1893)


"Lança teu pão sobre as águas,
Encontra-o após muitos dias."

Dois anos atrás, em um pequeno salão no norte da cidade, casa de um tecelão da Filadélfia, um grupo de inquiridores da verdade estavam acostumados a se reunir a cada duas semanas para a discussão "Comunismo vs. Individualismo". Haviam presentes geralmente cerca de quinze Comunistas e cinco ou seis Individualistas. Admitamos aqui que, embora todos estivessem sinceramente buscando a verdade, cada lado estava bastante plenamente convencido de que o outro estava buscando na direção errada e que, tanto quanto sou capaz de afirmar, éramos todos ainda da mesma opinião. Contudo, no curso de um ano, algumas migalhas do pão flutuaram até à vista na forma de um diálogo que apresentava a substância daquelas discussões, que apareceu no Twentieth Century. Muitos dias mais novamente se passaram e, agora, um novo fragmento, na forma de uma crítica do diálogo pelo Sr. Zametkin na People de 17 de julho, se junta à maré.
            Ao tentar uma breve resposta a essa crítica, eu não presumo responder por minha co-escritora, Senhorita Slobodinsky. Sendo eu mesma uma Individualista sem aspas, não estou de maneira nenhuma autorizada a falar pela "escola". Esta é a vantagem que possuo sobre meu crítico. O Individualismo (sem aspas) pode muito confortavelmente ser interpretado como um nome geral para pessoas obrigadas a concordar sobre apenas uma coisa, que elas não são obrigadas a concordar sobre nada mais. Mas quando se adiciona o Comunista, começa-se a representar uma crença comum a um bom número de outros; e caso não se a represente corretamente, deve-se imediatamente retratar ou – ser excomungado. Suspeito que os argumentos apresentados pelo "Comunista imaginário", que eram na verdade uma condensação daqueles dados por quinze Comunistas reais nas discussões antes mencionadas, seriam consideradas heréticas pelo Sr. Zametkin (caso no qual ele deve partir para as aspas), pois é bem sabido que o próprio Comunismo tem dois indivíduos dentro de suas dobras, conhecidos como o Comunista de Estado e o Comunista Livre. Ora, meus amigos, de quem o Comunista imaginário era um composto e que ficarão muito surpresos de aprender de uma boa autoridade Comunista que eles eram apenas espantalhos, pertencem à última variedade, às vezes chamada de Anarquistas-Comunistas. Um Anarquista-Comunista é uma pessoa que é um homem primeiro e um Comunista depois. Ele geralmente entra em uma grande quantia de situações irreconciliáveis de uma vez, acredita que a propriedade e a competição devem morrer, e ainda assim admite que ele não tem qualquer autoridade para matá-las, luta pela igualdade e, no mesmo fôlego, nega sua possibilidade, odeia a caridade e, no entanto, deseja tornar a sociedade uma vasta Casa de Misericórdia e, em suma, de maneira muito geral, cavalga dois cavalos que vão em direções opostas ao mesmo tempo. Ele normalmente não é muito receptivo à lógica; mas tem um coração quarenta ou cinquenta vezes grande demais para os ambientes do século XIX e, em minha opinião, vale tanto quanto os muitos lógicos frios que examinam a sociedade como o naturalista examina um besouro e a empalam em seus silogismos da mesma maneira que o Imperador Dominicano empalava moscas em um estilete para seu próprio divertimento. Ademais, um Comunista livre, quando encurralado, sempre mantém a liberdade primeiro. O Comunista de Estado, por outro lado, é lógico. Ele acredita na autoridade e o diz. Ele ridiculariza a liberdade para o indivíduo, que ele acredita ser inimiga dos interesses da maioria. Ele grita: "Abaixo à propriedade e à competição" e fala sério. Para uma ele diz "tome" e para a outra "suprima-a". Isso é bastante franco.
            Agora, ao "único argumento" da crítica, a saber: o mal ajustamento da oferta à demanda no caso da livre concorrência, resultando em uma deficiência em um a cada mil casos e em super-produção no resto do tempo – qualquer um dos quais é má economia. O Comunismo, infiro eu, criaria um conselho supervisor geral, com filiais em todo lugar, que deveria proceder com um tipo geral de recenseamento em relação à demanda por todo produto possível da manufatura, da agricultura, de madeira, de minerais, por toda melhoria em educação, diversão ou religião. "Senhora, cerca de quantas bolas seus garotos perdem anualmente por sobre a cerca do vizinho? Quantos botões suas garotinhas arrancam de seus vestidos? Senhor, quantas garrafas de cerveja você armazena em seu porão, semanalmente, para uso no domingo? Senhorita, você tem um amante? Se sim, quão frequentemente você escreve a ele, e quantas folhas de papel você usa para cada carta? Quantos galões de óleo você usa na lâmpada da sala quando você fica acordada até tarde? Não leve para o pessoal, mas meramente para obter as estatísticas corretas sobre a qual basear a produção do ano que vem de bolas, botões, cerveja, papel, óleo, etc. Sr. Lojista, mostre-me seus livros, para que o governo possa ter certeza de que você não vende mais do que a quantidade prescrita. Sr. Porteiro, quantas pessoas foram admitidas ao Jardim Zoológico semana passada? Duas mil? Na atual taxa de aumento, o governo fornecerá um novo animal em seis meses. Sr. Pregador, suas audiências estão diminuindo. Queremos inquirir sobre a questão. Se a demanda não for suficiente, devemos lhe abolir." Exatamente quais medidas seriam tomadas pela Comuna no caso de uma deficiência natural como, por exemplo, a falha parcial dos poços de gás do oeste da Pensilvânia, para compelir o rebelde elemento a produzir a "quantidade prescrita", eu posso apenas conjeturar. Ela poderia oficialmente ordenar que ocorresse a invenção da mercadoria requerida. Falhando isto, eu não sei qual plano seria adotado para preservar a equivalência dos custos trabalhistas na troca e deixar todo mundo satisfeito. A onisciência, contudo, poderia fornecer um caminho. A lei competitiva é que o preço de uma mercadoria limitada sobe. A livre concorrência impediria a limitação artificial; mas se a natureza entrasse no negócio, a mercadoria certamente extorquiria um prêmio em troca, até que algum substituto tivesse diminuído a demanda por ela. "Ah", grita o Comunismo, "injustiça". Para quem? "Os companheiros que foram roubados na troca". E você, o que fara? Trocaria equivalentes de trabalho com os primeiros que chegarem e deixaria o resto ficar sem? Mas o que, então, se faz do igual direito dos outros, que poderiam estar muito ansiosos para dar mais neste último caso, onde está a injustiça? Como nosso crítico observa, contudo, deficiência não é o maior problema, especialmente a deficiência natural. O principal é, temos que ser licenciados, protegidos, regulamentados, rotulados, tributados, confiscados, espionados e, em geral, é necessário que se interfira conosco, a fim de que as estatísticas corretas possam ser obtidas e que uma “quantidade” seja “prescrita”. Ou podemos confiar que produtores tenham cuidado com seus próprios interesses de maneira suficiente para evitar mercados com estoques deficientes ou excessivos? Se devemos esperar provisão e ordem daqueles que estão envolvidos, ou se seremos condenados a aceitar um cardápio daqueles que não estão envolvidos. De minha parte, antes de ter uma burocracia intrometida fungando na minha cozinha, na minha lavanderia, na minha sala de jantar, no meu escritório para descobrir o que eu como, o que eu visto, como minha mesa está posta, quantas vezes me lavo, quantos livros eu tenho, se meus quadros são "morais" ou "imorais", o que eu desperdiço, etc., ad nauseam, à maneira do Peru ou do Egito antigos, eu preferiria que mil repolhos apodrecessem, mesmo que fossem os meus repolhos.
            É possível que eu aprendesse algo com isso.

Filadélfia, Pa.

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